Foi só os estudantes terminarem de fazer a prova do primeiro dia do Enem, no último domingo (5), para começar o fuzuê em torno do exame, principal porta de entrada de universidades federais.
Concentrada em interpretação de texto, a prova, ano após ano, governo após governo, enfrenta críticas de uma seleção enviesada de temas, à direita ou à esquerda. Sob Jair Bolsonaro (PL), vetou questões sobre a ditadura militar. Agora, sob Lula (PT), é acusado de favorecer uma visão de esquerda, com questões críticas ao agronegócio.
Apesar do ruído, o Enem, que terá o segundo dia de provas neste domingo (12), é um exame respeitado no país, adotado como uma das portas de entrada inclusive por instituições particulares conceituadas, como a FGV e o Insper.
Isso não quer dizer, por outro lado, que não seja preciso melhorar o modelo do exame, modernizá-lo, criar ou reforçar mecanismos a fim de evitar que o calor político do momento se imponha sobre a prova, na visão de educadores consultados pela reportagem.
"As críticas de que a prova é ideológica não têm a ver com este ou com aquele governo, mas com o formato de seleção dos itens [questões]", diz Maria Helena Guimarães de Castro, que já foi secretária-executiva do MEC, presidente do Inep (1997-2002), o órgão responsável pelo Enem, e é presidente da Associação Nacional de Avaliação Educacional e membro do Conselho Nacional de Educação.
Embora as questões sejam elaboradas por professores contratados para essa tarefa, Castro ressalta que as equipes do Inep são responsáveis pela definição dos editais de seleção e pelo treinamento desses docentes, bem como pela escolha dos itens. As questões são testadas com alunos para depois entrarem em um banco, do qual são selecionadas, a cada ano, as perguntas que irão compor o exame.
"A prova fica guardada em cofre na sala de segurança máxima. Nem o presidente do Inep ou o ministro da Educação são autorizados a ler as questões. Apenas a equipe técnica do Inep responsável pelo Enem tem acesso ao exame", explica.
MODERNIZAÇÃO DA PROVA
Quanto maior for a equipe técnica e as comissões de especialistas para dar suporte a ela, mais plural será o exame, na sua avaliação. "O modo de produção do banco de itens precisa ser repensado, ter mais pesquisadores, utilizar inteligência artificial", defende. Castro sugere uma modernização da prova, com a inclusão de questões dissertativas. "Uma prova só com questões de múltipla escolha é atrasada.".
O atual presidente do Inep, Manuel Palácios, disse na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados na última quarta (8) que o processo do exame, do edital de convocação dos professores à produção da prova, dura três anos.
Segundo ele, 86% dos itens foram produzidos durante o governo anterior. Palácios, no entanto, não esclareceu se o percentual engloba as questões que se tornaram polêmicas, envolvendo o agronegócio. Na segunda-feira (6), a Frente Parlamentar da Agropecuária publicou uma nota pedindo a anulação de duas questões.
Na questão 70 da prova branca, o cultivo de soja é relacionado ao desmatamento na Amazônia. Na 89, um texto sobre o agronegócio afirma que recursos naturais, como água e sementes, se tornam propriedade privada, e critica a mecanização da produção no campo. O enunciado pede para o candidato assinalar a alternativa que os elementos descritos no texto "demonstram", com essa palavra.
"Não há uma demonstração ali, mas um argumento. A questão não podia passar com a palavra 'demonstra'", diz o professor de economia da USP Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep (2005-2009), que vê uma "falha técnica" no enunciado. (Folhapress)