SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Influenciadores de finanças têm recebido propostas agressivas de publicidade das chamadas bets, muitas delas com um valor 10 vezes superior ao que costumam receber de outros patrocinadores.
Isso tem causado um incômodo geral, porque aceitar essas ofertas significa vincular as apostas on-line à ideia de investimento. Por outro lado, esses influenciadores têm demonstrado preocupação porque seus perfis acabam perdendo público para outras classes de influenciadores que topam fechar com as bets.
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Como reação, aumentou em 28%, do segundo semestre de 2023 para o primeiro de 2024, o número de menções ao assunto entre esses influenciadores. O dado faz parte da 7ª edição do Finfluence, levantamento feito pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), em parceria com o Ibpad (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados), que mostra o perfil de quem fala sobre investimentos nas redes sociais.
Segundo o estudo, 95% desses influenciadores que falam sobre as bets são contrários às apostas on-line ou fazem conteúdos educativos de alerta. Dentro dos outros 5% mapeados pela pesquisa que são favoráveis às bets, 58% recebem dinheiro de publicidade dessas empresas.
Um dos influenciadores que recusaram propostas agressivas das bets e reagiram com conteúdos contrários foi Charlesson Campos, conhecido como Doutor Equilíbrio nas redes sociais. Em conversa com a reportagem, ele diz que recebeu duas propostas de sites de apostas, uma para o YouTube, onde tem mais de meio milhão de inscritos, e uma para o Instagram, mídia social na qual possui cerca de 380 mil seguidores.
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Com canal no YouTube desde 2018, Charlesson diz que já tinha recebido várias propostas de anúncio do jogo do tigrinho, desenvolvido pela PG Soft. Recentemente, ele se engajou numa negociação para entender melhor a oferta. O acordo previa ganhos para ele de R$ 10 a R$ 20 por cada seguidor que aceitasse seu convite para conhecer a plataforma de aposta. Além disso, ele receberia uma porcentagem pelas apostas feitas por pessoas que recebessem o convite de algum de seus seguidores.
Ele então fez um cálculo com base no número dos inscritos em seu canal e concluiu que ele receberia pelo menos R$ 504 mil somente no primeiro mês da PG Soft. O valor, segundo ele, está muito distante do que costuma receber de propostas pelos demais anunciantes. Ele disse à reportagem que o máximo que recebeu por uma propaganda foi cerca de R$ 40 mil.
O anúncio do jogo do tigrinho envolvia criar uma conta de demonstração, que só simula as apostas, com a qual o influenciador induziria os seus seguidores a acreditar que ele estava de fato apostando. Ele só mostraria no vídeo os ganhos altos que tivesse no cassino.
Charlesson então decidiu copiar todas as conversas com os negociadores da bet e criou um conteúdo educativo para os seus seguidores, expondo a abordagem que esses sites de apostas têm com os influenciadores, para orientar o seu público. "A conclusão que eu quis passar é: tem que ter paciência, construir patrimônio com solidez e não acreditar em fantasias. Quem vai atrás de fantasias, acaba na miséria", disse à reportagem.
O influenciador contou que também recebeu proposta de uma pessoa famosa, cujo nome ele preferiu não revelar, para anunciar no seu Instagram uma bet que acabou de chegar ao Brasil.
Segundo ele, o acordo envolvia uma remuneração fixa de R$ 20 por cada convite aceito pelos seus seguidores para apostar na plataforma, mais uma comissão de 20% por perdas de dinheiro com apostas feitas a partir de sua indicação.
"Ou seja, quanto mais você perde, melhor seria para mim", resumiu. Fazendo um cálculo mais conservador, contando que cerca de 7% de seus seguidores iriam na onda e apostariam na bet, ele concluiu que um anúncio desse lhe renderia pelo menos R$ 660 mil. "Custaria menos de 10% da minha rede social. Bastava isso e eu estaria feito, milionário".
Charlesson diz que as bets sabem qual é a dor das pessoas e suas necessidades e vendem a ideia de solução rápida para aliviar essa dor. Mas ele orienta que as pessoas se questionem: "se no meu meio eu não consigo ver ninguém que ganhou, só influenciadores, por que eu vou apostar nisso?".
Em nota à reportagem, a ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias) disse que o jogo do tigrinho, assim como outros "slot games", é produzido por uma desenvolvedora de jogos mundialmente reconhecida, que não contrata influenciadores.
Em seu relato à reportagem, Charlesson disse que questionou o CNPJ de quem o procurou para anunciar o tigrinho, mas recebeu como resposta que o dado é sigiloso.
Em relação aos casos citados pela reportagem, de bets contratando influencers da área de investimentos, a associação disse considerar "inapropriado esse tipo de estratégia para a divulgação de jogos, uma vez que o jogo deve ser encarado exclusivamente como forma de entretenimento e não de renda extra ou de investimentos", diz
"A ANJL lembra que fez parte do processo de construção da autorregulamentação publicitária do mercado, junto com o Conar, e que não concorda com publicidades que sejam potencialmente nocivas tanto para apostadores quanto para a própria integridade e responsabilidade da indústria", completa.
A gerente executiva de Comunicação, Marketing e Relacionamento com associados da Anbima, Amanda Brum, diz que a entidade não possui nenhuma campanha contra as bets, já que esta reconhece que os jogos de aposta são legítimos como meio de entretenimento.
Ela afirma, porém, que a associação procura sempre orientar o público com conteúdos de educação financeira, mostrando que apostas são diversão, não um produto de investimento, pois isso ainda é um objeto de confusão para os brasileiros.
"Investimento é investimento, é para as pessoas pensarem no futuro, para realizarem seus sonhos, para terem uma reserva de emergência, para uma maior tranquilidade com as suas finanças. E aí, tem uma série de produtos que são regulados, que têm regras e que garantem, no fim da linha, muito mais segurança e tranquilidade. As bets, por outro lado, são jogos", afirmou.
Outro estudo da Anbima publicado no fim de 2023, o raio-X do investidor brasileiro, mostrou que 14% da população do país declararam ter feito pelo menos uma aposta on-line durante o ano. Essa fatia representa 22 milhões de pessoas em todo o país.
Segundo Brum, é uma quantidade considerável de apostadores, alguns dos quais nem sempre conhecem a natureza das bets e ainda confundem apostas com investimentos. Somente para efeito de comparação, esse número de pessoas que, pelo menos uma vez na vida, colocaram dinheiro nesses sites é menor, por exemplo, do que o total dos que disseram, na pesquisa, que investem em fundos de investimento (4%) ou em ações (2%).
"Ou seja, tem um monte de influenciador que fala o tempo todo de trade [investimento], que fala o tempo todo de ações. Tem um monte de perfis em redes sociais, veículos especializados, que falam o tempo todo disso. E aí você vai para a rua e descobre que tem mais gente colocando dinheiro em bet do que em ações", relata Brum.