Defesa das áreas de recargas sensíveis, em terrenos que permitem que as chuvas abasteçam lençóis subterrâneos de nascentes mais límpidas, de águas enquadradas como de classe especial e classe 1. Mais segurança aos mananciais prioritários responsáveis por revigorar a vazão e que de tão puros diluem a poluição das bacias dos rios das Velhas e Paraopeba. Devastados por desmatamentos, incêndios florestais, mineração e especulação imobiliária, como denunciado pela série de reportagens do Estado de Minas "Ameaças às Águas de Minas", esses pontos de reposição das fontes estão prestes a receber uma importante proteção. O plano de segurança hídrica da Grande BH, firmado pela mineradora Vale e o Ministério Público (MP) de Minas Gerais, com participação de vários órgãos e que vem sendo modelado desde o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (2019), chega a envolver cerca de R$ 4 bilhões e vai prever, a partir de assinatura entre as partes, hoje, em Belo Horizonte, a proteção a essas áreas com recursos da ordem de R$ 45 milhões, passíveis de incremento.
A iniciativa é parte das novas garantias aos planos de abastecimento de emergência e de expansão do sistema de distribuição de água, para evitar que, em caso de um eventual rompimento de barragem, o recurso deixe de ser entregue à metade dos 5 milhões de habitantes da Grande BH. Isso poderia ocorrer com o rompimento de uma das 67 barragens de mineração identificadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) acima do trecho do Rio das Velhas na altura da Estação de Tratamento de Água (ETA) de Bela Fama, em Nova Lima, onde é feita a captação de metade dos 15 mil litros por segundo de água distribuídos na Grande BH.
A assinatura será no MP, envolvendo a Vale, a Copasa, representantes das bacias hidrográficas e governos estadual e federal. Um arranjo necessário depois de 2019, quando barragem operada pela Vale em Brumadinho se rompeu, inviabilizando o abastecimento pelo Rio Paraopeba.
O plano foi moldado inicialmente em dois eixos previstos em termos de ajustamento de conduta (TACs) junto ao MP. O primeiro deles, o TAC Águas, acorda medidas emergenciais de abastecimento, como utilização de poços, caminhões-pipa, barragens de água e proteção dos sistemas produtores. O segundo, o TAC Segurança Hídrica, assegura ações para ampliar o poder de captação com novas fontes, ampliar a capacidade de tratamento e transpor a água dos sistemas independentes de abastecimento Paraopeba e Velhas para que se auxiliem em caso de problemas.
Ajustamento de conduta
Tudo agora fará parte de um só programa, o Projeto Água e Sustentabilidade. O documento a ser assinado hoje entre o MP, a Vale, a Defensoria Pública de Minas, o Ministério Público Federal, o governo mineiro, suas secretarias e representantes de bacias é o sexto termo aditivo aos TACs e terá o valor total de R$ 60 milhões, considerando que, além dos R$ 45 milhões para preservação nos altos dos rios das Velhas e Paraopeba, outros R$ 15 milhões servirão para compensações sociais de comunidades atingidas pelo rompimento de Brumadinho.
"Após o rompimento de Brumadinho sobre o Rio Paraopeba e a Lei Mar de Lama Nunca Mais (que endureceu exigências de segurança na mineração), as barragens a montante (acima) da captação do Rio das Velhas entraram em nível de emergência. Os TACs foram necessários para garantir uma saída, enquanto as barragens são descaracterizadas (desmontadas). Se ocorrer rompimento, metade da Grande BH não vai ficar sem água", afirma um dos responsáveis pelo programa, o coordenador estadual de Meio Ambiente e Mineração do Ministério Público, promotor Lucas Trindade, referindo-se à população que depende da captação nesses rios.
"A preocupação foi geral, as prefeituras ficaram preocupadas com a possibilidade de terem seus sistemas de abastecimento comprometidos e uma grande crise. Por isso, os projetos trabalham um modelo de probabilidade real. Esse cenário em Belo Horizonte seria um caos. Inimaginável metade da Grande BH sem água, como ocorreu com o rompimento de Mariana em Governador Valadares. As pessoas estão brigando por água emergencial, roubando ou vendendo", disse o coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Meio Ambiente (Caoma), Carlo Eduardo Ferreira Pinto.
Estruturas emergenciais
As estruturas que imediatamente seriam acionadas para abastecer quem depende do Rio das Velhas em caso de um colapso do sistema por rompimento de barragem fazem parte do eixo emergencial do Projeto Água e Sustentabilidade para segurança hídrica da Grande BH. Nesse contexto, a Vale ergueu uma muralha contra rompimento em volta da captação da ETA Bela Fama, em Nova Lima, para poupar o maquinário. Foram criadas interligações dos sistemas das bacias do Velhas e do Paraopeba que permitem que um sistema socorra o outro transferindo água. Foram também reativados, perfurados ou adequados os poços em Lagoa Santa, Vespasiano, São José da Lapa, Caetanópolis e Paraopeba.
