Estiagem afeta mananciais e provoca até rachaduras no solo -  (crédito: Evanilson Ribeiro/Divulgação)

Estiagem afeta mananciais e provoca até rachaduras no solo

crédito: Evanilson Ribeiro/Divulgação

“Por que tamanha judiciação?”. A desolação retratada por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em “Asa branca”, composta em 1947, é atual e se espalha com força no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. O drama da seca, expresso nos versos da canção chegou mais cedo neste ano nessas regiões e está demorando mais tempo para acabar. Já são 10 meses de estiagem, prolongando o sofrimento da população e os prejuízos para a agropecuária.

As últimas chuvas intensas do sertão norte-mineiro foram registradas no fim de janeiro. Desde então, os moradores encaram o sol causticante. Neste mês, em vez da esperada chuva, assim como o resto do estado e outras partes do país, a região foi castigada por uma onda de calor intensa, que exacerbou também os efeitos catastróficos da estiagem prolongada: o gado morrendo de fome e sede; rios, lagos e córregos esturricados; pastagens destruídas; e milhares de famílias encarando o flagelo da falta d água, sendo abastecidas por caminhões-pipa.

Os prejuízos causados pela seca impiedosa na safra agrícola deste ano no Norte de Minas somaram R$ 1,823 bilhão, segundo relatório da Empresa de Assistência Técnica e Assistência e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG). “O quadro é de desespero. Faltam água e pasto, e os agricultores familiares estão descapitalizados para manter e alimentar o gado e até os pequenos animais, como porcos e galinhas”, assombra-se José Romildo Fonseca, presidente da Associação dos Moradores e Pequenos Produtores de Buriti Seco, comunidade afetada pela “seca braba”, no município de Montes Claros.

José Romildo, assim como outros milhares de agricultores atingidos, clama pela volta das chuvas como a única solução para pôr fim ao castigo do sol abrasador e da carência hídrica. De acordo com o meteorologista Ruibran dos Rei, do Climatempo, uma frente fria chega nesta segunda-feira (20/11) e trará chuvas ao estado, alcançando o Norte, Nordeste e o Leste de Minas. Mas, à base do ditado que diz que “alegria de pobre dura pouco”, Ruibran informa que as pancadas de chuva deverão prosseguir somente até quinta-feira ( 23/11) e avisa que, por causa do fenômeno El Nino – o mesmo responsável pela estiagem prolongada– e do aquecimento global, o Norte de Minas – assim como os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri – terá precipitações abaixo da média histórica nos próximos meses.

“Infelizmente, o início do período chuvoso atrasou. E não temos boas notícias para o Norte, Nordeste e Leste de Minas. Devido à atuação do El Nino e, com o aquecimento global, as chuvas vão ficar abaixo da média histórica. Então, vamos passar por um período muito ruim em termos de precipitações, com altas temperaturas”, afirma Ruibran.

Segundo o meteorologista, o Norte de Minas deve aguardar o retorno das águas em dezembro, “mas poucas chuvas”, com as precipitações continuando em janeiro dentro da média histórica. Porém, terá um fevereiro também de poucas chuvas. “Pra valer mesmo, só vão retornar no mês de março”, assegura Ruibran.

Isso significa a continuação da carência hídrica, novos prejuízos para os pequenos produtores e dificuldades para recuperar as perdas que se acumularam até aqui.

Seca longa corrói até a esperança

Dez meses de estiagem seguidos ao longo do ano multiplicam prejuízos de pequenos produtores, enquanto a previsão de que a carência hídrica vai continuar, com chuvas abaixo do esperado nos próximos meses, transforma a esperança de recuperação em miragem no Norte de Minas. A cifra das perdas já passa de R$ 1,8 bilhão, aponta documento produzido pela Empresa de Assistência Técnica e Assistência e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).

Assinado pelo gerente regional da Emater em Montes Claros, José Arcanjo Marques Pereira, o “Relatório Agriclimatológico do Norte de Minas – efeitos da seca na safra agrícola 2022/2023” aponta prejuízos de R$ 770,5 milhões em decorrência da redução na produção de carne, leite e derivados. As perdas financeiras com a destruição das pastagens pelo sol causticante alcançam R$ 692,2 milhões, enquanto o aniquilamento dos plantios de sequeiro de grãos – especialmente de milho, feijão e sorgo – nas mesmas circunstâncias resultou em R$ 361 milhões de prejuízos, com uma redução de 52,1% na produção.

O estudo da Emater abrange 89 municípios, numa extensão de 128, 48 mil quilômetros quadrados castigados pela seca. Somando tudo, o impacto negativo com as perdas causas pela falta de chuvas na produção agropecuárias do setor alcançou R$ 1, 823 bilhão, segundo o levantamento dos técnicos da empresa.

Se as perdas já vinham se acumulando, as altas temperaturas de três ondas de calor em Minas Gerais só pioraram a situação. E as esperanças começam a minguar. O agricultor e líder comunitário José Romildo Fonseca assegura que tenta de todo jeito superar o quadro caótico, mas está difícil. “A gente já é acostumado a conviver com a seca. Mas, neste ano, a situação está diferente. Mais preocupante. As chuvas de fevereiro e março não vieram. Agora, estão demorando pra voltar”, diz ele, lembrando que, a cada dia que passa sem chover, o quadro se agrava, com a falta de pasto e desaparecimento das fontes hídricas.

Em condições normais, explica José Romildo, o mês de novembro marcaria o retorno das chuvas. Por isso, esperançosos, agricultores da comunidade lançaram as sementes de milho, feijão e sorgo na terra. “Mas tudo foi perdido. Nada suporta a uma temperatura de 40 graus e baixa umidade”, lamentou o produtor, lembrando que o Córrego Buriti Seco e outros mananciais próximos estão completamente vazios.

