A mão que molda o barro, o barro que molda a vida. Seres que se cobrem de terra, e pela terra ganham outras dimensões. Um ofício que não se limita à bolha em que se perde o mundo moderno - pelo contrário, resgata algo que não pode ficar circunscrito em conceitos preconcebidos, ou no lugar comum que esquece da singularidade. A arte que encontra histórias, experiências que se perpetuam no tempo e com o tempo, a percepção de ser poeira e, por isso mesmo, como significa fazer diferente, e fazer com amor.

 

Na pré-história, na Grécia e Roma antigas, na Idade Média, com contornos barrocos, da art nouveau ou do modernismo. Dos instrumentos iniciais que serviam simplesmente para o comer e beber, até consagrados ícones estéticos, passando por leituras infinitas, vasta é a cerâmica. Tão vasta quanto a criatividade que caminha no compasso particular da inspiração.

 



 

 

É em uma ode a esse universo que a designer Mary Arantes convida os entusiastas da prática ancestral da cerâmica para o II Encontro de Ceramistas - Edição de Natal, entre esta sexta-feira (29/11) e domingo (1/12), em Belo Horizonte. A intenção é ampliar a visibilidade dos artistas, guardiães e disseminadores desses saberes e fazeres ancestrais.

 

A designer conta que a cerâmica é um encanto que vem da infância. "Nas feiras municipais do Vale do Jequitinhonha, região onde nasci, a cerâmica entrava na feira de sábado, junto com legumes, grãos, verduras e carnes. Panelas, panelinhas, bilhas e potes. O que hoje chamamos de utilitário estava ali à vista de todos. Peças que eram na verdade de uso diário em nossos fogões de lenha", relembra. Com mais de 300 ceramistas, catalogados em BH e arredores, Mary percebe a riqueza, a potência e a evolução deste nicho."Se tem algo que me fascina, são as cerâmicas."

 

Entre fôrmas, pincéis, argilas, moldes, carretéis e cacos de cerâmica em meio a roseiras e à poesia concreta da cidade, o encontro acontece no ateliê da ceramista Ione Laurentys, na Rua Corinto, na Serra. Quem entra logo se envolve pelo entorno, entende como o ateliê funciona, sua dinâmica e vida.

 

Figo Cotidiano e Flávia Guimarães

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Além dos trabalhos das marcas presentes, a mesa especial Bacia das Almas, com peças fora de série e com leves defeitos, volta nessa edição para fazer sucesso com preços módicos.

 


A bela surpresa

 

Ione Laurentys conta que a cerâmica a toca desde pequena - o tio tinha uma olaria e era lá onde ela e os irmãos brincavam, fazendo bichinhos de argila. Perdeu o pai cedo e lembra que a cerâmica ficou ali dentro adormecida até florescer novamente com a morte da mãe. A argila, para ela vida e alegria, lhe moldou em relação à dor.

 

Ione Laurentys e Jane Resek

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Sua formação em cerâmica foi com o mestre Jorge Chint, na Argentina, em uma época em que não existia em BH escolas especializadas nessa arte. Hoje dá aulas e atende alunos com transtorno mental, que crescem a cada encontro. Criou um esmalte que virou um símbolo, efeito conseguido com o uso das cinzas da folha da castanheira. Em agosto, quando as folhas caem, sai pelas praças, com um saco de lixo, catando suas preciosidades. Diz que não controla o efeito deste esmalte, e essa é a grande beleza e ensinamento da cerâmica: acolher o inesperado, justamente o que faz de cada peça única.

 

Jane Resek faz de sua feliz caminhada pela cerâmica uma profissão e um lugar aberto para novas amizades. Tem no trabalho um traço potente, um estilo que a difere. As peças, em sua maioria, carregam volumes maiores, e ela nunca foi de usar muitas cores. A cartela é escassa: preto, cru e natural são quase sempre a escolha. Formatos inigualáveis, como o emblemático pião, trazem a força da artista que é.

 

 

Sônia Rigueira conta que foi a cerâmica que a escolheu. Bióloga dedicada à conservação da biodiversidade, encontrou aí a forma de comunicar ao grande público a importância da natureza. Sua expressão na cerâmica tem a influência daquilo em que acredita, e fala sobre esse mundo natural, vivo, interessante, acessível, do qual o ser humano é parte.

 

Sônia Rigueira e Thaís Mor

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Seja na cerâmica escultórica ou utilitária, entre peças decorativas, para ambientes internos e externos, Sônia tem a inspiração das formas, texturas e cores da natureza, com ênfase para animais, plantas, rochas e paisagens, os caminhos de sua atuação. Galinhas, tamanduás, libélulas, besouros e passarinhos inventados - são peças singulares e objetos para colecionadores.

