Na última semana, Belo Horizonte recebeu mais uma edição da Semana Internacional do Café (SIC 2024), evento que reúne todos os players do setor para mostrar novidades e fechar negócios. E não é por acaso que a capital sedia desde 2013 um dos principais eventos mundiais sobre o produto, já que Minas Gerais responde por 52% do café produzido no Brasil. “Se Minas Gerais fosse um país, seria o maior produtor mundial de café”, analisa Antônio de Salvo, presidente do Sistema Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais). Em 2024, a produção brasileira de café foi de 54 milhões de sacas, e Minas Gerais contribuiu com 28 milhões. Outra boa perspectiva é o crescimento da produção de cafés especiais.
A SIC 2024 reuniu mais de 40 países compradores de café. De acordo com o presidente do Sistema Faemg, 65% do café brasileiro é exportado. Os principais compradores são Alemanha, Estados Unidos, Itália e Japão. O café é o segundo produto mais exportado por Minas Gerais, perdendo apenas para a mineração. A China vem aumentando sua participação, com os jovens trocando o hábito de beber chá pelo do café, e hoje é o sexto maior comprador.
Um dos pontos altos da SIC é o anúncio do prêmio Coffee of the Year. Na categoria arábica, o primeiro lugar foi para o Espírito Santo, com o produtor Paulo Roberto Alves, do Sítio Campo Azul, em Divino de São Lourenço, no Caparaó. O segundo lugar ficou em Minas Gerais, com Gabriel Lamounier Vieira, da Fazenda Guariroba II, em Santo Antônio do Amparo, no Campo das Vertentes. Na sequência vem o café do produtor Douglas Dutra Vieira, do Sítio Cordilheiras, em Lúna (ES), também no Caparaó.
ESPECIAIS
A produção de cafés especiais continua crescendo, podendo alcançar 20% da produção nacional do grão, segundo a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). De acordo com Antônio de Salvo, apesar de depender de cuidados especiais em todas as etapas, o café especial aumenta significativamente o valor agregado para o produtor, chegando a até dez vezes o valor de um café commodity.
A diferença entre o café especial e o commodity está, sobretudo, na colheita. Bernardino Cangussu, coordenador técnico na área de cafeicultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), explica que, para obter o café especial, só se colhe os frutos maduros e isso demanda várias colheitas. Seu processo de secagem também é diferente, mais lento, e requer acompanhamento para ter a maior concentração de açúcar. Já para obter o café commodity, toda colheita é realizada quando se atinge um percentual mínimo de amadurecimento, e a secagem é induzida.
Para o engenheiro agrônomo, o brasileiro foi acostumado a tomar um café muito barato, mas ruim, e que aos poucos vai entendendo que produzir um café bom não é tão barato assim. Ele compara com o consumo de um vinho de boa qualidade: “Um bom vinho, cuja garrafa custa R$ 300, é consumido em uma noite e ninguém questiona isso”. Antônio de Salvo complementa ao destacar que o brasileiro precisa valorizar e aprender a saborear esse tipo de bebida, que é mais clara, não amarga e tem diversas nuances.
Além dos cafés especiais, o presidente do Sistema Faemg considera importante tudo o que pode agregar valor ao café brasileiro. Ele cita o que a própria Alemanha faz com o café verde comprado no Brasil, que é beneficiado e revendido com valor agregado expressivo, fazendo com que a Alemanha seja um exportador de café sem produzir o grão. “Estamos buscando isso, mas é necessário criar um cenário estável que dê confiança aos investidores nacionais e internacionais”, disse Antônio de Salvo.
SUSTENTÁVEL
Um recorte interessante da produção de café em Minas Gerais é a participação das cooperativas. De acordo com Alexandre Gatti, superintendente da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg), mais da metade (57,5%) do grão produzido no estado passa por uma cooperativa. Em 2023, as cooperativas de Minas Gerais exportaram mais de 346 mil toneladas de café, gerando R$ 8,9 bilhões em receitas.
Gatti destaca como diferencial do café cooperativo o compromisso com a sustentabilidade. Do ponto de vista ambiental, ele garante que 99% da produção desse café não gera desmatamento, tem cuidadoso manejo da terra e uso de defensivos agrícolas, além do correto descarte de materiais. Do ponto de vista social, as cooperativas trabalham com pequenos produtores, geram emprego e renda. “E tudo isso fica na comunidade, diferente de uma multinacional, onde o dinheiro vai para a matriz”, explica o superintendente.
CONTROLE
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) aproveitou a Semana Internacional do Café para lançar a plataforma Origem Controlada Café. A ferramenta permite a rastreabilidade do café com Indicação Geográfica (IG), que são os produtos que guardam características especiais graças à sua origem.
“A rastreabilidade é uma exigência do mercado. Hoje, o comprador do exterior quer todos os dados do produto com origem controlada. E a plataforma consegue dar essas respostas, informando quem produz, onde, a qualidade, características sensoriais dos cafés que têm IG, além de várias outras informações técnicas”, explicou Hulda Giesbrecht, analista de Inovação do Sebrae.
