*Conteúdo produzido por Flávio Castro

A prova de Linguagens do ENEM 2024 trouxe uma situação curiosa: uma questão sobre o romance A Resistência (2015), de Julian Fuks, causou um pequeno dilema até para o próprio autor. Em uma postagem bem-humorada e descontraída em suas redes sociais, Fuks confessou a dificuldade em responder uma questão que abordava as convicções do narrador de seu livro. “Eu mesmo não saberia explicar, com toda a convicção, o que há por detrás das convicções do meu narrador”, escreveu. Aproveitando a situação, ele propôs uma enquete aos seguidores: “Que resposta vocês dariam?”

A situação lembra o episódio do ano passado, quando Caetano Veloso, ao se ver citado na prova do ENEM, gravou um vídeo em que, além de expressar sua alegria pela inclusão de sua obra, admitiu uma certa dificuldade em responder à questão que comparava duas de suas canções. A reação de ambos os artistas revela um ponto interessante sobre o papel da interpretação literária e a experiência de leitura. A admissão dos autores de que eles próprios podem ter dificuldade em interpretar seus textos é, na verdade, um excelente ponto de partida para refletir sobre o processo de leitura crítica.

O episódio não deveria ser usado como argumento para criticar negativamente a prova do ENEM. Pelo contrário, ele reforça a noção de que o autor nem sempre é o “melhor leitor” de sua própria obra. O texto literário é um objeto dinâmico, cuja interpretação é renovada a cada leitura, incorporando a bagagem e o contexto do leitor. Esse conceito é amplamente discutido por teóricos literários, e um dos principais defensores dessa visão é Antoine Compagnon, em seu livro O Demônio da Teoria – Literatura e Senso Comum (Editora da UFMG, 2015). Compagnon explora como os componentes do sistema literário, como o autor, o leitor e o estilo, interagem e expandem os significados atribuídos aos textos:

No capítulo dedicado ao leitor (e à leitura) Compagnon examina, entre outros, uma belíssima citação do filósofo existencialista Jean Paul Sartre (1905-1908), que compara o texto a um brinquedo: “O objeto literário é um estranho pião que só existe em movimento. Para fazê-lo surgir é preciso um ato concreto chamado leitura e ele só dura enquanto essa leitura puder durar”. Podemos constatar, então, que a questão do ENEM, bem como o comentário do escritor, fez (e ainda fazem) girar o pião da literatura.

A questão sobre A Resistência e o post divertido de Julian Fuks destacam a potência da leitura crítica e sua capacidade de ampliar o sentido das obras literárias. Mais do que uma interpretação fechada, o texto literário é um campo aberto a diversas leituras, cada uma acrescentando novas camadas de significação. A prova de Linguagens do ENEM, ao incluir obras contemporâneas e promover esses diálogos, cumpre um papel importante na formação de leitores críticos, competentes e capazes de analisar textos sob diferentes perspectivas.

Análise Geral da Prova de Linguagens do ENEM 2024

Professores do Determinante realizam a análise da prova do primeiro dia do Enem 2024.

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No geral, a prova de Linguagens deste ano foi bem estruturada e equilibrada, apresentando uma seleção variada de textos literários, artísticos e culturais. Com um nível de dificuldade de médio para fácil, a prova conseguiu atender a um amplo espectro de habilidades, testando desde a interpretação básica até a análise crítica de textos. A inclusão de autores contemporâneos como Julian Fuks e de referências culturais que vão desde a série Game Of Thrones, passando por Racionais MCs, Rita Lee, Natália Polessa e o cronista Antonio Prata, dialogam com os jovens reforçando a atualidade e relevância da prova, além de aproximar o exame das realidades e interesses dos candidatos.

Ainda que tenha predominado um grau de dificuldade acessível, algumas questões exigiram dos estudantes uma leitura mais apurada, como a própria questão sobre A Resistência. Esse tipo de abordagem é esperado em um exame que busca avaliar não apenas a capacidade de compreensão literal, mas também a habilidade dos candidatos em lidar com nuances e interpretações mais complexas. A diversidade de temas e gêneros textuais apresentados, incluindo crônicas, anúncios, poemas e ensaios, evidencia um esforço da banca em construir uma prova que fomente a formação de leitores versáteis.

É natural que, em uma prova extensa como a do ENEM, algumas questões soem mais difíceis ou desafiadoras para certos candidatos. Essa variação de complexidade, no entanto, é necessária para que o exame consiga diferenciar diferentes níveis de domínio da leitura e interpretação de textos. Uma prova composta apenas de questões diretas e simples não proporcionaria uma avaliação completa das competências exigidas, especialmente em um exame nacional que busca selecionar estudantes para as mais diversas áreas acadêmicas.

Assim, a prova de Linguagens do ENEM 2024 reafirma seu papel como instrumento para a construção de uma leitura crítica e culturalmente informada. Ao propor um exame que desafia os estudantes a extrapolarem interpretações literais e a se conectarem com múltiplas perspectivas, o ENEM cumpre sua função não apenas de avaliar, mas também de educar, incentivando a leitura e a análise de maneira rica e diversificada.

Em última análise, episódios como o de Julian Fuks e Caetano Veloso, longe de desvalorizar a prova, servem para destacar a beleza da literatura e da interpretação, lembrando-nos de que o ato de ler é uma jornada de descoberta e redescoberta, onde cada leitura renova e transforma o texto em novas camadas de significado.

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O quadro com uma mecha de cabelo é tradição do aprovado no Determinante.

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Sobre o autor: Flávio de Castro é pós-graduado em Letras pela Unicamp e escritor. Escreveu Desaparecida (2018) e Minério de Ferro (2021), além de colaborar em diversas revistas, jornais e suplementos. Atualmente é pesquisador no Posling do CEFET-MG e professor de Literatura e Interpretação de Textos no Curso DetOnline.

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