FOLHAPRESS - Quase dois a cada três brasileiros com 18 anos ou mais defendem a proibição das apostas esportivas na internet, nos sites chamados de bets, mostra pesquisa Datafolha. O número sobe para 78% quando a questão se restringe aos caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho, mantidos nos mesmos endereços da web.
Pouco mais de um quarto da população maior de idade (27%) é favorável à atual liberação das bets, e 8% não opinaram. O resultado tem como base 1.935 entrevistas presenciais, realizadas em 113 municípios, de todas as regiões do país. A legalidade das apostas está em pauta, hoje, na Justiça.
A rejeição às bets é maior entre mulheres (68%) do que entre homens (61%). A faixa etária também altera a percepção dos brasileiros sobre as apostas esportivas. No grupo de entrevistados com idade de 18 a 24 anos, entre os quais o jogo é mais popular, 37% são contrários à proibição da prática, enquanto só 19% das pessoas com mais de 60 anos têm essa opinião. A diferença entre evangélicos e católicos que se opõem às apostas fica dentro da margem de erro: 66% para os primeiros e 63% para os segundos.
As apostas esportivas foram legalizadas por lei sancionada no último mês do governo de Michel Temer (MDB), em dezembro de 2018. Os caça-níqueis virtuais, por sua vez, foram incluídos no regramento brasileiro pelo Congresso em dezembro de 2023. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chancelou a regularidade dos jogos online por meio de portaria baixada em junho deste ano. A atividade regulada terá início no próximo dia 1º de janeiro.
Risco à saúde
Além de a maioria da população ser contra a liberação do jogo, 54% consideram que apostar é um vício, e outros 30% dizem que é uma perda de dinheiro. Nos 15% que têm uma visão positiva sobre a prática, 9% afirmam que é uma diversão, enquanto 3% avaliam que é uma fonte de renda, e 2%, um investimento financeiro.
A liberação dos jogos e o vício estão associados, segundo o psiquiatra Rodrigo Machado, do Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-Amjo), do Hospital das Clínicas. "Historicamente, observamos que a legalização e abertura de um mercado ao jogo do azar, quer seja presencial ou online, eleva a quantidade de indivíduos praticantes, expondo maior parcela da população a uma prática que pode gerar adoecimento em indivíduos vulneráveis."
O Pro-Amjo deixou de aceitar novos pacientes em função da alta procura por pessoas adoecidas pelo jogo ainda no mês de agosto e, desde então, tem fila de espera.
Tendências
Em relação à pesquisa anterior do Datafolha sobre o tema, feita em 5 de dezembro do ano passado, a parcela dos que dizem já ter apostado ficou estável: passou de 14% para 18%, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para cima ou para baixo em cada um dos percentuais. Também ficou estável a fatia dos que ainda fazem apostas online: oscilou de 8% para 6%. Já a porcentagem de pessoas que dizem ter experimentado, mas parado de apostar subiu de 7% para 12%.
O gasto médio com apostas esportivas também caiu, no período, de R$ 268 para R$ 214. A mediana ficou em R$ 60, abaixo dos R$ 100 indicados pela nota técnica do Banco Central. O número de pessoas que diz perceber mais perdas do que ganhos, por sua vez, subiu de 52% para 59%.
Apesar da atenção recente às bets, ainda há mais brasileiros que jogam mais nas loterias da Caixa (29%) e Federal (12%), além do ilegal jogo do bicho (8%), do que em apostas esportivas (6%). Os caça-níqueis virtuais são a modalidade menos popular: 4% dizem apostar nesses jogos.
Histórico
As apostas são permitidas no país desde dezembro de 2018, quando o governo Temer sancionou a lei que as legalizou. O texto alterava as fontes de receita do Fundo Nacional de Segurança Pública, incluindo nelas a receita de loterias e prognósticos esportivos. A intenção de aumentar a arrecadação foi o principal vetor da articulação para permitir a atuação das bets no país, segundo advogados e especialistas em saúde mental ouvidos pela Folha de S.Paulo.
O texto indicava que o Ministério da Fazenda teria dois anos, prorrogáveis em igual período, para regulamentar as atividades das apostas esportivas. A gestão de Jair Bolsonaro (PL), contudo, estourou o prazo de 12 de dezembro de 2022 e se encerrou sem definir regras para o setor.
O atual governo e os principais grupos de pressão pela legalização das apostas online no país dizem que o período de cinco anos de legalidade sem regulação e supervisão acentuou o cenário de publicidade invasiva e jogo compulsivo sem tratamento adequado, pelo qual o país passa hoje.
Os sites ganharam o país com patrocínios a 15 dos 20 clubes de futebol da Série A, a competições esportivas, além de extensa publicidade via influenciadores nas redes sociais. Já ofertavam também modalidades então proibidas no país, como os caça-níqueis online, a exemplo do jogo do tigrinho. A lei de Temer permitia apenas prognósticos esportivos, não mencionando jogos baseados em chance.
Parte dos gestores das bets era brasileira, embora operasse em um mercado cinzento, ancorado em licenças e empresas sediadas em paraísos fiscais, como Malta, Curaçao, Gibraltar, Belize e Anjouan.
O atual processo de regulamentação teve início no governo Lula, com uma medida provisória de julho de 2023, que o Congresso substituiu por um projeto de lei. Os parlamentares aprovaram o novo texto em dezembro do mesmo ano e adicionaram a primeira menção aos jogos eletrônicos, por meio de emenda do deputado Bacelar (PV-BA). Advogados divergiam se a alteração bastava para permitir caça-níqueis ou não. Em 29 de julho, a Fazenda sacramentou a legalização dos jogos de chance, como o do tigrinho, ao publicar uma portaria para determinar as condições para explorar a atividade.
"A regulamentação não cria um novo mercado, mas organiza e traz controle para uma atividade já existente", diz a presidente do site Bet7K Talita Lacerda. "Sem regulamentação, o setor opera em um ambiente de insegurança para os consumidores, onde não há garantias de proteção, nem de transparência ou responsabilidade por parte dos operadores irregulares e ilegais."
Legalidade
Sob o argumento de que os jogos online ameaçam a saúde pública e a economia popular, a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal), em setembro deste ano, a inconstitucionalidade da regulação das apostas. A Procuradoria-Geral da República também procurou a corte constitucional e contestou a validade da lei de 2018 que permitiu os prognósticos esportivos.
Em resposta à ação da CNC, o governo reconheceu, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), "os efeitos econômicos e sociais nocivos desproporcionais que podem tornar a atividade incompatível com os princípios constitucionais".
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
"Caso as medidas protetivas implementadas a partir da vigência da lei nº 14.790 de 2023 e das portarias do Ministério da Fazenda não alcancem o efeito esperado de afastar a situação de inconstitucionalidade causada pelas apostas de quota fixa online, talvez não reste outra alternativa senão o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei nº 13.756 de 2018, que institui essa modalidade de loteria em nosso ordenamento jurídico", afirmou o governo.
Em audiência pública realizada no último dia 12, o ministro Luiz Fux afirmou que levaria o mérito ao plenário no próximo ano.