A falta de água em Belo Horizonte já se tornou uma realidade para parte da população. Desde segunda-feira, em plena onda de calor extremo, que começou no último sábado, moradores de diversos bairros da capital estão sem o fornecimento do serviço essencial e tentam se virar como podem. Para muitos, isso significa gastar seus escassos recursos na compra do líquido para matar a sede. Ontem, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que questionou a companhia de saneamento sobre o desabastecimento e aguarda um posicionamento.
No Bairro Jardim Alvorada, na Região da Pampulha, moradores viveram ontem o quarto dia consecutivo sem água, que até chegou a “pingar” em algumas torneiras, mas logo voltou a sumir. Quem tem caixa d’água conseguiu fazer racionamento e ter um pouco para usar nas tarefas diárias, como tomar um banho rápido para ir trabalhar. Mas nem todos contam com essa reserva.
Rosana dos Santos Lopes, de 48 anos, mora na Rua Inspetor Pimentel, uma das que estão com o fornecimento interrompido. Ela afirma que desde o fim de semana tem tentado entrar em contato com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), mas não obteve um posicionamento da empresa. Por não ter caixa d’água, a dona de casa precisou da ajuda de vizinhos que estão dividindo o recurso.
“Ontem (quarta-feira) a água começou a chegar, ficou duas horas e acabou. Hoje eu já liguei umas cinco vezes (para a Copasa), mas eles falam que o sistema está fora do ar. Meu menino, por exemplo, tem escola e eu tive que pedir água ao vizinho e comprar em galão”, conta Rosana.
A situação é agravada pela onda de calor extremo. Desde segunda-feira a capital já registrou três recordes históricos de temperaturas máximas para o mês de novembro, o maior deles, de 37,9°C, na terça. O líder comunitário do Bairro Jardim Alvorada, Sílvio Cesar Camargos, conta que o clima entre os moradores é de revolta e desespero.
“Temos vizinhos com idosos acamados, esse é o maior problema. A Copasa não informa por que está faltando água. Dizem que no sistema consta que tem, e não fazem nada. São várias ruas sem água e não sabemos como vai ficar, desabafa.
Sem resposta sobre o retorno do abastecimento, o jeito tem sido encher baldes e racionar água. Esse é o caso de Maria Resende, de 61. Apesar de a Copasa relacionar o desabastecimento à alta do consumo, a moradora afirma que a situação é recorrente e que as interrupções do serviço já vinham ocorrendo mesmo antes da onda de calor.
“Eu tenho uma caixa e fui economizando água. Tenho um idoso aqui (em casa) e não dá pra ficar sem. Fui economizando nos banhos, para cozinhar, evitando dar descarga toda hora. Ela voltou ontem à noite, mas às vezes volta de manhã e acaba à noite. Sempre acontece isso, ficamos dois, três dias sem água aqui. Eles sempre falam que é manutenção, mas nunca dão uma previsão concreta da normalização”, conta a dona de casa.
Vem e vai
O desabastecimento de água não é uma situação exclusiva do Bairro Jardim Alvorada. Moradores e comerciantes do Bairro Ouro Preto, também na Região da Pampulha, vêm enfrentando o problema. Ontem (16/11), alunos do Instituto Infantil Ambja ll, foram dispensados mais cedo porque a instituição de ensino ficou sem água.
Em entrevista ao Estado de Minas, a coordenadora da escola, Sara Coelho, conta que por volta das 9h o insumo acabou e as crianças não teriam água nem mesmo para beber. “É impossível ficar sem água com crianças. Em casa mesmo, se você tem uma criança e está sem água já é um caos, imagina com 60. Muitos pais estão cientes da situação do bairro e, por isso, receberam bem a saída mais cedo.”
Outro ponto da cidade em que a situação está crítica é no Morro do Papagaio, na Região Centro-Sul. Lá, o cenário é o mesmo. Moradores estavam há três dias sem água e sem resposta da Copasa sobre quando o serviço será normalizado. Na manhã de ontem, Julio Fessô, presidente do Centro de Defesa Coletiva, relatou que em alguns pontos a água começou a chegar durante a madrugada. Mesmo assim, inconstante e não em todo o aglomerado. Por volta das 16h, o abastecimento foi suspenso mais uma vez.
"Desligam (a água) sem aviso prévio. Falam que é por conta do aumento do uso. Tá! Mas, que culpa nós da favela temos? Aqui não tem como aumentar. Não temos piscinas, nem caixas enormes ou reservatórios. Nos bairros vizinhos, segundo moradores e pessoas que trabalham neles, a água não vai embora", diz o líder comunitário.
O mesmo vai e vem da água nas torneiras é relatado pela líder comunitária do Bairro Olhos D’água, na Região Oeste de BH. À reportagem, Elilma Guilherme Augusto afirmou que a situação “já virou rotina”, principalmente na parte mais pobre da comunidade. Como saída, os moradores compram água para cozinhar e beber. Quem não tem condições vai, com baldes, até uma mina de água próxima, com entrada permitida pelo proprietário.
“Falam que é manutenção, que é calor, que a água está baixa. Aí você liga para cobrar e falam que daqui a duas horas estão aqui. Passa esse tempo e não vêm. Eles vão empurrando o problema com a barriga. Nisso, o pessoal que vende água aproveita e coloca o preço lá em cima. Fazer o quê, né? A tendência é piorar. E a gente que tem que comprar mais caixas d’água”, relata.
Além disso, episódios de falta de fornecimento de água têm sido relatados nos bairros Pilar, Taquaril, Jaqueline e Santa Mônica, na capital.
Risco generalizado
Na quarta-feira (15/11), a Copasa atribuiu o desabastecimento ao aumento no consumo neste período de calor intenso e ressaltou que o cenário pode levar à falta de água em outros bairros da capital e a áreas de outros municípios mais distantes do sistema produtor. Desde sexta-feira (10/11), moradores das cidades de Esmeraldas, Igarapé, Mateus Leme, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Vespasiano, Sabará, Matozinhos sofrem com a falta de serviço.
Na tarde de ontem, a reportagem questionou a Copasa sobre quais medidas têm sido adotadas para reverter o quadro de desabastecimento da Região Metropolitana e o motivo de a alta demanda estar provocando a suspensão do serviço, uma vez que volume dos reservatórios responsáveis pelo abastecimento da região está em 70% da capacidade. No entanto, até o fechamento desta edição a empresa não se manifestou.