Algumas peças dão até para usar de saia, se você brincar e construir formas diferentes com os abotoamentos -  (crédito: LUIZA ANANIAS/Divulgação)

Algumas peças dão até para usar de saia, se você brincar e construir formas diferentes com os abotoamentos

crédito: LUIZA ANANIAS/Divulgação

 

Nos garimpos para o seu brechó, ela via aquele tanto de camisas sociais encalhadas. Peças com tecidos de qualidade, padronagens que agradavam, mas sem nenhum apelo estético. Não valia a pena comprar, não eram mercadorias vendáveis. Não daquele jeito. Foi diante de uma matéria-prima abundante, mas desinteressante, que Bianca Poppi encontrou a forma de expressar toda a sua criatividade.


“A ideia é desconstruir a camisa engomadinha de trabalho, que lembra o ambiente corporativo, engessado. Uso uma base completamente banal e desinteressante e a transformo em algo diferente, mostro novas possibilidades”, aponta a designer, fundadora da marca Poppicycle, que entrou nesse universo como consumidora de roupas de segunda mão. Segundo ela, era o caminho para uma pessoa apaixonada por moda, mas sem muito recurso, construir uma identidade própria.


Bianca nasceu em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Logo que se formou, sentiu o choque de realidade: não havia na cidade oportunidade de trabalhar com criação de moda. O brechó Poppi foi a salvação. Ao mesmo tempo em que garimpava peças prontas, buscava retalhos para fazer pequenas coleções. A marca autoral surgiu assim, a partir do material que tinha em mãos. Ela nunca comprou rolo nem metragem grande de tecido.


Seu plano era ir para São Paulo – onde imaginava que encontraria oportunidades –, mas, no meio do caminho, conheceu Belo Horizonte. Amou a cidade e amou quem a apresentou, e com ele se casou.
Há sete anos, Bianca colocou o acervo do brechó em um caminhão de mudança e aqui veio construir uma nova vida e carreira. A adaptação levou um tempo. “Morava em uma cidade onde fazia 40 graus e, quando me mudei para BH, passava frio, não sabia nem me vestir, tinha outro guarda-roupa. Acabei passando por um período de adaptação, de entender o novo lugar, a nova cultura, o novo eu, e fiquei uns cinco anos sem costurar, sem criar roupa”, conta.


Mas as ideias nunca deixaram de aparecer. Bianca diz que, nesse tempo, acumulou uma energia criativa e muita vontade de fazer algo novo. Aí veio a ideia do upcycling (do inglês, reutilização). “Não queria comprar metros de tecido, ter grade de numeração, confecção, então decidi usar o que material que tenho na mão, que já existe. É nisso que acredito, é o que faz sentido, o que tem a ver comigo.”


Nessa nova fase, em BH, Bianca se voltou para as camisas, dando uma nova identidade para a marca. O nome Poppicycle remete a um novo ciclo, tanto da roupa quanto da criadora. O trabalho consiste em juntar várias camisas, padronagens, cores e tecidos, mas de um jeito novo. O resultado tem uma estética completamente diferente, e isso tem a ver, não só com a mistura de materiais, mas com a brincadeira dos abotoamentos, são vários numa mesma peça. Com isso, você vai criando formas, livremente, uma hora tem uma peça mais justa, outra mais ampla. A pessoa que escolhe como quer usar.


Várias formas

“Ao mesmo tempo em que desconstruo a peça, dou a possibilidade de construir algo novo. Quando você veste, acaba remontando do seu jeito. Algumas peças dão até para usar de saia, se você brincar e construir formas diferentes com os abotoamentos. Tem gente que faz coisa que nunca pensei”, comenta a designer, deixando claro que sua referência de moda são roupas que podem ser usadas de diversas maneiras e em várias ocasiões.


E quando a peça tem duas golas, onde enfiar a cabeça? “Você que vai escolher”, ela reforça. “A gola que sobrar pode ser usada como cava para o braço ou ficar de decoração. É uma loucura, super estranho, esquisito. Já falaram que parece camisa de força, mas, se formos pensar, camisa de trabalho é uma camisa de força por impor padrões. Mas é isso, quero desconstruir essa ideia de tudo no lugar, sair da normatividade, e não tem nada mais normativo do que uma camisa social.”


Além de propor um novo estilo, a marca também traz reflexões sobre sustentabilidade. Mas não foi nada intencional. Inclusive, ela não quer ser reconhecida como uma pessoa que faz moda sustentável. “A sustentabilidade não é uma escolha, uma categoria de roupa, é uma obrigação, o único caminho possível de qualquer pessoa que faça moda. Estamos vivendo uma crise climática e ela acontece por essa forma de consumo frenético. Precisamos pensar nessa massa de matéria-prima que já temos no mundo e que nos dá um milhão de possibilidades de criação.”


O ateliê da Poppicycle, onde também fica o acervo do brechó Poppi, no Bairro Santo Antônio, abre uma vez por mês para eventos.