Entrevista Gustavo Greco - designer

"Sou uma pessoa de caminhos"

Design leva criador a lugares inimagináveis – da joalheria à gastronomia – como fundador de estúdio que acaba de completar 20 anos

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Num piscar de olhos, 20 anos se passaram. “É muito emocionante”, reconhece o designer Gustavo Greco, fundador da Greco Design, que se orgulha de levar o nome de Belo Horizonte e do Brasil para os quatro cantos do mundo. Já que o seu trabalho é sempre buscar soluções criativas, ele decidiu não fazer retrospectiva – mesmo que o passado tenha sido marcado por prêmios e projetos memoráveis. Os olhos que tudo testemunham desejam olhar para frente. No mês que vem, a empresa, que promete um ano inteiro de comemorações, lança nova identidade visual e a tipografia Greco, que era um sonho do designer. Depois disso, a vista nem quer alcançar. O lema é esperar pelo inesperado.

O que vem à sua cabeça quando você pensa que a empresa chegou aos 20 anos?
Essa pergunta parece até encomendada, porque vamos lançar uma identidade nova e a pergunta que fazemos no início do texto é: o que você vê quando fecha os olhos? É muito emocionante ver esse tempo todo. No texto, falamos que não queremos fingir costume, porque 20 anos é muita coisa. É legal também ver coisas que eu nunca imaginei que ocorreriam comigo e com meu time. Falamos no texto que somos complexos, incansáveis e inconformados. É isso que eu sinto. Brinco que sou o cantor da banda, então apareço mais que o guitarrista, mas é uma banda, não canto sem eles. E um dos grandes talentos que talvez tenha é conseguir juntar esse tanto de gente boa e orquestrar essas pessoas. O meu papel hoje é da direção criativa, de apontar os caminhos, de falar: acho que ainda não chegamos ao lugar Greco.

Que lugar é esse?
Não é só fazer um projeto que o cliente aprove. Temos que dar check em três palavras: excelência, ousadia e impacto. Detesto projeto correto. Sempre quero mais, sempre quero entrar na reunião com um pouco de frio na barriga, sempre quero correr o risco de um não. Gosto quando isso ocorre.

O que vocês estão planejando para comemorar a data?
Uma decisão que tomei é que não vamos ficar requentando nossas histórias. Em 2012, 2013, quando começamos a ganhar os principais prêmios de design do mundo, o meu medo – voltando ao exemplo da banda – era ser cantor de um hit só. Então, decidimos que não vamos fazer retrospectiva, queremos falar daqui para frente. Não tenho vergonha de nada que nos trouxe até aqui, já erramos muito. Minha equipe fala assim: é uma delícia trabalhar na Greco, mas o peso está na cobrança, mesmo que implícita, de que temos que ser incríveis todo dia. Sei que às vezes exijo demais, e isso é uma coisa que eu tenho tentado entender muito mais de mim do que deles: como é ser nota sete? Na verdade, nem quero (risos). Mas aprendi que nove é mais legal que 10. Dez é aquela perfeição e acho que a perfeição é um pouco entediante.

Quando você volta lá no início da carreira, imaginava que estaria nesse lugar?
Não imaginava mesmo. O meu sonho no início era ser destaque na Bienal Brasileira de Design. Em 2013, oito anos depois, fomos destaque pela primeira vez. Não pude receber o destaque porque tinha sido convidado para ser jurado no Festival de Cannes. Se não me engano, o único mineiro que vive em Belo Horizonte em 70 anos de festival. Sou muito feliz, grato à vida, mas não é mágica, não tem sorte. É uma fórmula muito simples: um time querendo fazer e alguém querendo que a gente faça. Não temos contrato fixo, trabalhamos por projeto, mas alguns clientes estão com a gente desde o primeiro dia e muitos voltam a bater na nossa porta. Um número muito interessante é que, na média, emitimos uma proposta por dia. Isso é muito legal. Fui agora para o júri de um prêmio da Fedrigoni, que é uma empresa italiana de papéis especiais, os mais desejados do mundo. Sou o primeiro brasileiro a ser convidado para o júri, formado por oito pessoas. Dá muito orgulho ler na lista Londres, Nova York e Belo Horizonte, fico até arrepiado. Tenho muito orgulho de ter colocado o nome da cidade em muitos lugares e toda vez em que falam “e o prêmio vai para... Gustavo Greco, de Belo Horizonte” é muito forte.