 

 

Histórias, acaso e poesia

 

Carol Bonds é uma arquiteta apaixonada por arte que se encontrou profissionalmente na cerâmica artesanal. Sua expressão criativa surge a partir de um trabalho de estudo, pesquisa e desenvolvimento de materiais. Além de escolhas mais sustentáveis e menos tóxicas, a busca é por uma linguagem autoral com personalidade, revelando cores e texturas únicas.

 

Com o Studio Bonds, ateliê de cerâmica artesanal e azulejaria criado em 2022, explora a mistura de técnicas e materiais alternativos, principal característica de seu trabalho autoral. Mais que técnica, suas criações permeiam memórias e se conectam com a natureza ao seu redor.

 

Carol pinta os pássaros do seu entorno, cria texturas com folhagens naturais, usa o barro do quintal. Seus azulejos contam histórias e revelam poesias. Seus pratos se inspiram em riscos de bordados antigos, garimpados em família. Uma coletânea de referências e afetos, para fazer nascer peças sensíveis e cheias de significado.

 

A cerâmica artesanal de alta temperatura revela os acertos e também as buscas e imperfeições. Talvez por isso essa arte conquistou Flávia Guimarães desde o primeiro contato. Cerâmica que envolve técnica, apuro químico, preceitos físicos, precisão, mas para ela o mais fascinante é o que carrega de acaso, de surpreendente. 

 

A cerâmica atravessou sua vida há exatos 20 anos, em um momento muito delicado. Mudou a forma com que via o mundo, convidando Flávia a seguir em outro ritmo. Foi quando a executiva workaholic cedeu lugar à artesã-artista-empreendedora.

 

Desde então, Flávia cria, modela, projeta, desenha, ensina e segue aprendendo a partir do barro, da alquimia dos óxidos e do calor do fogo que tudo transforma e revela. Cerâmica para Flávia é sinônimo de paz e de liberdade. Do barro bruto à delicadeza da peça final, cada etapa do processo a alimenta e instiga a criar, a querer mais.

 

Mulher

 

Peitos que levam a vários lugares. O conforto da fonte do primeiro alimento, a primeira relação de afeto. O desabrochar e o nó que aperta o peito que carrega as marcas de resistir como mulher. Esses sentimentos entrelaçados são a inspiração para a coleção Treta, de Noemi Assumpção, artista plástica em constante movimento, que atua na área de desenhos, performances e outras frentes.

 

Luciana Raddichi e Noemi Assumpção

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Para a bióloga de formação e ceramista por vocação, Pat Velloso, as formas e elementos da natureza a inspiram a transformar a argila bruta em peças únicas e exclusivas. Perseguindo a alma do barro e aprendendo a usá-lo com mais habilidade e respeito, entende seu comportamento e seu tempo. Hoje, diz que sabe que a cerâmica, além de prazer e deleite, é frustração, é pesquisa e muito estudo. Através dela, conhece um pouco mais de si mesma, em um sentido de transformação, renovação e gratidão.

 

Thaís Mor pinta, colore, estampa e imprime palavras em suas diversas coleções de cerâmica e inova com a linha Cerâmica Disruptiva Poética. Com sua formação e vivência no design por 15 anos e no seu próprio ateliê, criado há nove anos, Thaís cria peças com histórias que conectam afetos e que já se espalharam pelo Brasil. Para o encontro de ceramistas, apresenta a coleção Manuel do Amor, que aponta para a fragilidade, a fugacidade e a assimetria - o belo imperfeito.


Natureza

 

Saracura três potes, o relógio sertanejo, como é chamada, é uma ave encontrada em regiões brejeiras, mangues, lagoas, onde há a argila que se transforma em cerâmica. Jessica Martins e José Alberto Bahia escolheram essa ave do sertão brasileiro para representar as cerâmicas, em que duetos de memórias soam, pelos quintais, como músicas que os conectam à terra onde vivem. Na marca que leva o nome do pássaro, a base são referências das memórias brasileiras sobre coisas encontradas na natureza ou objetos do dia a dia.

 

Eles contam que do imaginário do país também são feitas suas cerâmicas. Cascas brasileiras que são objetos utilitários nas casas dos sertanejos, na vida indígena, as latas de sardinha que já foram fôrmas de bolos na infância, os copos lagoinha - copo americano - tão cheios de vida boêmia, e tantos outros objetos da conformação da identidade brasileira.

 

Pat Velloso e Saracura Três Potes

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Jessica e José Alberto têm um ateliê em Piedade do Paraopeba, em Brumadinho, e também dão aulas de cerâmica, para eles uma forma de expressão e uma terapia, um maneira de encontrar equilíbrio, bem-estar e conhecimento.

 

Ouro

 

Mestra na técnica da corda seca, que ela ensina, a ceramista Mônica de Souza faz sua estreia no evento, com uma linha especial. Objetos que muitos poderiam considerar sem uso, formados por bibelôs de móveis ou cristaleiras, objetos do bem querer, estão no encontro. Todos com bordas pintadas em ouro 12 quilates.

