O documentário No Other Land conquistou o Oscar 2025 de Melhor Documentário, mas sua vitória foi ofuscada pela violência crescente contra seus criadores. O filme, dirigido por um coletivo de quatro cineastas palestinos e israelenses, retrata a destruição sistemática da comunidade de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada. A produção obteve 100% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, baseado em 90 avaliações, estabelecendo-se como um dos documentários mais aclamados de 2024.
Três semanas após receber o prêmio, o codiretor palestino Hamdan Ballal foi atacado por colonos israelenses em sua casa em Susiya, sendo posteriormente detido pelo exército israelense. O incidente exemplifica as tensões documentadas no próprio filme, onde a arte e o ativismo se entrelaçam de forma perigosa. O projeto levou cinco anos para ser concluído, filmado entre 2019 e 2023, registrando não apenas a destruição física, mas também o custo humano da ocupação.
Como a parceria improvável entre ativista e jornalista mudou perspectivas?
A força narrativa de No Other Land reside na colaboração única entre Basel Adra, ativista palestino de Masafer Yatta, e Yuval Abraham, jornalista israelense. Adra documenta há décadas a demolição de casas e deslocamento forçado em sua comunidade, enquanto Abraham utiliza sua posição privilegiada para amplificar essas denúncias. A dupla desenvolve uma amizade genuína que transcende divisões políticas, oferecendo perspectiva rara sobre o conflito.
Durante a cerimônia do Oscar, ambos aproveitaram o palco global para fazer declarações contundentes. Basel Adra revelou que se tornou pai recentemente e expressou esperança de que sua filha não viva sob as mesmas ameaças. Yuval Abraham criticou a política externa americana, afirmando que “a política deste país está ajudando a bloquear o caminho da paz”. A declaração gerou controvérsia, com o ministro da cultura israelense Miki Zohar denunciando a vitória como “momento triste para o mundo do cinema”.
Por que o filme enfrentou censura e boicotes nos Estados Unidos?
No Other Land tornou-se vítima de uma campanha de censura silenciosa nos Estados Unidos, não conseguindo encontrar distribuidor americano apesar de ter sido adquirido em 24 países. O filme teve apenas uma semana de exibição qualificatória no Film at Lincoln Center em novembro de 2024, seguida por lançamento limitado em Nova York e Los Angeles no início de 2025. Esta situação foi comparada por críticos à censura branda, refletindo a sensibilidade política do tema.
Em abril de 2025, os cineastas decidiram disponibilizar o filme independentemente para aluguel digital na América do Norte por três semanas, com os lucros beneficiando Masafer Yatta. Basel Adra explicou a decisão: “Decidimos tornar nosso filme acessível online nos EUA independentemente porque, apesar de ganhar o Oscar, nossa comunidade ainda está sendo destruída e precisamos urgentemente de ajuda”. O movimento representa tentativa desesperada de usar o reconhecimento internacional para gerar apoio concreto.
Quais foram as consequências reais da exposição internacional?
A visibilidade obtida com o Oscar trouxe consequências dramáticas para os envolvidos. Yuval Abraham relatou ao The Guardian que sua família em Israel foi forçada a evacuar após uma “multidão israelense de direita” procurá-lo. Como filho de sobreviventes do Holocausto, Abraham expressou indignação por ser rotulado de antissemita: “Estar em solo alemão e pedir cessar-fogo para depois ser chamado de antissemita não é apenas ultrajante, também coloca literalmente vidas judaicas em perigo”.
O codiretor Hamdan Ballal foi espancado por colonos israelenses em março de 2025, sofrendo ferimentos na cabeça e estômago antes de ser detido pelo exército israelense. Após uma noite algemado e espancado em base militar, foi liberado. Basel Adra também foi agredido por colonos em fevereiro de 2025. Estes ataques demonstram como a exposição internacional pode aumentar a vulnerabilidade dos ativistas palestinos, criando dilema entre visibilidade necessária e segurança pessoal.
Como o documentário redefine narrativas sobre ocupação e resistência?
No Other Land evita abordagens convencionais de documentários políticos, focando em experiências pessoais ao invés de estatísticas ou discursos. O filme mostra a vida cotidiana sob ocupação através da perspectiva de Masafer Yatta, onde Israel declarou zona de treinamento militar para justificar demolições. A estratégia narrativa humaniza estatísticas abstratas, transformando números em rostos e histórias individuais.
A colaboração israelense-palestina na direção oferece modelo alternativo de resistência através da arte. O projeto demonstra que cooperação é possível mesmo em contexto de conflito extremo, desafiando narrativas polarizadas que dominam discussões sobre a região. O sucesso crítico e os prêmios internacionais, incluindo o Prêmio da Audiência do Panorama no Festival de Berlim, validam esta abordagem colaborativa como ferramenta eficaz de mudança social através do cinema documental.