A ideia para criar as composições em argila surgiu depois de uma viagem que Cássia fez ao Vale do Jequitinhonha, berço de grandes artesãos e mestres nessa arte, e também terra natal de Mary -  (crédito: Origem Ateliê/Divulgação)

A ideia para criar as composições em argila surgiu depois de expedição ao Vale do Jequitinhonha, berço de grandes artesãos e mestres nessa arte, e também terra natal de Mary

crédito: Origem Ateliê/Divulgação

Arte que vem da terra, terra que a mão esculpe, mão que faz da natureza sua obra prima, beleza do fundo do chão. Identidade expressa em detalhes, personalidade além de fronteiras, vivências transformadas no objeto. O barro entoado em formas, cores, texturas. Na pré-história, na Grécia e Roma antigas, na Idade Média, com contornos barrocos, da art nouveau ou do modernismo. Dos instrumentos iniciais que serviam simplesmente para o comer e beber, até consagrados ícones estéticos, passando por leituras infinitas, vasta é a cerâmica. Tão vasta quanto a criatividade que caminha no compasso particular da inspiração. 

A capacidade da argila de ser moldada quando misturada com água e de endurecer após a queima permitiu que a cerâmica (do grego keramos, "argila") estivesse presente no mundo desde os primórdios da humanidade. Com o tempo, a técnica vem ganhando espaço, através da produção de utilitários e revestimentos, sinônimos de requinte e, depois, lançando mão de novas tecnologias, matérias-primas, formatos e design, conquista contornos e aplicações infinitas. Quando se chega perto de quem está na raiz desse fazer, o caminho também permeia a responsabilidade cultural e social, significa resgate e se faz ferramenta de transformação, uma vez retrato de um povo, de gerações, de histórias de vida.

E é em uma ode a esse universo que, nesta sexta-feira e sábado (26 e 27/4), a designer Mary Arantes e as ceramistas Cássia Adi e Raquel Lopes, do Origem Atelier, lançam uma coleção de peças inspiradas no Vale do Jequitinhonha. A ideia para criar as composições em argila surgiu depois de uma viagem que Cássia e Mary fizeram com um grupo maior ao Vale do Jequitinhonha, berço de grandes artesãos e mestres nessa arte, e também terra natal de Mary. A designer foi escolhida como consultora do projeto e curadora da expedição, que já acontece há duas edições, sempre em junho, mês marcado para a próxima, em 2024.

As viagens contemplam diferentes cidades do Vale Jequitinhonha, quando os participantes têm a oportunidade de conhecer de perto as casas e oficinas desses artistas, assim como podem entender as características da cerâmica feita em cada localidade e a história dos mestres que ensinaram a cada um deles. Com o evento, Mary, Cássia e Raquel convidam os olhos e corações sensíveis a apreciar o que há de mais bonito e particular nesse ofício.

Cerâmica Origem carrega limpeza na estética, que remete à estética sem excesso do Vale

Cerâmica Origem carrega limpeza na estética, que remete à estética sem excesso do Vale

Origem Ateliê/Divulgação

O trabalho com a nova linha batizada Xique Xique coroa a arte, o belo e o feito à mão, também em fomento e apoio aos produtores criativos. Chic é palavra francesa, cujo significado é fino, elegante, sofisticado. Xique xique com x é cactáceo e também objeto sonoro. A palavra, principalmente duplicada, carrega em si uma sonoridade, um som conhecido, como o cantar de quem nasceu no Vale do Jequitinhonha. “Um linguajar amaciado”, como diria Gilberto Freire.

Unindo simplicidade, pureza das formas e encantamento, assim como um quê de sofisticação, marcas registradas do Vale do Jequitinhonha e do ateliê de Cássia e Raquel, a cerâmica Origem carrega limpeza na estética, que remete à estética sem excesso do Vale. "O Vale me encantou. Fui surpreendida pela força das mulheres, por sua sensibilidade no trabalho com a cerâmica. Mergulhei e me entreguei à cultura do Jequitinhonha. É comum, ao pensar sobre a região, pensar na falta, de dinheiro, de comida, de tudo. Mas o que descobri não foi a falta, foi a força, a afetividade delas. Agreguei à linha do meu trabalho, mais sofisticada, reta, simples, as leituras do que eles fazem lá, em um tom de simplicidade e elegância", conta Cássia, que coordena o Origem Atelier há seis anos, ao lado da filha.

Mary Arantes conta que a intenção é trazer a alma do Vale do Jequitinhonha a uma cerâmica extremamente limpa e contemporânea, como descreve a identidade do Origem Atelier. Incrustar desenhos e relevos à cerâmica com ícones estilizados da paisagem do cerrado é o que confere personalidade à coleção. Flores do campo, palmas dos cactos, espinhos do pequi e outras referências constroem Xique Xique. 

Ideia é trazer a alma do Vale para uma cerâmica limpa e contemporânea

Ideia é trazer a alma do Vale para uma cerâmica limpa e contemporânea

Origem Ateliê/Divulgação

"Não poderia interferir muito em termos de formas, então por isso pensei em inserir esses ícones que lembram a região e estão nos desenhos que compõem as peças. São simbologias que identificam o cerrado como um todo. Em relação a formas, exploramos o que se usa por lá", diz a designer. Os utilitários, de uso cotidiano dessa região tão emblemática do interior mineiro, norteiam, dessa forma, a escolha dos objetos, como tigelas (aqui nomeadas de travessa), cumbucas (hoje chamadas de bowls), jarro d’água, botija estilizada, leiteiras, cafeteiras, panelas de barro e candeeiro (também conhecido como porta-vela).

Os tons do barro, areia e terroso, assim como a pintura branca, similar à tabatinga lá usada, formam a espartana cartela

Os tons do barro, areia e terroso, assim como a pintura branca, similar à tabatinga lá usada, formam a espartana cartela

Origem Ateliê/Divulgação

Margarida Pereira, ceramista de Caraí, foi convidada para ilustrar símbolos, pássaros imaginários, uma forma de devolver ao Vale um pouco do que transmite ao mundo. "É uma maneira não só de simplesmente usar o que eles fazem lá, mas sim ter algum tipo de retorno, um agradecimento ao que nos foi dado", complementa Mary Arantes. Os tons do barro, areia e terroso, assim como a pintura branca, similar à tabatinga lá corriqueira, formam a espartana cartela.

De origem indígena, a cerâmica começou como objeto utilitário, por necessidade dos povos indígenas, nômades que, quando se fixavam a um território, o faziam sempre onde tinha água abundante e argila para confeccionarem os utensílios.

Os utilitários, de uso cotidiano dessa região tão emblemática do interior mineiro, norteiam a escolha dos objetos

Os utilitários, de uso cotidiano dessa região tão emblemática do interior mineiro, norteiam a escolha dos objetos

Origem Ateliê/Divulgação

A cumbuca, assim como a cuia, para eles servia para tudo - cabem direitinho entre as mãos. Habitualmente, na cumbuca se toma caldos, mas porque não fazer dela um prato “encumbucado”? Propositalmente, não possuem alças e outros apêndices. As alças e tampas só surgiram muito tempo depois, a pedido dos colonizadores, que transformaram muitos utilitários em objetos decorativos.

Lançamento Xique Xique
Origem Atelier e Mary Arantes
Na Avenida Brasil, 309, loja 204
Sexta-feira (26/04), de 10h às 19h, e sábado (27/04), de 10h às 17h
Contato:
Mary Arantes - @coisasdamary - (31) 99213-0878
Cassia Adi - @origem.atelier - (31) 98425-6472