Quem quiser mergulhar na história da moda mineira vai sedeparar com os registros de Ilana Lansky, fotógrafa que acompanhou esse panorama dos meados dos anos 1980 até o começo dos anos 2000. Com veia autoral e olho artístico, suas lentes captaram os melhores momentos do setor em Belo Horizonte, passando por desfiles, campanhas de marcas expressivas e portraits de personalidades importantes.


Neste período, a cena fashion era um caldeirão em ebulição na capital mineira, uma comoção que envolvia não só os profissionais, mas a população em geral. Havia um frenesi em torno de movimentos confluentes e simultâneos, como o Grupo Mineiro de Moda, a feira Minas Mostra Mulher, empresas icônicas, como a Divina Decadência e Sputnik, entre outras que se sobressaíam no mercado.
Foi nesse vaivém que Ilana atuou. Embora muitas marcas ainda optassem por fotografar suas coleções com medalhões de São Paulo, a mineira conseguiu furar o bloqueio colonial e ocupar um espaço de destaque.

Ilana Lansky/divulgação - Dudu Bertholini para Neon


Sua trajetória está registrada em um acervo gigante. Neste ano, ela resolveu doar a maior parte dele para o Mumo – Museu da Moda. As cerca de 3.500 imagens estão sendo mapeadas por uma equipe comandada por Victor Louvisi, coordenador do setor de museologia da instituição. “Ainda estamos nomeando tudo, mas o número estimado é esse”, pontua a fotógrafa, que acredita ter escolhido a forma ideal para preservar o legado que construiu.

Ilana Lansky/divulgação - Desfile do Minas Trend em Inhotim


“O acervo poderá ser usado em exposições, workshops, pesquisas públicas. Tive muito cuidado para preservar o arquivo no meu estúdio, acondicionando tanto as fotos quanto os originais. O material ainda está em excelente estado, pois me preocupei em mantê-lo em local seco e bem armazenado, apesar de sempre ter morado em lugares úmidos”, explica.


O primeiro trabalho de Ilana no segmento fotográfico foi encomendado pela Fundação Clóvis Salgado, em 1981, e visava a documentação do barroco mineiro, tarefa efetuada durante um mês. “Depois fiz fotojornalismo, indo ao norte do Brasil para fotografar aldeias indígenas, cheguei até Serra Pelada. Tinha muita curiosidade por essas coisas”, revela.


A moda entrou na sua vida em 1984, por época do lendário desfile do Grupo Mineiro de Moda, no Palácio das Artes. O evento ocorreu no palco do Grande Teatro, que se prolongava em escadas hollywoodianas, por onde passavam as criações das 10 marcas que compunham a associação. Comandado por Paulo e Patrícia Ramalho – ele na produção-executiva, ela na produção artística – o momento ficou marcado na mente dos convidados que participaram dos lançamentos.

História

A cena fotográfica da cidade era dominada por dois nomes: Aramis e Luiz Fernando Silva, do Studio Projetar. Ilana chegou depois e dividiu espaço com Ana Valadares, furando o domínio masculino. Surgiu como uma novidade e logo conquistou clientela, passou a fazer boa parte das campanhas.
Bom lembrar ainda, que, naquela época, o carro-chefe dessas campanhas era o catálogo, um poderoso instrumento comercial. Havia ainda o material que as confecções enviavam para os pontos de vendas dos clientes, além dos outdoors na técnica lambe-lambe. Os shootings giravam em torno desse universo.


Nos primeiros anos da década de 1980, havia poucas revistas no Brasil, o acesso às publicações estrangeiras era limitado e elas chegavam ao país com atraso. Os jornais formavam o grosso da mídia nacional e publicavam em preto e branco. “Sempre gostei do p&B, mas sentia falta de cor. Então, comecei a pintar manualmente as fotos, acrescentava um fundo em sépia, coloria ou acrescentava um detalhe. Acho que essa tendência artística foi o grande diferencial do meu trabalho”.


Com o surgimento do jornal Hoje em Dia, em 1988, Ilana foi convidada para fazer parte da equipe do caderno Moda, mas, nesse tempo, já estava acontecendo uma revolução no mercado fotográfico com o surgimento do cromo.


Entre milhares de cliques e de lembranças, ela se recorda de ter fotografado Gisele Bündchen, dando os primeiros passos, e de um desfile apoteótico do Grupo Mineiro de Moda na sede do Minas Tênis Clube II, dobradinha entre Paulo Rossi e a editora Regina Guerreiro. “Fui contratada para cobrir o evento. Falavam em cerca de três mil pessoas querendo entrar, a fila dobrava quarteirão. Não havia lugar para tanta gente, houve um erro na distribuição dos convites”.


Outra faceta da performance de Ilana era a cumplicidade com as modelos, presenças constantes em quase todos os desfiles e campanhas. Era um time coeso e homogêneo, a maioria delas universitárias. Elas se tornaram os rostos da moda belo-horizontina nos anos 1980/1990 e dividiam também a passarela com as profissionais, que vinham de fora, para encorpar ações e eventos.


“Eu amo todas elas, mas trabalhei mais com a Patrícia Novaes. Fiz fotos lindas dela”, admite. Patrícia, agora Naves pelo segundo casamento, se reinventou como atriz global mais na frente. Dona de uma beleza clássica, era a preferida desse time.


Embora tenha doado parte considerável do seu acervo para o Mumo, a fotógrafa manteve consigo um considerável material. “São negativos e cópias, a maioria em preto e branco, jornais com as minhas fotos e catálogos de campanhas. Serão mantidos para algum projeto futuro que venha a realizar”.


Ela recebeu a chegada da era digital com entusiasmo. “Amo tecnologia e, no caso da fotografia, vi muitas vantagens, como, por exemplo, o armazenamento em arquivos, a correção de problemas na imagem. Mas acho que a tecnologia ainda não superou as fotos feitas em cromo, particularmente as cores e a nitidez, apesar de toda a evolução”.


Analisando a produção fotográfica atual, Ilana se divide entre dois pontos: de um lado, a atividade se tornou democrática; por outro, houve uma banalização devido a essas facilidades. “É inegável que a rapidez de divulgação proporcionada pela internet impactou a vida dos profissionais, mas a qualidade vai depender sempre do olho de quem fotografa, da sua criatividade, capacidade técnica e artística”, garante. 

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