A plataforma traz informações de 15 das 16 Indicações Geográficas de café do Brasil, que compreendem 424 municípios em seis estados brasileiros. Deste total, seis IGs estão em Minas Gerais: Cerrado Mineiro, Campos das Vertentes, Mantiqueira de Minas, Sudoeste de Minas, Matas de Minas e Café da Canastra. O registro de IG é concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Na Europa, a primeira Indicação Geográfica foi o Vinho do Porto. Hoje, o velho continente tem mais de 500 IGs registradas e, de acordo com Hulda, é um conceito muito bem absorvido para desenvolver um território e gerar valor aos produtores. No Brasil, a primeira IG foi o Vale do Vinhedo, enquanto a segunda foi o café do Cerrado Mineiro. O Sebrae passou a atuar estruturando a Indicação Geográfica no Brasil a partir de 2004. Hoje são 122 IGs de vários produtos: café, frutas, queijos, vinhos, mel, artesanato.
INTEMPÉRIES
Mas nem tudo são flores nos pés de café brasileiros. Segundo Antônio de Salvo, a safra 2024 foi afetada por uma seca persistente e tudo indica que a safra de 2025 também será impactada. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de café caiu 0,5% em 2024, quando comparada ao ano anterior. Com essa alegação, o café tradicional registrou alta significativa ao longo deste ano.
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), divulgada no início do mês, indica que o item da cesta básica que mais aumentou no acumulado do ano em Belo Horizonte foi o café moído, que registrou alta de 57,34%.
GENÉTICA
Bernardino Cangussu, coordenador técnico na área de cafeicultura da Emater), afirma que até os técnicos estão tendo que se adaptar para conviver com as questões climáticas (seja o excesso ou falta de chuva, temperatura alta ou baixa) de uma forma lucrativa para o produtor. Ele conta que, apesar de existirem muitas pesquisas em andamento, no manejo com as plantas o básico costuma dar certo, ou seja, a adubação e a correção do solo para manter a planta bem nutrida.
Um bom método disponível é o café cultivado junto às chamadas plantas amigas, um mix de sementes de plantas de cobertura com sistema radicular e altura diferentes. Quanto crescem, essas plantas são roçadas e a matéria orgânica fica no solo. A raiz apodrece e abre caminho para a água penetrar no solo. “Essa decompactação ainda permite a entrada de minhocas, que produzem o húmus, que é um fertilizante natural”, explica o engenheiro agrônomo da Emater. Essa matéria orgânica é a principal responsável pela retenção de água e nutrientes no solo, criando uma resiliência climática. Assim, a chuva, mesmo concentrada, fica na lavoura.
O coordenador técnico da Emater conta que as pesquisas genéticas em curso visam desenvolver cafés mais adaptados à temperatura, com sistema radicular mais profundo, que demandam menos água, a absorvam melhor, além de ter mais resistência a pragas e doenças. “São estudos que estão avançando, mas são de médio e longo prazo, já que essas plantas duram até 20 anos, e é preciso provar que a pesquisa funciona”, disse Cangussu.
CONSUMIDOR
José Renato Rodrigues Alves frequenta a Semana Internacional do Café desde 2014. Para o produtor de café de Piatã (BA), na Chapada Diamantina, o evento foi um divisor de águas. “Eu tinha 20 anos, tinha acabado de assumir a propriedade dos meus pais e ‘virado a chave’ para a produção de cafés especiais, porque até então era café commodity. Vim no intuito de vender o meu produto, porque nós tínhamos um custo muito alto e uma qualidade muito boa, precisávamos agregar valor. E, de fato, esse objetivo foi alcançado”, relata sua primeira experiência.
Hoje, o que traz o produtor à SIC 2024 é compartilhar com toda a rede do café a experiência com a última safra. “É um momento de encontrar com todos eles. A gente se sente no papel de expandir tudo isso, tocar os consumidores, mostrar como a gente faz o nosso produto, como é valioso consumir o café não só pela manhã, como alimento, mas como um momento de socialização”, relata.
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A pequena propriedade, chamada Vista Alegre, tem 4 hectares, mas a produtividade é boa, tendo alcançado um volume de 165 sacas em 2024. “Foi nossa melhor produção, apesar do Brasil estar vivendo essa seca, essa queda de produtividade. O clima contribuiu muito na nossa microrregião”, explica. O beneficiamento do café é feito em uma pequena cooperativa de produtores local. A microusina foi montada pelo governo do estado, e, segundo José Renato, tem equipamentos de ponta.
O produtor conta que desenvolveu diferentes processos de secagem dos café para se adequar ao que o mercado está pedindo: natural, cereja descascado, lavado, honey e alguns pouco fermentados. “A gente distribui isso no mercado de uma forma muito estratégica. Temos cafés em quase todos os estados e também fazemos algumas exportações para a Austrália, Japão e Estados Unidos”, detalha. Cerca de 40% da produção é exportada.
A propriedade de José Renato recebe muitas visitas de turistas. “Além de tomar o café, eles querem levar pra casa, mas a gente não tem café torrado. Esse é nosso próximo projeto, montar uma marca apenas para distribuição local”, planeja. O produtor espera terceirizar a torrefação de cerca de 10% da produção. Ele acredita que isso possa agregar valor entre 40% e 60% em relação ao café verde beneficiado.