Nos últimos dias, conta José Romildo aumentaram na região as perdas de bovinos, em função da falta de alimento, diante de um cenário de pastagens devastadas. “Há mais de 20 anos não ocorriam mortes de reses como está acontecendo agora”, afirma o produtor. “Estamos enfrentando um ano terrível, de calamidade mesmo”, disse.

Marcos Ernane Fonseca, que trabalha numa fazenda na região, conta que 13 vacas da propriedade morreram este ano por falta de alimentação, consequência da estiagem prolongada. “Como não choveu em fevereiro e março, não teve como melhorar as pastagens e fazer reserva para a seca”, explica.

Carcaça

O pequeno produtor Evanilson Vieira Ribeiro, o Nicinho, tem uma propriedade na comunidade de Retiro, a cerca de 10 quilômetros do São Francisco, no município homônimo, mas nem a proximidade com o “Rio da Integração Nacional” impede os prejuízos diante da seca severa. “Neste ano, já perdi mais de 20 reses por causa da falta de alimentação”, reclama. “A última chuva pra valer que tivemos aqui foi em 30 de janeiro”, testemunha. A cada dia ganha mais destaque a triste cena de carcaças de animais mortos, conta Evanilson.

A situação também e crítica em Botumirim, de 5,79 mil habitantes, onde o Rio Itacambiraçu, que até uma década atrás era perene, teve o volume reduzido nos últimos anos e agora está completamente vazio. “ Falta água para o abastecimento humano e para os animais. É uma situação muito triste, diz Jeverton Cristiano Souza, coordenador de Proteção e Defesa Civil de Botumirim.

Caminhão-pipa abastece comunidade rural de Francisco Sá, onde o recurso é escasso depois do secamento da Barragem de São Domingos

Caminhão-pipa abastece comunidade rural de Francisco Sá, onde o recurso é escasso depois do secamento da Barragem de São Domingos

Prefeitura de Francisco Sá/Divulgação

Emergência prorrogada

A mesma seca que arrasa os resultados da produção agropecuária no Norte de Minas flagela a população local. A água nas torneiras e escassa e, não à toa, municípios tiveram que pedir a prorrogação de decreto de situação de emergência para garantir o fornecimento do recurso em pleno novembro, mês que historicamente já seria de chuvas. Cerca de 170 mil famílias de agricultores vivem na área rural do Norte de Minas, aponta o levantamento da Emater. “Todas as comunidades rurais da região têm sofrido algum tipo de efeito da seca prolongada e estima-se que aproximadamente 20 mil famílias tenham relativa limitação de acesso à água potável em quantidade e qualidade suficiente”, diz o relatório técnico do órgão governamental. O documento ainda sublima que a região vem sofrendo “efeitos cumulativos” de sucessivas secas ao longo dos últimos 13 anos.

Um dos municípios norte-mineiros mais atingidos pela dificuldade de acesso à água por causa da seca prolongada é Francisco Sá, de 23,47 mil habitantes. A Barragem de São Domingos, que abastece a área urbana da cidade, secou completamente. A população está sendo atendida com água de poço tubular. “A nossa situação realmente é muito critica”, afirma o prefeito de Francisco Sá, Mario Osvaldo Casasanta (Avante). Segundo ele, a prefeitura conta com quatro caminhões-pipa que levam água para as comunidades rurais do município.

“Neste ano, parou de chover aqui em 15 de janeiro. Depois disso, só tivemos chuvas esparsas. Sou produtor rural há 40 anos e nunca vi acontecer uma coisa dessa”, testemunha Mario Osvaldo. “Os pequenos produtores rurais estão sofrendo muito com as perdas de gado. As lavouras, então, nem se fala. Perderam tudo”, completa.

No último dia 9, decreto assinado pelo então governador em exercício, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, prorrogou por mais de 180 dias a situação de emergência devido à seca em 90 municípios, dos quais 60 do Norte de Minas. As mesmas cidades já estavam em situação emergencial desde maio.

A ampliação do prazo da situação de emergência levou em conta o prolongamento da seca e a continuidade dos prejuízos. O texto destaca que o término da vigência de decreto anterior poderia “ocasionar sérios prejuízos aos municípios com a interrupção das ações de resposta à seca por meio da operação de Transporte e Distribuição de Água Potável”. Entre as cidades listadas está Francisco Sá. Atualmente, há 101 municípios em emergência em função dos danos provocados pela estiagem.

O presidente da Amams, José Nilson Bispo de Sá, o Nilsinho, afirma que os prefeitos da região solicitaram ao governo do estado o envio de caminhões-pipa e de cestas básicas para atender os flagelados da seca, como ajuda humanitária. “A colaboração do governo do estado é essencial para aliviar o sofrimento da população e garantir que as necessidades básicas sejam atendidas, especialmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social”, declara ele.

Medidas para amenizar

Em seu relatório sobre as perdas causadas pela estiagem, a Emater-MG sugere a adoção de uma série de medidas para amenizar o problema da falta de chuvas. Além da “distribuição de kit de alimentos frescos comprados da agricultura familiar” e de cestas básicas, o órgão recomenda a perfuração e instalação de poços, distribuição de tubulações, caixas de reservação (individuais) e de sistemas de captação e distribuição comunitários, bem como programas de armazenamento de água de chuva e construção de pequenos e médios barramentos, além de implantação de terraços em todas as sub-bacias hidrográficas. Já a Amams anunciou que solicitou ao governo federal um projeto para a construção de 1 milhão de barraginhas para armazenar as águas das chuvas e conter os efeitos da seca prolongada no sertão norte-mineiro.