Imagino que até hoje você ouça das pessoas: por que não vai para São Paulo? Por que não abre um escritório em Nova York? Como se sente?
Parece ser um elogio, à primeira vista, mas é uma fala carregada de um preconceito muito grande. Qual é o problema de ficar aqui? Se todo mundo que é legal sair daqui, aqui não vai ficar mais legal nunca. Então, foi uma escolha, é uma escolha e vai continuar sendo uma escolha. Não preciso sair daqui fisicamente para sair daqui. Estou sempre por aí, mas gosto de voltar para cá, para a minha casa, para essa terra. Passei 48 horas na Itália. O que que tem? Acho legal falar: vou ali e volto.

Como você lida com o fato de ser referência no design, sendo uma pessoa bastante discreta?
Custei a entender que sou tímido, e um tímido muito bem resolvido. Óbvio que todo criativo é vaidoso, a questão é o que você vai fazer com isso. No dia em que ganho o maior prêmio da noite, me deixo ficar vaidoso. Mas não é disso que me alimento. Eu me alimento muito mais dos prêmios, dessa quebra de fronteiras, é o que me dá desejo. Se ninguém for, eu quero ir. Falo assim: alguém vai ganhar, por que não sou eu? As perdas não são tão publicadas, mas perdemos. Quem compete em alta performance perde.

Você que roda muito, que participa de concursos como jurado e candidato, como enxerga a cena criativa em Minas?
Não só em Minas, como no Brasil, temos um trabalho de nível mundial, características culturais muito específicas que dão um resultado criativo que não tem em outro lugar. Entrevistei uma vez o Chico Homem de Melo, que é um grande pesquisador do design, e perguntei para ele: como você definiria o design brasileiro? Ele acha que é fundamental não definir para não incorrer em clichês. Imagina, somos um país desse tamanho, com influências estrangeiras de todos os lugares, com culturas originárias das mais incríveis, e isso tudo faz uma mistura brasileira sensacional. Então, se eu quiser fazer um design limpo, estético, grid, geométrico, pode. Se eu quiser fazer um desenho vernacular, pode. Não temos que ser uma coisa ou outra, isso está no discurso da Greco agora. Não somos “ou”, somos “e”. A gente pode ser chiquérrimo, a gente pode ser bagacérrimo. A gente pode ser rígido nos fundamentos de design, a gente pode não querer obedecer nada. É uma segurança dos 20 anos, e dos 50 anos também. Fiz 50 em novembro e a Greco fez 20 em janeiro.

Qual é o paralelo que você faz entre a evolução do Gustavo designer e da empresa?
No meu caso, com certeza absoluta, são os 15 segundos a mais na reação. É valioso isso. Sou um inconformado, tenho uma ansiedade, era mais enérgico. Mas aprendi a esperar 15 segundos antes de responder, antes de reagir, e 15 segundos podem ser 15 dias para pensar antes de tomar uma decisão. Isso a idade e o ioga me deram. Definitivamente, o ioga é um divisor de águas na minha vida. Fiz até formação, por que tenho esse defeito. Não sei brincar. Levo a sério tudo. Acho que a Grego também está muito madura. Às vezes, vou acompanhar uma apresentação de projeto e, quando vejo alguém da equipe falando, dá muito orgulho. Nossa, que solução madura, como isso é fundamentado, como que responde à teoria do design, a fundamentos gráficos e ainda imprime o charme e o funk, como disse um designer que está com a gente há um ano. Outra coisa muito importante é a solidez financeira. Isso é uma segurança, não só para a empresa, mas para quem está lá dentro. Liberdade é uma palavra muito importante para mim, então, essa decisão de não ter contratos fixos passa por isso. Mas a liberdade tem seu preço. Não sei o que vai acontecer em março. Tem acontecido. Mas pode não acontecer, né?

Como é para você ver o design te levar para áreas diferentes?
Sou uma pessoa de caminhos. A vida me dá caminhos. Tenho tantos caminhos que não consigo falar não, quero tudo. Se a proposta é boa, eu vou querer. E fico louco depois, né? Montamos [ele e o chef Onildo Rocha] um restaurante na Casacor [O Chef e o Cabra] que é um sucesso. A própria CasaCor me deu espaço para fazer coisas que eu não faria ou que não estavam nos planos. Já fizemos de exposição a cobogós, que foram publicados em nove línguas. E aí eu comecei a falar: por que não? Agora, por exemplo, abrimos um núcleo de arquitetura na Greco. Começamos a ter muito projeto de sinalização que tinha relação com espaços construídos, aí veio o lance da cenografia. Mas tem que ter um corte. Você faz a minha casa? Não. É a marca, como a marca vira arquitetura. Tenho sido convidado para participar de conselhos consultivos e estou querendo investir nisso, fazer até um curso da Fundação Dom Cabral. É o que te falei, não sei brincar. Em 2018, a Talento Joias me ligou: “A gente nunca fez uma coleção masculina e queria que você assinasse”. Respondi, com muita tristeza: “Não sei fazer joia”. No dia seguinte, me ligaram de novo: “A gente teve uma ideia, dirige o nosso time para criar a coleção”. Seria uma coleção temporária, mas está até hoje. É um dos trabalhos mais legais que já fiz. Tenho feito pequenos shows solo, mas não abandono a banda de jeito nenhum. Jamais.

