Anderson Birman -  (crédito: Reprodução)

Anderson Birman

crédito: Reprodução

 

Anderson Birman não imaginava que os quatro anos de conversas semanais com a jornalista Ariane Abdalla pudessem resultar em um livro sobre sua trajetória de empresário bem-sucedido. O que seria, a princípio, registros de fatos e memórias importantes em sua vida, sem intenção de alcançar leitores, ganhou amplitude depois das ponderações do diretor criativo Giovanni Bianco, que ele deveria compartilhar sua rica experiência com outras pessoas. Foi assim que nasceu "A cada passo", que inclui também textos, lembranças e reflexões que Anderson produziu até final de 2022, guardados em uma pasta sobre sua mesa.


Assim, os biógrafos de plantão perderam a oportunidade de escrever sobre esse mineiro de Manhuaçu, cuja ambição, desde criança, era ser rico, e que soube correr atrás dos seus sonhos, convencido que o céu era o limite. Histórias pessoais e profissionais, vitórias, fracassos e fraquezas, contadas com genuína sinceridade, se mesclam na publicação, que é leitura obrigatória para todos que empreendem ou desejam empreender no Brasil.


Mas o que convenceu mesmo Birman a levar a ideia adiante foi o argumento de Bianco de que poderia reverter o valor das vendas para alguma causa social: nesse caso, a escolhida foi a Casa Transitória, instituição espírita que o empresário frequenta há anos, em São Paulo. Esse é um dos pontos que Anderson trata na biografia, discorrendo sobre a prática religiosa seguida pela família de origem judia. Em foco estão as experiências mediúnicas da mãe, do pai, e sua própria mediunidade.


As palavras e as lições do Evangelho transmitidas por dona Ruth, durante as conversas telefônicas entre os dois, hoje fazem muito sentido, já que ele vive um momento de reconexão com a sua fé. É em tom de honestidade também que comunica publicamente o problema de saúde, que vem enfrentando, o parkinsonismo.


Às voltas com médicos e remédios, Anderson viu sua vida social se limitar, já que uma das suas maiores dificuldades, agora, - ele que sempre foi um bom orador - é falar. “Conviver com essa doença, por mais doloroso que seja, não é um castigo, mas, sim, uma forma de enxergar aspectos em que sem ela eu, provavelmente, não prestaria atenção. A atividade filantrópica talvez seja a maior expressão disso. Hoje me dedico à filantropia porque sei o quanto a solidariedade pode fazer diferença na vida das pessoas, inclusive na minha”. A observação está presente mais no final do livro e faz parte de uma carta que Birman escreve para os cinco filhos, netos e leitores, convidando-os a viver a vida, todos os dias, porque, apesar das dores, ela vale a pena.


Visionário, sua grande preocupação sempre foi a continuidade da empresa que fundou, aos 18 anos, em sociedade com o pai, Henrique, e com o irmão, Jefferson. Essa foi mais uma razão para que doasse boa parte das ações que detinha da Arezzo&Co para os filhos: Alexandre – preparado para a sucessão desde a sua adolescência - , Patrícia ( do seu primeiro casamento) e Allan, André e Augusto (do segundo matrimônio). CEO da companhia, Alexandre hoje detém uma participação maior no capital da holding dona das marcas Arezzo, Anacapri, Schutz, Alexandre Birman, Alme, Brizza, Carol Bassi, Reserva, Oficina, Simples, BAW, Vicenza, Paris Texas, TROC.


Lembrete: o livro foi publicado antes da fusão da Arezzo & Co e do grupo Soma, que, doravante, passará a se chamar Azzas 2154 S.A. A decisão, segundo Anderson, faz parte do seu plano sucessório. “Fico contente em fazê-lo com tranquilidade, apoiado por pessoas e profissionais da minha maior confiança, cujo objetivo é comum ao meu: perpetuar o negócio. A meta original é chegar a 2154”.


Memória

Certas passagens, como essa - a de doação das ações, que incluiu conversas com filhos , família, advogados e consultores -, avivaram a memória de Birman. “Quem diria que a garagem da casa dos meus pais em Belo Horizonte, em plena década de 1970, abrigaria o início de uma trajetória de mais de 50 anos. Foi naquele espaço que encontrei o meu ofício, a de sapateiro, e onde comecei a colocar em prática habilidades que cultivava desde criança, como a criatividade e o interesse do comércio”.