 

A instalação que a artista monta na janela da entrada do ateliê é um presente para os olhos - um jardim suspenso, com bolas em cerâmica pintadas à mão, que se mimetizam com as plantas nelas pintadas e as que carregam.

 

Figo

 

Cacília Vecchi é professora e ceramista inquieta. A marca Figo Cotidiano é o meio por onde se expressa em busca de formas, soluções e invenções. No evento, chega a ceramista arqueóloga de seu próprio tempo, com efeitos sobre o barro que confundem quanto a data, época, era de suas existências.

 

Uma camada branca cobre os objetos ceramísticos - uma pátina? uma poeira do tempo? Feito nata de tabatinga que se passa em fogão pós queima, Cecília adultera fundos, adiciona camadas e, na ausência de cor, mostra o preciosismo de algo esperado e guardado. Algo achado, como um presente existente à procura de seu dono.

 

Joias

 

A trajetória de Luciana Raddichi  com a cerâmica começou na década de 1990. Ministrou aulas da técnica de raku, queima japonesa feita a gás, na escola de Belas Artes da UFMG, e esse tipo de queima é um ícone do trabalho da artista. Além de ceramista, ela também é joalheira.

 

Para Solange Machado, a Sol, da Sol di Terra, etiqueta de joias criadas com base em cerâmica, significa a consciência de que é pó, e como pó não tem raízes, pode transitar por diversos mundos. Com o trabalho, o calor das queimas também é o calor para fazer e viver.

 

Sol chegou a Minas para o carnaval em 1986 e descobriu as folias. Começava aí uma grande paixão. Ainda estudante, desejava conhecer a arquitetura religiosa e se encantou com as pinturas nos altares de igrejas. Impressionou-se com a riqueza, beleza e variedade das gemas do solo mineiro e descobriu o amor por um geólogo.

 

Sol di Terra e Dama de Empadas

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Não podia imaginar, mas ali nascia a coleção Ícones de Minas. O embrião da marca de joias única, feitas à mão, queimadas a altas temperaturas, esmaltadas com cuidado e montadas para moldar produtos exclusivos.

 

Delícias, comes e flores



De Graziela e Flávia Ferreira, a Dama de Empadas traz para o encontro empadas artesanais, preparadas com ingredientes frescos e selecionados. Com os clássicos sabores com frango, camarão, carne seca, até combinações da mesa mineira, como a empada de queijo com goiabada, agrada todos os paladares. Também oferece quibes, para fritar e assados, entre opções vegetarianas e veganas.


A AM Chocolates, com seus docinhos com cara de vó, traz balas de coco, doces de barra (figo, marmelo e pêssego), bolos de tangerina, limão, iogurte, milho, e o crocante Cantucci, um biscoito italiano de amêndoas. A marca é uma concepção de Flávia Arantes em homenagem à mãe, Ana Maria, que começou a doçaria fazendo pães de mel há mais de 30 anos.

 

AM Chocolates e Ô Seu Flor

Quermesse da Mary/Divulgação

 

Especializada em paisagismo e arranjos florais, a Ô Seu Flor nasceu do sonho do seu criador, Anderson Rossi, na pós pandemia. Depois de anos de atuação como executivo e professor, ele virou a chave e encontrou em plantas e flores uma nova inspiração. Os arranjos e jardins são concebidos respeitando a natureza e o que ela oferece de melhor, como por exemplo, uso de espécies locais e nativas.

 

Com o pé fincado na sustentabilidade, os arranjos com flores e folhagens, desidratadas naturalmente, prezam pelo reaproveitamento e a reutilização de itens como galhos, cachos e sementes. Com técnicas ancoradas em estudos e pesquisas, os arranjos são montados em padrões definidos, mas sempre de maneira personalizada, seja para decoração de eventos ou para presentear. São assimétricos, desconstruídos, nunca repetidos.

 

Expositores:



Atelier Jane Resek - @janeresek

Atelier Pat Velloso - @patvelloso.ceramica

Carol Bonds - @studiobonds

Cecília Vecchi - @figocotidiano

Cerâmica Flávia Guimarães - @ceramica_flaviaguimaraes

Ione Laurentys - @ionelarentys_atelier

Luciana Radicchi OI - @luciana_radicchi_ol

Mônica de Souza - @ateliemonicadesouza

Noemi Assumpção - @nomis_treta

Saracura Três Potes - @saracuratrespotes

Sol Di Terra - @solditerrajoias

Sônia Rigueira Cerâmica - @soniarigueira

Thais Mor Atelier - @thaismoratelier

Comes e flores

AM Chocolates - @amchocolates

Dama de Empadas - @damademepadas

Ô Seu Flor - @oseuflor


II Encontro de Ceramistas
Dias 29 e 30 de novembro, de 10h às 19 h
Dia 1 de dezemebro, de 10h às 17h
Rua Corinto, 512, Serra, BH

 

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