Este vai ser um ano inteiro de comemorações?
A Greco adora festa. A minha mãe até fala: “Ganhou o prêmio, faz festa, perdeu o prêmio, faz festa”. Tudo é festa. Temos programada uma série de lançamentos. Vamos lançar agora em março a tipografia da Greco feita pela Plau, um grande estúdio de design tipográfico [do Rio de Janeiro]. Um dia, eles me perguntaram: “O que você ainda não conseguiu no design?” Aí eu falei, brincando: “Não tenho uma letra para chamar de Greco”. Eles me ligaram na semana seguinte e falaram: “A Plau vai dar de presente para os 20 anos da Greco”. Gente, meu olho encheu de água na reunião. Além disso, criamos uma paleta nova. Temos o azul Greco, mas por que só o azul se somos “e”? Dou aula no UniBH e fizemos uma experiência muito legal. Tem um chá que se chama clitória que é azul, mas, se você pinga limão, ele fica rosa, então estamos trazendo rosa e verde para a paleta. Tudo nosso é assim, gostamos de ter um fundamento, tem um experimento para chegar ali. Umas gotinhas de limão fazem bem, é uma mensagem dos 20 anos. Outro projeto totalmente inesperado é a coleção de porcelanas que acabamos de lançar para a Strauss com as orquídeas, que são símbolo da Greco. Queremos comemorar o ano inteiro com tudo que for possível.

Como surgiu a ideia de implementar a jornada de quatro dias?
Já estávamos fazendo um teste de folgar toda última sexta do mês e uma amiga de São Paulo ficou sabendo do projeto da 4 Day Week Global. Somos 22 empresas brasileiras que participaram do piloto no ano passado e passamos a não trabalhar na sexta. Fizemos um contra manifesto com o que não gostamos e falamos assim: “Somos a favor de quase tudo, mas trabalhar sexta não”. Isso é um reprogramar da semana de trabalho. Por exemplo, ficar mais atento ao horário de chegada, reuniões com duração menor, momentos de foco na frente da nossa máquina, sem interrupção, e uma comunicação assíncrona. Você manda a mensagem lá no sistema e a pessoa tem um tempo para te responder. Já dá um grande alívio. WhatsApp para mim é o inferno do mundo.

O que você espera dos próximos 20 anos da Greco?
Sou um devoto do imponderável. Se eu fosse te falar, há 20 anos, como seria hoje, não falaria nada do que ia acontecer. Então, sou um apaixonado pelo que está por vir sem querer saber o que está por vir. Planejamento estratégico da empresa é importante, mas, quando começa aquele papo do que vamos ser daqui a cinco anos, eu falo: “Não quero saber. Vai ser chato se eu souber”. Fora que é sempre um plano de crescimento. Gente, não é assim. Não foi essa a intenção, mas nosso jardim da frente da sala de reunião é de jasmim-manga – com um monte de vandas. Ela fica seca, sem folha, depois lota de flor, parece um buquê gigante. Às vezes, ela fica só verde, mas cresce. Então, esse mês não foi tão bom, mês que vem vai dar flor, ou será que vai secar mais? Passamos por isso. Ontem, uma amiga buscou meu nome no ChatGPT e brincou: “Gente, não sabia que eu era amiga dessa pessoa”. Não, eu não sou aquilo. Já passei por um monte de perrengues, já tive um problemão de não saber como pagar o 13º. Gente, isso é real, não é mágico, não tem um super-herói do outro lado. Não sou melhor que ninguém, isso eu tenho claro, mas também tenho aprendido com os 50 anos que sei quem eu sou. Estou em uma fase muito feliz. Gente, olhar para trás e ver tudo isso. Fomos a lugares onde ninguém foi. Isso é um fato. 

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