Embora grande parte de pessoas, particularmente os mineiros orgulhosos do conterrâneo, conheçam a história da Arezzo, é bom frisar que ela passa, em resumo, pelo começo na rua Itajubá, no bairro Floresta, com produção inicialmente dirigida ao público masculino; pela mudança de direcionamento para sapatos femininos; pela abertura das lojas Gypsy; pelo sucesso da sandália Anabela, confeccionada em couro atanado nessas lojas; pela aquisição fake desses pontos de venda e a incorporação dos mesmos à marca Arezzo, numa jogada de marketing bem-sucedida.


Anderson aborda cada uma dessas fases nos capítulos, lembrando a abertura das fábricas em Belo Horizonte – na avenida Nossa Senhora de Fátima, no bairro Lagoinha, e na avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, no bairro Glória; a implementação das franquias, modelo no qual a Arezzo detém pioneirismo; a mudança para o Vale dos Sinos; a inauguração da loja-conceito na Oscar Freire; o desenvolvimento de novas marcas, a aquisição de outras; a entrada no mercado internacional; a abertura de capital na Bolsa de Valores, a doação das ações...


Mas atrás da imagem de glória e sucesso em torno do negócio, há muito sangue nos olhos. Em "A cada passo", o empresário revela as dificuldades e os percalços que a empresa enfrentou para chegar aonde está. Avançar e retroceder, quando necessário, fazem parte desse repertório. Ele frisa, em muitos trechos, o quanto se valeu da sua intuição e do seu sexto sentido para tomar decisões, valendo isso também para a contratação de funcionários, franqueados, consultores. Foi com base nela também que aconselhou Alexandre a investir na compra da Reserva, marca carioca do segmento masculino, como forma de diversificar os negócios.


Erro

Entre decisões que se mostraram erradas, ele lembra de quando, na Era Corporativa, entre 2002 e 2010, a Arezzo tentou entrar no mercado asiático, dando sequência a sua internacionalização, que já abrangia a América Latina e países como Portugal e Venezuela. O plano era abrir 300 lojas na China, até 2016, e não saiu do papel. Seus prognósticos não eram bons. “Tivemos cinco e, depois, fechamos todas. Vários fatores contribuíram para o fracasso do projeto, como valorização do câmbio, erros nos processos e o contexto que não nos favorecia”. Diante disso, ele cita o jogo do tabuleiro War, já lembrado anteriormente, cuja dinâmica é conquistar um território de cada vez, porque tentar todos, ao mesmo tempo, não funciona.


Outra palavra que Birman sempre teve em seu dicionário é criatividade. E dela se valeu, em vários momentos, para driblar as adversidades e evitar quebrar o negócio. “Foi essa convicção que me levou a tomar várias decisões, como ter uma estrutura simples: a empresa que cabe numa pasta, custos enxutos e evitar misturar o pessoal com o profissional. Além disso, sempre me lembro de que não são os mais fortes nem os mais inteligentes que sobrevivem, mas sim os adaptáveis. Estou constantemente buscando formas de me adaptar”, escreve.


Alimentando o desejo de ser rico desde menino, na casa dos 7 anos, Anderson vendeu ovos, picolé, e engraxou sapatos; depois, tornou-se sacoleiro de blusas Cacharrel; mais tarde, no final da década de 1960, era o vendedor de uma lista de produtos que ia de uísque e conhaque até estopa para polimento de carros, na empresa de representações do pai. Aos 18 anos, a Arezzo entrou na sua vida introduzindo, não só a paixão pelos sapatos, mas possibilitando a concretização do sonho de riqueza, hoje questionada por ele.


“Em 2011, abrimos o capital da Arezzo&Co e, com isso, aumentei meu patrimônio de maneira significativa – e inimaginável até então...Durante um período, usufrui do que a riqueza financeira me proporcionou. Tinha barco, aprendi a pilotar helicóptero, gostava do que esse tipo de diversão me trazia. Com o tempo, no entanto, foi perdendo a graça. Hoje nada disto mais me empolga...Se eu tivesse 25% do dinheiro que acumulei, já seria o bastante”, confessa.


Em 2013, depois de preparar Alexandre, durante anos, para a sucessão, Birman deixa a direção da empresa; quatro anos após, deixa também o conselho de administração da Arezzo&Co. “Aos poucos, fui vendo o crescimento de uma modernidade na gestão com a qual eu não me identificava. Foi quando resolvi abrir espaço para as pessoas mais jovens, que entendiam os novos costumes e linguagem”, coloca.