Um sistema de bombeamento e canalização de água para a ETA Bela Fama foi implantado na Barragem de Cambimbe, da Anglogold em Nova Lima para abastecer esse município enquanto o Velhas estiver com problemas. Pontos de abastecimento de caminhões-pipa foram estabelecidos em 31 locais da Grande BH. Poços, reservatórios e redundâncias já estão prontos em 32 consumidores especiais (hospitais, UPAs, instituições de ensino e presídios).
Enquanto isso, o outro eixo permite a ampliação do sistema, para que o Paraopeba consiga suprir totalmente a demanda de quem é abastecido pelo Rio das Velhas. Para tal, a Vale entregou estudos de viabilidade para novas captações no Rio da Prata (Rio Acima), Rio das Velhas na Ponte de Arame (Itabirito) e Rio Macaúbas (Belo Vale). O tratamento da ETA Rio Manso também é necessário, pois esse não conseguiria processar a água extra para suprir o Rio das Velhas, bem como uma adutora de transferência entre os sistemas Paraopeba e Rio das Velhas para esses grandes volumes de água serem transportados.
Ações que trarão benefícios para além da crise das barragens em descaracterização sobre o Rio das Velhas. "A expansão do sistema de abastecimento de água deixou aberta a possibilidade de que a Grande BH possa continuar a crescer sem uma ameaça de desabastecimento", afirma o coordenador estadual de meio ambiente e mineração do Ministério Público, promotor Lucas Trindade.
O promotor destaca que as duas grandes ações terão prazos e detalhes bem definidos e acordados no acordo com a mineradora Vale. "Um dos mais importantes projetos é a ampliação da capacidade de tratamento da ETA Bela Fama, com tecnologia mais avançada capaz de tratar uma água de pior qualidade. Em caso de um rompimento no Rio das Velhas ou de algum outro tipo de contaminação, Bela Fama ainda assim teria condições de realizar esse tratamento mais complexo. Copasa já lançou uma pesquisa de interesse do mercado e está cotando possíveis interessados em uma licitação para essa obra, que é de médio prazo. Será uma construção localizada na própria ETA Bela Fama", explica Trindade.
A captação que a Vale controla e repassará para a Copasa acima do ponto de vazão dos rejeitos de Brumadinho é um outro importante instrumento mas, apesar dos atrasos, ainda não compromete o abastecimento. "A estrutura terá capacidade para 5 mil litros por segundo, um terço das necessidades da Grande BH. Mas só será acionada se as barragens de água do sistema Paraopeba estiverem baixas e hoje estão cheias. De qualquer forma, uma multa foi aplicada, de R$ 100 mil, revertida em benefícios para uma comunidade atingida pelos rejeitos", conta o promotor de Meio Ambiente e Mineração. Mas o sistema só poderia ajudar quem é abastecido pelo Velhas quando a capacidade da ETA de Rio Manso estiver ampliada.
Eixo ambiental
O novo eixo ambiental do Projeto Água e Sustentabilidade, que será assinado hoje, deverá trazer ganhos mais diretos para a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. "Com a proteção das áreas de recarga, nascentes e pontos sensíveis no alto Rio das Velhas, fica garantida a boa qualidade e volume dos afluentes para o rio. Sozinho, não resolve tudo, mas tem essa consequência também", observa o promotor Lucas Trindade.
A prioridade de execução desses projetos com verba de R$ 45 milhões será apontada pelos comitês das bacias hidrográficas dos rios das Velhas, Paraopeba e São Francisco. O planejamento será do Instituto Mineiro das Águas (Igam) e a execução da agência de bacias Peixe Vivo. O valor será depositado em uma conta judicial pela Vale no prazo de 60 dias. "Os projetos passam por uma triagem para saber se têm viabilidade e prestarão contas dos gastos ao MP junto à plataforma Semente, que já gerencia as ações e projetos apoiados pelo MP", afirma Trindade.
"Ente estatal, ribeirinhos e pessoas que preservam o meio ambiente vão poder acessar e submeter projetos que podem ser viabilizados. Essa grande verba poderá, inclusive, ser expandida no futuro", disse o promotor.
Uma das ações que o representante do MP considera boa candidata, e que já vem sendo desenvolvida de maneira limitada com bons resultados, é o Projeto Produzindo Água na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo é a promoção da conservação de recursos hídricos por meio da implementação do programa de regularização ambiental e da adoção de práticas sustentáveis nas propriedades rurais.
Segurança no abastecimento
Novas medidas e andamento de ações acordadas no Ministério Público para preservar o fornecimento de água para a Grande BH.
Eixo verde (ambiental)
Projetos de proteção de áreas de recarga, nascentes e mananciais acima das captações receberão R$ 45 milhões
Recursos passarão por processo de escolha dos comitês de bacia dos rios das Velhas e Paraopeba e auditoria de entes como sistemas do Ministério Público
Alto Rio das Velhas terá monitoramento da qualidade da água em tempo real
Eixo emergencial (entregue)
Proteção contra rompimento da Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama, em Nova Lima
Interligações dos sistemas das bacias do Velhas e do Paraopeba: Adutora Contagem - Belo Horizonte