Natália Dornellas, jornalista -  (crédito: Marcos vieira/em/d.a press)

Natália Dornellas, jornalista

crédito: Marcos vieira/em/d.a press

 

“Só fica velho quem viveu”. “Velho é o jovem que deu certo”. Com essas frases, ela vai direto ao ponto, mas com muita gentileza, como uma avó faria. A jornalista de moda Natália Dornellas deixou de mostrar tendências para falar sobre envelhecimento. Um passo que exige coragem, não só por ser uma mudança radical na carreira, mas por colocar na roda de conversa um assunto que muita gente prefere ignorar. Fundada em 2022, a ONG Avosidade encabeça diversas ações que chamam a atenção para uma pauta urgente.

Você pode se apresentar?
Sou uma comunicadora. Desde sempre, era certo que trabalharia com comunicação. Outro dia, dei alguns livros antigos de presente para uma pessoa e ela achou uma carta que eu escrevi aos 12 anos, dizendo que queria ser jornalista. A moda foi o caminho natural para chegar na comunicação. O belo sempre me moveu. Sou filha de uma mãe muito arrojada, interessada nas coisas bonitas. A moda me deu o entendimento da estética. Treinei o olhar para conseguir ver beleza até onde as pessoas não são capazes de ver.

E como você deu esse salto da moda para falar sobre envelhecimento?
Com o advento das redes sociais, vinha questionando meu trabalho. Ao mesmo tempo, me deparei com a fragilidade do meu pai, um homem forte, que cuidava de todos. Quando ele começou a tomar tombos e falar coisas sem sentido, resolvi trazê-lo de Guarani para morar comigo em BH. Chegamos ao diagnóstico de um Parkinson incomum, com um prognóstico bem terrível, de seis anos de vida, e um tratamento quase paliativo. Entendi que ele precisava de cuidados urgentes e eu tinha que entrar em campo. Comecei a frequentar os lugares, gostar de passar a tarde com ele e outros idosos e escrever sobre essa aventura de ser cuidadora familiar – gratificante, mas extenuante. Chamei o perfil de “Mãe do pai” e lá contava o dia a dia de um jeito muito bem-humorado. Eu e meu pai tínhamos essa sintonia do humor. Comecei a receber um retorno diferente de pessoas que me acompanhavam como jornalista, um abraço mais gostoso, uma fala mais de verdade, fui lendo sobre envelhecimento, fiz palestra em São Paulo e, quando vi, já estava inserida na longevidade, deixando a cena da moda. Meu pai teve a sorte de não ter um fim de vida terrível, como era previsto. Dormiu e não acordou. Sem meu pai, pandemia, não fazia sentido falar sobre lançamento de roupa, aquilo não me preenchia mais. Aí fui pivotando para ser jornalista de longevidade.

Como surgiu a ideia de criar uma ONG?
Entendi que precisava fazer alguma coisa. Fui ouvindo as histórias das famílias e criei o projeto “Conversa de vó”. Eram lives com idosos que ia encontrando nas redes. Conversei com gente do Brasil inteiro, Portugal e Estados Unidos. Um dia, a Mirian Goldenberg – era fã dela – me mandou uma mensagem falando que meu trabalho fazia ela se emocionar. A Mirian é a dona do bordão “velho é lindo”. Ela foi a validadora do meu trabalho e me batizou como militante da bela velhice. Para mim, isso era muito importante, porque estava fazendo uma mudança muito radical, profissionalmente falando. Para dar a dimensão que o projeto precisava e torná-lo viável financeiramente, fui para o terceiro setor. Infelizmente, são poucas marcas que entendem a preciosidade desse tema. Fundei a Avosidade no fim de 2022.

De onde vem o nome Avosidade?
Uma empresária que treina cuidadores familiares me disse: suas redes sociais são pura avosidade. Nunca tinha ouvido essa palavra. Dei um Google e vi que ela já fazia parte do vocabulário da longevidade. Fiquei com essa palavra na cabeça e, na hora de fundar a ONG, decidi usar. Acho que ela gera um sentimento positivo. Talvez seja a melhor maneira de abordar a velhice com pessoas que não querem se haver com ela. Em geral, falar de avó e de avô é falar de coisa boa, de memórias preciosas. Quebra o gelo, acerta o coração.

Qual é a missão da Avosidade?
O trabalho principal da ONG é trazer o assunto para a conversa. Vou utilizar o que sei fazer, que é a comunicação, para dar visibilidade a uma pauta urgente para o Brasil, embora muito pouco dita, trazendo conhecimento, informação, quebrando preconceitos, por exemplo, sobre a institucionalização de idosos. Fui muito resistente, achando que estava abandonando o meu pai. Depois entendi que amor não se terceiriza. Outra coisa que vivo repetindo é que a palavra velho adquiriu contornos muito cruéis. Se você quer xingar, desmerecer alguém, diz que está velho. Velhice traz suas dificuldades, mas tem uma potência enorme. Seu Miura, por exemplo, um homem de 96 anos que fala: se parar, enferruja. Diante da aposentadoria, ele resolveu plantar cerejeiras por todo o território brasileiro e parece que já chegou a 70%. Hoje tem florada até em Teresina. Por não ter tido meus velhos por perto, meus avós morreram cedo, fico de olho nos velhos dos outros. Espero que o meu trabalho possa fazer com que as pessoas valorizem os tesouros que têm na família e que busquem uma velhice digna. Não necessariamente mirando em números, mas na largura dessa caminhada, que seja longa e larga, bem gostosa, inspirada, colorida, bem vivida. Quero falar da velhice com cor e alegria. Falar de vida e não de doença, de finitude, que está aí para todo mundo.

O que podemos aprender com os velhos?
Eles falam muito de cultivar relações, não só familiares, mas da importância de construir redes afetivas potentes. Vejo o quanto quem está lá na frente reconhece a potência da amizade. Também ouço muito sobre espiritualidade. Meu pai era um homem que não acreditava em muita coisa e, no fim da vida, rezava Pai Nosso. Isso, para além do que ouço nas conversas, está nos manuais. Quem vive muito acredita em algo maior que elas, tem o ritual de agradecer, fazer orações.

Como era sua relação com os seus avós?
Na família materna, eu e meu irmão somos os únicos netos, então éramos reis. Lá estão as minhas memórias mais importantes. Sou capaz de sentir o cheiro do feijão que a minha avó fazia. Ali, já muito cedo, convivia com os velhos. Acho que a vida inteira fui essa menina que ficava procurando os avós que partiram cedo. Gosto muito de brincar que sou velha desde criancinha. Com 20 e poucos anos, minha melhor amiga tinha 70. Sempre tive amigas mais velhas, gostei de roupas antigas, perfumes com cheiro de vó, sempre me identifiquei como jovem senhora. Isso sempre esteve presente em mim e meu pai foi o catalisador, me despertou.

O que tem que acontecer para você perceber que o trabalho está dando resultado?
Talvez esperar que a palavra velha não seja tão pesada é um sonho absurdo, então vou ficar feliz de ver as pessoas enxergando a velhice bela e se preparado para isso. Quando falo que vou ser uma velha de franja e paisagista, as pessoas ficam muito assustadas, como se eu quisesse adiantar o tempo, mas só quero chegar lá bem. Quando ficar natural planejar a velhice, vou falar que está dando certo. Imaginar a velha que quero ser faz parte disso. Quero ter muitos bichos, ser generosa com as pessoas e ter a possibilidade de trabalhar com plantas.