Nos últimos 20 anos, os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) permitem, a quem se interessar, acompanhar a evolução do desempenho dos alunos brasileiros. Houve um aumento expressivo das notas das séries iniciais. No entanto, o nível dos jovens passou apenas de "péssimo" para "muito ruim". E são modestos os avanços nas séries finais, que constituem "o elo perdido" do sistema educacional brasileiro. Bem ou mal, muito se fala de Ensino Infantil, alfabetização e séries iniciais. O mesmo sobre o Ensino Médio. O superior é, certamente, o que mais captura a atenção das autoridades e da mídia.


Porém, quando analisamos as séries finais do Ensino Fundamental - o chamado Fundamental II, que compreende a etapa que vai do 6º ao 9º ano, com estudantes na faixa de 11 a 14 anos, percebemos o quanto o período é praticamente esquecido. E essa é grande preocupação de João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, psicólogo, Ph.D. em educação pela Florida State University, pós-doutorado e Visiting Scholar da Graduate School of Business, Stanford University, ex-professor de língua portuguesa, além de autor de vários livros e artigos científicos. Por isso, em um sinal de alerta e convocação para uma mudança já, ele lançou sexta-feira, 19/1, o e-book “Anos finais do ensino fundamental: Elo perdido - O futuro da juventude brasileira depende de uma revolução no ensino e no desempenho dos alunos dos anos finais”.


Não é questão de pessimismo ou descrédito, trata-se da realidade de sua interpretação. Ou seja, a conclusão do especialista acerca do quão aterrador é o cenário da educação no país. Para João Batista Oliveira, dificilmente haverá uma reversão deste triste quadro no Brasil: “A principal razão é a falta de um entendimento correto, por parte das elites e dos governantes, a respeito de como organizar e gerenciar um sistema educativo. Isso também se aplica à maioria das ONG's que atuam em educação no Brasil. O fato de que pouquíssimos municípios e nenhuma rede estadual de ensino oferecem um ensino de qualidade minimamente adequada é a comprovação disso”.

 




Diante desse quadro, a visão é que as futuras gerações vão estar em apuros e à mercê de profissionais cada vez mais incapazes, defasados e inseguros, diante do déficit de aprendizagem e conhecimento. Um caos para o país, pensando no macro, e para a população no dia a dia: “O Brasil tem vários problemas de produtividade - alguns provocados pelos 'governos da vez', outros pelo setor privado e, também, aqueles originados pela falta de capital humano devidamente qualificado. As mudanças demográficas tornam ainda mais necessário educar bem os jovens. É possível encontrar saídas por qualquer um desses caminhos, mas o 'pacto social estabelecido' não contribui para a busca de eficiência”, destaca João Batista Oliveira.

 

Séries finais são definitivas para a sociedade

Com os dados postos, por que os anos finais do Ensino Fundamental, do 6º ao 9º, são importantes e por que fazem a diferença? “As séries finais são definitórias para a sociedade e para os indivíduos: ou o aluno avança para o Ensino Médio e Profissional, ou cai no mundo do subemprego e do desemprego. É nesse período que milhões abandonam a escola e, assim, as perspectivas de um futuro melhor”, alerta o presidente do Instituto Alfa e Beto.


Quando o conhecimento é negligenciado e tem qualidade aquém do ideal, resolver um período fará alguma diferença no todo? Quem fez o Fundamental de forma inadequada, seguirá assim no médio e no ensino superior também e, consequentemente, se tornará um profissional de formação abaixo do esperado, com defasagens irrecuperáveis? Para João Batista Oliveira, “é ilusão pensar que é possível resolver todos os problemas educacionais do país de uma só vez. Mas é razoável resolver questões específicas e usar o sucesso de cada etapa para avançar. As séries finais são um ótimo ponto de partida - tão bom como qualquer outro”.


O abismo entre redes públicas e privadas

Além do cenário geral ser preocupante e apresentar defasagem, a sociedade ainda tem de lidar com o abismo entre a rede pública e a privada: “Isto existe em todos os níveis do ensino e está relacionado com a origem socioeconômica dos alunos. A contribuição das instituições particulares, para além do que é de se esperar em função das condições da família do aluno, é muito medíocre. Para se ter uma ideia objetiva: a média dos alunos das escolas privadas do Brasil se compara com a média de todos os alunos dos países mais avançados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Ou seja: nossas elites se comparam com a média desses outros países”, assinala João Batista Oliveira.


