Pouco mais de 24 horas após a divulgação do pacote fiscal, declarações dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, sinalizaram que a estratégia adotada pelo governo para conseguir acelerar a aprovação das medidas seguiu cumprindo o script planejado, ao menos em Brasília. Enquanto isso, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) articulou para tentar reverter o custo que a forma de comunicação escolhida pelo governo gerou: dólar na máxima histórica (bateu R$ 6,12 ao longo da sexta-feira, 29) e um grande arranhão na imagem dele como fiador da austeridade fiscal na gestão do presidente Lula.
O mercado financeiro iniciou o dia seguinte ao detalhamento das medidas testando o Banco Central. A cotação do dólar explodiu na expectativa de que a autoridade monetária interviesse vendendo moeda americana para reduzir a volatilidade. "Mercado ficou sem parâmetro. Até quem estava mais otimista, jogou a toalha", avaliou a economista Zeina Latiff. Segundo ela, apesar de ir na direção certa, "a qualidade das medidas fiscais anunciadas não é boa e os números não são críveis".
"Até os mais otimistas se decepcionaram", desabafou um executivo graduado do mercado financeiro. Segundo ele, "a Faria Lima tem um viés anti-PT", numa referência à avenida na capital paulista que é o centro nervoso do mercado financeiro. "O que o governo fez foi dar de bandeja para eles (o mercado) o argumento: não te falei que não há compromisso fiscal desse governo?", prossegue. Para o mesmo executivo, agora o esforço terá que ser muito maior para desfazer o desgaste.
O BC não interveio. "O BC não mira qualquer nível de câmbio", descartou o futuro presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, durante evento na Febraban, em São Paulo. Ele defendeu a importância do regime de câmbio flutuante para "absorver choques".
Haddad aproveitou o clima receptivo entre os banqueiros presentes e o anfitrião – o presidente da Febraban é um ex-BC – para tentar "desfazer o mal-entendido", conforme classificou um interlocutor do governo a reação do mercado. O ministro disse que faltou ao mercado "um pouco de cautela na análise". E se comprometeu, inclusive, a repensar novas medidas. "Se tem desconforto, vamos voltar para a mesa de discussão. Mas as pessoas precisam analisar linha por linha", afirmou, enfatizando que "não tem bala de prata" e que é possível "avançar com outras medidas nos próximos meses".
Já na política, a estratégia seguiu o caminho desejado. A isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5 mil cumpriu seu papel de bode na sala: concentrou o debate, criou uma cortina de fumaça e tirou o foco dos detalhes das demais medidas que, agora, ganharam aval do Congresso para serem aprovadas ainda neste ano, enquanto a reforma na renda ficará para o ano que vem. Vale lembrar que a equipe econômica anunciou que a votação desse texto ficaria para 2025, para ser implementada – se tudo desse certo – em 2026. E, também que, para financiá-la, foi incluído aumento na taxação de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o que atinge em cheio os parlamentares.
"Essa é uma discussão para frente, que vai depender muito da capacidade do Brasil crescer e gerar riqueza, sem aumento de impostos", disse Pacheco, o presidente do Senado, por volta do meio-dia desta sexta, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa. Ele se referia à isenção do Imposto de Renda para parte da classe média (trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil). "Não é pauta para agora", afirmou, justificando que, "embora seja um desejo de todos", só poderá acontecer "se tivermos condições fiscais para isso". "Se não tivermos, não vai acontecer", cravou.
Horas antes, o presidente da Câmara, Arthur Lira, também tinha se manifestado na mesma linha, por meio das redes sociais: "Qualquer outra iniciativa governamental que implique em renúncia de receitas será enfrentada apenas no ano que vem. Uma coisa de cada vez".
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Ambos, porém, se comprometeram em acelerar as medidas de controle de gastos incluídas no mesmo pacote. "Reafirmo o compromisso inabalável da Câmara dos Deputados com o arcabouço fiscal", prosseguiu Lira. "Toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar", acrescentou.
"É importante que o Congresso apoie as medidas de controle, governança, conformidade e corte de gastos, ainda que não sejam muito simpáticas", disse ainda Rodrigo Pacheco, seguindo uma linha bem próxima da do presidente da Câmara. Ele defendeu que o pacote deve ser visto como "o início de uma jornada de responsabilidade fiscal".