Demissões em massa já se tornaram frequentes com as oscilações do mercado e têm impactado centenas de pessoas a cada nova rodada. Recentemente, foi a vez da Microsoft, gigante global da tecnologia, que demitiu mais de mil funcionários. Se isso por si só já é um baque para as pessoas envolvidas e para o setor, há um complicador quando são feitas por métodos que podem ser considerados controversos. Especialistas chamam atenção para riscos judiciais para as empresas e soluções para minimizar os impactos humanos, e reforçam a necessidade de reflexão sobre preventivo jurídico.
A ação da montadora Stellantis, que viralizou no TikTok há alguns meses ao demitir 400 profissionais por videochamada, é um dos exemplos que reacendeu o debate sobre as atuais metodologias de demissão no mundo corporativo por meio do uso da tecnologia. A estratégia adotada pela multinacional, que pegou os funcionários de surpresa enquanto estavam em home office a pedido da empresa, não é um caso isolado e destaca a urgência de repensar essa prática.
Métodos controversos já foram usados antes. Casos como o do Google, que demitiu 12 mil colaboradores por um e-mail geral, e a abordagem abrupta de Elon Musk no X (ex-Twitter), que optou por expor um ex-funcionário publicamente por mensagem na rede, demonstram a necessidade de uma reflexão sobre a ética e os impactos humanos dessas decisões.
“A desumanização da demissão gera diversos problemas para o negócio. Primeiramente, a empresa corre o risco de ser processada por danos morais pelos colaboradores demitidos, que podem se sentir lesados e humilhados a depender da forma como a dispensa foi conduzida. Além disso, ao incluir nessas dispensas prestadores de serviço freelancers e prestadores de serviços contratados como pessoa jurídica, a empresa pode acabar por direcionar para uma proximidade ao formato celetista, em conjunto com a análise de todo o histórico dessa contratação, e ter o vínculo empregatício requerido e reconhecido em uma eventual disputa judicial, mesmo que não haja registro formal”, alerta Lorena Lage, CEO da L&O Advogados, escritório especializado em preventivo jurídico.
De acordo com a advogada, outro risco significativo é a perda de reputação. A empresa que demite em massa por videochamada cria um clima de insegurança e desconfiança entre os colaboradores remanescentes, o que pode levar à queda na produtividade, à rotatividade de funcionários e até mesmo à sabotagem. “Os colaboradores demitidos se tornam ‘embaixadores negativos’, ou seja, ‘detratores’ da marca, espalhando seus relatos sobre a empresa e desincentivando novos talentos a se candidatarem a vagas”, explica Lage.
Empresas são alvo de críticas na mídia e nas redes sociais pela forma como conduziu o processo, afetando a sua reputação no mercado de trabalho. “Ela ainda corre o risco de sofrer duras sanções legais no caso de judicialização do tema pelos colaboradores que se sentiram lesados”, acredita a especialista em preventivo jurídico e Direito Digital.
A importância do preventivo jurídico
Adotar práticas mais humanizadas de dispensa de colaboradores, mesmo em caso de desligamentos em massa, é possível. “A empresa deve comunicar com antecedência e clareza, explicando aos colaboradores os motivos da demissão de forma transparente e honesta”, esclarece a advogada. Oferecer apoio aos colaboradores dispensados por meio de carta de recomendação, serviços de recolocação profissional, orientação psicológica, auxílio para o pagamento de contas e cursos gratuitos para viabilizar uma recolocação, são algumas das medidas cabíveis.
“A humanização do desligamento não só reduz o impacto emocional para as pessoas dispensadas, mas também fortalece a imagem da empresa como um empregador responsável e ético. Mesmo em caso de demissão por justa causa, não se deve nunca constranger os colaboradores dispensados, que devem ser sempre tratados com cordialidade”, afirma Lorena.
Ela reforça que a assessoria jurídica preventiva é a melhor solução para a sustentabilidade de uma empresa. “Antecipar o escopo jurídico permite a realização de atividades de análise e elaboração de contratos, planejamento trabalhista e outros possíveis impactos das relações no negócio, por exemplo, o que faz com que a empresa passe a contar com um acompanhamento tranquilizador, um parceiro que poderá sanar todas as dúvidas do cotidiano do negócio e também um parceiro estratégico para a tomada de decisões importantes devidamente orientadas”, conclui.
Quando uma empresa organiza um processo nessa dimensão, o esforço também deve estar direcionado a ações para quem fica, garante o CEO da HRtech Korú, Daniel Spolaor. Segundo ele, desligamentos por vezes são necessários, mas equilibrar as necessidades da empresa e das pessoas que permanecerão ali, por meio da conexão entre esses dois pólos, é o que tornará um negócio saudável.
“Os RHs em momentos de euforia costumam dedicar de 60% a 70% do seu esforço na seleção e integração de novos funcionários. A mesma proporção deveria ser aplicada em treinamento, desenvolvimento e carreira em momentos de baixa. Afinal, mobilidade interna e redesenhos de função são hoje apontadas como um dos maiores fatores de retenção nas organizações, proporcionando ânimos renovados, o que traz habitualmente um ganho grande de produtividade, escala e uma redução de carga de trabalho”, conclui o especialista com mais de 15 anos de experiência.