*Conteúdo produzido por Flávio Castro

Em um mundo globalizado e digitalmente conectado, o português tem sido amplamente influenciado por outras línguas, especialmente o inglês. Termos originários desse idioma se infiltram nos mais diversos contextos da nossa comunicação diária, desde o ambiente corporativo até as interações informais em redes sociais e jogos. Essa tendência reflete não apenas a influência cultural anglo-saxônica, mas também as necessidades de uma sociedade que valoriza a agilidade, a praticidade e a inovação na linguagem. Esses anglicismos não são uma novidade no processo de evolução do português, sendo comparáveis, por exemplo, aos galicismos que predominaram no final do século XIX.

No ambiente corporativo, termos como brainstorm, feedback, briefing e coffee break tornaram-se recorrentes no vocabulário. Essas palavras são adotadas tanto por seu caráter prático quanto pela suposta aura de profissionalismo e sofisticação que parecem trazer ao discurso. Por exemplo, brainstorm (literalmente "tempestade de ideias") é amplamente utilizado para designar sessões de ideias criativas em grupo, enquanto feedback (retorno ou avaliação) é essencial para o processo de comunicação dentro de uma organização. Esses termos traduzem conceitos que, embora possam ter correspondentes em português, são mais reconhecidos em sua forma original devido ao prestígio da língua inglesa no mundo dos negócios.

Usamos diariamente diversas palavras de origem inglesa

Imagem IA

Já no comércio, especialmente no setor de serviços e marketing, palavras como delivery, cashback, all inclusive, self service dominam. Esses termos, oriundos do inglês, capturam tendências de consumo modernas e práticas comerciais globalizadas. Delivery (entrega) passou a ser um termo universal para compras de alimentos e produtos pela internet, enquanto cashback (dinheiro de volta) designa programas de recompensa popularizados no comércio eletrônico. Esses empréstimos linguísticos se consolidam pela necessidade de comunicação rápida e eficiente em um mercado cada vez mais conectado internacionalmente. É certo porém que, muitas vezes, o uso indiscriminado e reiterado desses termos soa de forma caricata, quando não piegas e pedante.

Entre os jovens, especialmente aqueles inseridos no universo dos games, dos e-sports e das redes sociais, estrangeirismos derivados do inglês como tankar, flodar, shipar e bugar são comuns. Esses termos não só refletem uma apropriação do inglês, mas também uma adaptação criativa da língua ao contexto brasileiro. Tankar, por exemplo, vem de tank termo usado em jogos para descrever personagens que suportam grandes danos; já flodar, de flood (inundar), refere-se ao ato de enviar muitas mensagens repetidamente. Esses termos ganham vida em um ambiente jovem, onde a cultura digital dita tendências e modismos linguísticos.

Se hoje os anglicismos (termos oriundos da língua inglesa) dominam o cenário linguístico, no final do século XIX, o francês exercia papel similar, influenciando o vocabulário da elite brasileira. Termos como maitre (chefe de sala), soutien (suporte, posteriormente adaptado para designar o sutiã), abat-jour (protetor de luz, abajur), purée (purê) e restaurant (restaurante) eram largamente utilizados. Assim como os anglicismos atuais, os galicismos entraram na língua por sua associação a status, moda e prestígio cultural, especialmente em círculos sociais mais elevados.

Anglicismos na prova de linguagem do ENEM

O ENEM, em suas provas de Linguagens e Códigos, explora com frequência temas como a morfologia, a formação de palavras e a variação linguística. Os processos de criação de neologismos, especialmente com a incorporação de anglicismos, ilustram como a língua se adapta e se transforma. Termos como brainstorm, delivery, shipar e bugar são exemplos de como as palavras são formadas por empréstimos de outras línguas e, muitas vezes, adaptadas por sufixação ou aglutinação no português. Esses processos revelam a dinâmica morfológica e a influência de fatores sociais e culturais na evolução do vocabulário.

A análise dos anglicismos também destaca a variação linguística, que se manifesta em diferentes contextos sociais e situacionais. No meio corporativo, termos técnicos em inglês são incorporados como parte de uma variação situacional, onde a formalidade e a precisão são essenciais. Já no universo jovem, especialmente em ambientes digitais, ocorrem adaptações criativas de termos estrangeiros, muitas vezes hibridizando o inglês e o português de forma informal, como nos casos de shipar (de relationship) e bugar (de bug).

A prova do ENEM frequentemente explora esses fenômenos linguísticos para discutir a formação de palavras e as variações de acordo com o grupo social, a faixa etária e o contexto de uso. O exame pode abordar, por exemplo, como o processo de derivação ou composição de palavras se relaciona com o contexto histórico e cultural, ou como a variação geográfica e social influencia a linguagem. Além disso, a análise da etimologia de termos estrangeiros e sua adaptação ao português permite uma reflexão sobre a influência cultural e o dinamismo da língua.

Finalmente, a presença desses temas no ENEM reforça a importância de compreender a morfologia e os processos de formação de palavras no contexto das variações linguísticas, revelando como a língua reflete as transformações sociais e culturais em diferentes períodos históricos. A língua portuguesa está viva infensa às influências externas e à cultura globalizada. E por mais que adotemos palavras estrangeiras pretensiosas e sazonais em determinadas épocas ou situações, nunca deixaremos de falar e escrever nossas palavras, tão bonitas e significativas, como “saudade”, “menina” e “maracujá”. Pois como disse Fernando Pessoa, o maior poeta do século XX: “Minha pátria é a Língua Portuguesa”.

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Sobre o autor: Flávio de Castro é pós-graduado em Letras pela Unicamp e escritor. Escreveu Desaparecida (2018) e Minério de Ferro (2021), além de colaborar em diversas revistas, jornais e suplementos. Atualmente é pesquisador no Posling do CEFET-MG e professor de Literatura e Interpretação de Textos no Curso DetOnline.

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