Lagoa Grande – “E do Tamanduá-tão era a Vereda, com seus buritis altos e a água ida lambida, donzela de branca, sem um celamim de barro. Diz-se que lá se pesca, e gordas piabas.” Uma das veredas mais citadas pelo escritor e imortal João Guimarães Rosa em sua obra “Grande sertão: veredas”, esse era uma espécie de destino idílico recorrente, de folga e pesca para os exaustos jagunços do romance. De acordo com as pistas deixadas por Rosa, como a proximidade de outros locais e as localizações indicadas por pesquisas como as do escritor Alan Viggiano, trata-se da Vereda do Tamanduá, em Lagoa Grande, no Noroeste de Minas Gerais, a 17 quilômetros da área urbana do município.
E sua água limpa e translúcida continua a fluir das nascentes da vereda, rumo ao Rio Paracatu. Peixes são vistos com fartura, de pequeninos e curiosos a grandes, arredios. Os pontos mais preservados são cercados pelas palmeiras de buritis e buritiranas, que identificam a formação, inclusive do ponto de vista legal. Ervas, coqueiros, árvores de frutas, pássaros deslizando rasantes na lâmina d’água e muito gado matando a sede formam uma paisagem condizente com a descrição de Guimarães Rosa.
Só a forma de crucifixo da vereda não é a mesma ou deixou de ser, para um esguio braço entre eucaliptos e plantações. “O senhor forme uma cruz, traceje. Que tenha os quatro braços, e a ponta de cada braço: cada uma é uma... Pois, na de cima, era donde a gente vinha, e a cava. A da banda da mão-direita nossa, isto é, do poente, era a Mata-Grande do Tamanduá-tão. Rumo a rumo, a da banda da mão-esquerda, a Mata-Pequena do Tamanduá-tão. A de baixo, o fim do varjaz – que era, em bruto, de repente, a parede da Serra do Tamanduá-tão, feia, com barrancos escalavrados”, descreveu Rosa.
A perda do formato pode ser um alerta para a necessidade de proteção do local. Na parte mais oriental da vereda há uma invasão, com avanços até dentro da formação florestal considerada Área de Proteção Permanente (APP). Talvez até por isso a dificuldade de se chegar até a vereda pelos terrenos de fazendeiros, todos arredios, com medo de invasores. É nas pontes sobre as estradas que se consegue o melhor acesso a essa formação que ainda preserva a alma de “Grande sertão: veredas”.
Conservar
e recuperar
“Graças a Deus existem veredas preservadas, ainda.” A afirmação do analista ambiental Mário Lúcio Santos, gerente regional do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG) em Januária, demonstra que nem tudo está perdido e que a esperança de conservação permanece. Apesar do quadro de degradação e seca nessas formações, mostrado ao longo de série de reportagens do Estado de Minas, a sobrevivência desses mananciais indica a necessidade de mantê-las intactas e recuperar as que estão devastadas.
Nas mesmas regiões onde há paisagens degradadas, resistem pessoas envolvidas em bem-sucedidos projetos de recuperação e conservação ambiental. Entre esses exemplos, Mário Lúcio cita áreas em boas condições de água, fauna e flora na Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Veredas do Acari (na bacia do rio homônimo), no município de Chapada Gaúcha. “Lá, há um quantitativo de veredas preservadas muito elevado. Isso foi demonstrado no próprio diagnóstico feito pela comunidade sobre a qualidade das veredas na reserva do Acari”, salienta o analista ambiental do IEF.
Ele afirma que nos parques estaduais Veredas do Peruaçu e Serra da Araras, assim como na Área de Preservação Ambiental (APA) do Rio Pandeiros, nos municípios de Januária, Chapada Gaúcha e Bonito de Minas, no Norte do estado, ainda há um complexo de formações preservadas, a despeito de muitas perda.
“Buriti quer todo azul, e não se aparta de sua água – carece de espelho”
“Grande sertão: veredas”, João Guimarães Rosa