Considerado o ministro mais forte da Esplanada, Fernando Haddad (Fazenda) ganhou a simpatia do mercado financeiro e passou a ser o grande fiador da política econômica em meados do ano passado, após a divulgação e a aprovação do chamado arcabouço fiscal, o conjunto de regras que sinalizou o rumo das contas públicas no terceiro mandato do presidente Lula. Ironicamente, foi com o anúncio de novas medidas fiscais, há uma semana, que o mesmo ministro viu sua credibilidade ruir junto a investidores e analistas. Apesar de ainda contar com uma certa simpatia do mercado financeiro, a capacidade dele de influenciar o governo passou a ser questionada.

O que era um sentimento geral e crescente nas conversas entre analistas, economistas e investidores durante os debates internos no governo e no anúncio das medidas fiscais foi traduzido em números numa pesquisa realizada nos últimos dias pela Quaest. O levantamento ouviu gestores de fundos de investimento, economistas, analistas e tomadores de decisão no Rio de Janeiro e em São Paulo.



De acordo com o levantamento, a avaliação positiva da gestão de Haddad no comando da equipe econômica, que era de 10% no início do governo Lula, chegou a 65% em julho de 2023, após o anúncio do arcabouço fiscal. Agora, caiu para 41%. Enquanto isso, as avaliações negativas passaram de 38% em março de 2023 para 11% em julho e voltaram a subir para 24%.

O maior arranhão na imagem de Fernando Haddad foi na capacidade dele de influenciar o governo: 61% dos entrevistados disseram que a força do ministro da Fazenda está menor hoje do que no início do mandato de Lula, frente a 14% registrados numa pesquisa similar em março. No início deste ano, para 51% dos entrevistados Haddad era um ministro mais forte do que quando assumiu o cargo, e apenas 4% duvidavam da força dele.

"Depois do anúncio de um pacote fiscal raso, quem vai acreditar que ele (Haddad) terá condições de endurecer no ajuste necessário?", questiona o gestor de um grande fundo. "Ele falou que a equipe econômica poderá adotar novas medidas, na semana passada, mas depois da condução dessas medidas, caiu em descrédito", completa.

"Não duvido das boas intenções do ministro, mas ele mostrou que é menor nas discussões com o PT", disse o diretor de um grande banco de varejo, referindo-se à legenda do presidente Lula. Durante a discussão das medidas que seriam incluídas no pacote fiscal, Haddad e os técnicos da equipe econômica enfrentaram resistências do PT e de partidos que apoiam o governo.

Antes mesmo de divulgar oficialmente as propostas, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, se manifestou favorável às críticas de movimentos sociais contra cortes em áreas como saúde, educação e benefícios sociais. Os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Previdência) ameaçaram pedir demissão caso as medidas atingissem as respectivas pastas com cortes em projetos importantes.

Durante a entrevista coletiva para divulgação das medidas, as ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão) justificaram que uma das medidas mais esperadas pelo mercado ficaram fora porque teriam efeito nulo. Segundo elas, a desvinculação do aumento dos gastos nas áreas de saúde e educação do crescimento das receitas do governo federal foi retirada da lista de propostas "por unanimidade", diante da análise de que teria um "impacto zero" e geraria muito ruído com a sociedade e o próprio Congresso, correndo o risco de não passar.

Depois de acomodar todas as pressões políticas e técnicas, o próprio governo se deu conta de que o pacote não seria aplaudido pelo mercado, mas, também, não esperava a reação negativa que, segundo interlocutores oficiais, tem sido motivada muito mais pela "má vontade" que se tem com a gestão Lula do que por qualquer razão técnica. Daí veio a estratégia de agradar as bases e colocar um "bode na sala" – a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil – que concentraria o debate, poderia ficar para ser apreciado em 2025, mas que favoreceria a aprovação ainda neste ano das medidas essenciais do ajuste.

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A realidade foi outra: a cotação do dólar bateu R$ 6,12 após a divulgação das medidas, o que tem implicações na inflação e na trajetória dos juros. Na próxima semana, o Banco Central deverá promover nova alta na taxa Selic. A sensibilidade do mercado de câmbio segue a todo vapor. Depois da divulgação de dados da economia dos Estados Unidos e das declarações do ministro Haddad sobre a reforma tributária em evento em Brasília, a taxa de câmbio ensaiou um recuo. O movimento foi interrompido, porém, pela notícia da substituição do presidente do Conselho de Administração da Petrobras, que teria o aval do governo, Pietro Mendes, e por declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira, de que o governo não tem votos suficientes para aprovar nem mesmo o pedido de urgência para a tramitação do pacote fiscal.

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