As boas notícias

Apesar de números alarmantes quanto à aprendizagem, no e-book tem um capítulo de boas notícias. Com dados como o aumento das notas das séries finais, independentemente do estado em que os alunos chegam a esse nível de ensino, pode ser aquela luz tão almejada: “É possível melhorar significativamente o desempenho dos alunos dos alunos na reta final do Fundamental II. Existem conhecimentos, metodologias e estratégias para isso. Só não melhora a educação, a rede que não quer fazê-lo, que não está disposta a mudar os modos de pensar e gerenciar o conhecimento e suas didáticas e pedagogias”.


Mesmo os mais otimistas não podem fugir de um retrato que se apresenta desanimador. No entanto, centelhas e oásis de projetos educacionais premiados e vencedores existem. Como a educação pública no Ceará, por exemplo, que se tornou um exemplo no país; outro case é Teresina, no Piauí; Pernambuco que se destaca no Ensino Médio. Então, é possível pensar em avanços? “Os casos de superação nas séries finais são pouquíssimos – se levarmos em conta os municípios que fizeram e mantiveram avanços sustentados ao longo do tempo. O Ceará é uma exceção – houve melhoria significativa nas séries iniciais e finais. Mas o nível atingido nestas últimas ainda está distante do necessário”.


Depoimento


Glaucia de Oliveira, professora e mãe de Henrique e Heloísa, de Patos de Minas

“A Educação Básica inicial é peça importantíssima para o futuro da nossa sociedade. Com um alicerce fragilizado, dificilmente teremos um topo forte e consolidado. Por isso, sempre são utilizadas algumas comparações que remetem à construção civil. A base sendo forte e eficiente, faz com que o restante siga o mesmo padrão. Percebo que falta investimento real na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Quando a rede pública é comparada à particular, podemos perceber grandes discrepâncias. É preciso desmistificar que tantas datas comemorativas, por exemplo, são mais importantes do que o ensino propriamente dito. Enquanto o aprendizado não for estruturado e eficaz, a absorção do conhecimento também não será. A educação dos meus filhos é sempre prioridade. Eles sabem que a superação é algo que sempre devemos almejar no dia a dia escolar, permanentemente."


O que é o ensino fundamental II


É a continuação do Ensino Fundamental I. Desde 2008, esta modalidade foi dividida em duas: anos iniciais ou Ensino Fundamental I, e anos finais ou Fundamental II, do 6º ao 9º ano, período que oferece ao estudante desafios de maior complexidade, que permitem que ele retome as aprendizagens adquiridas no Fundamental I e aprofunde os conhecimentos, aumentando, assim, o seu repertório. Uma das principais características do Ensino Fundamental II é a variedade de professores - um para cada disciplina, fase em que o estudante ganha maior autonomia, o que permite que ele tenha condições e ferramentas para acessar diferentes fontes de conhecimento e informação. No Ensino Fundamental, em seu período final, o estudante entra criança e sai adolescente: ingressa aos 11 anos e completa o Fundamental aos 14 anos de idade; ou seja, esta é uma etapa de transição. Ao concluir os nove anos do Ensino Fundamental, o adolescente estará pronto para ingressar no Ensino Médio, última etapa da Educação Básica brasileira.

Fonte: Educa+Brasil


Alguns dados de alerta*

É baixíssimo o percentual de alunos do 9º ano do ensino fundamental com nível adequado em matemática e língua portuguesa (Saeb – 2021).

Apenas cerca de 1,5% dos alunos atingiram os níveis adequados definidos pelo MEC em 2021. Nos anos anteriores, os resultados raramente foram pouco melhores.

Mesmo na rede privada, o nível de alunos proficientes é de pouco mais de 10% em matemática e 6,58% em língua portuguesa.

Os alunos das escolas públicas do Brasil não atingem os níveis mais elevados de desempenho no PISA.

A melhoria do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, nas diversas regiões do país, entre 2005 e 2020, não repercutiu na melhoria da educação nos anos finais do Ensino Fundamental.

Não há diferença relevante entre redes estaduais e municipais na mesma Unidade Federativa, nem no mesmo município (Saeb – 2021).

O desempenho em matemática, nas escolas municipais das capitais, é tão baixo quanto o dos demais municípios (além de muito variável e não refletir políticas regionais - Saeb – 2021).

Nos últimos 20 anos houve uma redução de 3,4 milhões de matrículas no Ensino Fundamental. Na reta final, a matrícula caiu de 13,7 para 11,9 milhões, uma diferença de 1,8 milhão de alunos. Essa redução se deve de um lado à redução da taxa de crescimento da população e, de outro, à redução do nível de repetência. Apesar da queda na repetência, apenas 2,67 dos 2,87 milhões de alunos matriculados no 6º ano, em 2012, chegaram ao 9º ano em 2016. Ou seja, 580 mil alunos continuaram no sistema como reprovados ou se evadiram – um total de 17%.

*Fonte: E-book “Anos finais do ensino fundamental: Elo perdido.

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