Um acervo extraordinário do barroco brasileiro, com reconhecimento internacional, se encontra, neste exato momento, dentro de cinco gigantescas bolhas de plástico. O motivo é justo, necessário e preventivo. Pela primeira vez em sua história, as 15 peças esculpidas por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), que formam a Santa Ceia, em Congonhas, na Região Central de Minas, passam por processo de desinfestação denominado anóxia ou anoxia, para matar cupins e evitar a proliferação dos insetos, caso presentes na madeira.

O método consiste em colocar as imagens dentro de uma bolha de plástico especial – cada uma tem três metros de comprimento, dois metros de largura por um metro de altura –, fechada com barreiras e válvulas. Quando tudo está bem acondicionado e vedado, a equipe técnica injeta nitrogênio, para ser retirado todo o oxigênio existente no interior da bolha.

Dessa forma, "tudo o que estiver vivo lá dentro morre", diz o especialista Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, de Belo Horizonte, à frente do processo de desinfestação. Ele informa que foram localizados ovos de insetos numa das esculturas, daí a urgência da prevenção.

Exposto na capela da Santa Ceia, um dos seis Passos da Paixão de Cristo que guardam as 64 peças sacras esculpidas por Aleijadinho, no entorno da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, as 15 imagens do tesouro barroco de Minas ficarão na bolha durante 45 dias. Enquanto isso, a prefeitura conduz trabalho de conservação das capelas, com acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pois os bens são tombados pela União e integram o complexo arquitetônico e artístico (incluindo os 12 profetas esculpidos também por Aleijadinho, no adro da basílica) reconhecido como Patrimônio Mundial.

Segurança reforçada protege relíquias

Dentro de rigoroso esquema de segurança, com proteção da Guarda Municipal e Polícia Militar, as peças foram retiradas, há duas semanas, da capela da Santa Ceia, informa o diretor de Patrimônio da Prefeitura de Congonhas, arquiteto Hugo Cordeiro. "Esperamos que a Santa Ceia possa ser admirada novamente, no Passo, até o Natal", afirma.

Além da figura do Cristo, dos 12 apóstolos e dois servos, fazem parte do acervo um leitãozinho em uma bandeja e a mesa. Em tamanho natural, foram feitas por Aleijadinho entre 1796 e 1799.

O trabalho de desinfestação, com recursos de um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público Federal, ocorre em lugar mantido em sigilo, sendo monitorado pela equipe comandada por Adriano Ramos. Enquanto verificam uma das bolhas com as imagens de Cristo e de dois apóstolos, ele e o técnico em restauração Fábio Canuto falam sobre o processo e mostram os equipamentos usados, incluindo o oxímetro, que monitora os níveis de nitrogênio e de oxigênio, o qual precisa estar "zerado" dentro da bolha.

Depois de colocadas as peças dentro da bolha, tomando o cuidado para que não encostem no plástico, a equipe injeta o nitrogênio, faz a selagem e a vedação com válvulas. A partir daí, é ficar de olho e esperar o resultado. Com experiência de décadas na restauração de bens culturais, Adriano Ramos não se cansa de exaltar a beleza e a qualidade das peças, um patrimônio visitado por gente do mundo inteiro. "São de cedro vermelho, esculpidas no final do século 18. Na época, a madeira, após cortada, ficava secando por um ano."

Capelas também terão restauro

Em outra frente de trabalho, nesta com recursos da Prefeitura de Congonhas, está em andamento a restauração das seis capelas abrigando sete cenas da Paixão de Cristo. O prazo previsto para as intervenções é de seis meses. Na primeira capela, a da Santa Ceia, os trabalhos estão a todo vapor, conforme comprovou a equipe do Estado de Minas, na companhia do diretor de Patrimônio, Hugo Cordeiro, e do engenheiro Ronaldo José Silva de Lourdes, ambos da administração municipal, além da arquiteta Raymara Luz, do escritório do Iphan na cidade, e da técnica em conservação e restauração Adenice Souza, também do Iphan.

 

Reforma adota técnicas originais

Iniciados há duas semanas, os serviços de recuperação da capela da Santa Ceia, a maior das seis e a primeira a ser construída (entre 1799 e 1808), têm previsão de término antes do Natal, quando as peças deverão estar no local. A conservação dos templos, com material (cal, argamassa de cal e areia) e técnicas construtivas da época, está a cargo da empresa MW Empreendimentos Pimentel. Segundo Raymara Luz, do escritório do Iphan, a intervenção contempla a recomposição de rebocos e algumas partes degradadas, tratamento das cúpulas, limpeza das cantarias e pintura das esquadrias de madeira.

Devido às chuvas do ano passado, a capela foi coberta provisoriamente, conforme documentou o EM, por uma estrutura metálica e lona, afixada no chão. A instalação da proteção ocorreu em 22 de março, pela Prefeitura de Congonhas.

O trabalho de conservação das seis capelas será feito por etapas, informa Raymara. Na sequência, após Santa Ceia, estão as capelas Horto das Oliveiras, Prisão, Flagelação e Coroa de Espinhos, Cruz às Costas e Crucificação (veja quadro). Nesse período, a ação de desinfestação poderá ocorrer tanto nesse espaço como em outro determinado pela reitoria da basílica, vinculada à Arquidiocese de Mariana, e que tem como reitor o cônego Nédson Pereira de Assis.


1) Esculturas de Aleijadinho

• 15 peças da capela da Santa Ceia passam por processo de desinfestação via anóxia ou anoxia. O prazo é de 45 dias.

• Todo o conjunto de 64 peças, no prazo de 13 meses, passará pelo mesmo processo. Algumas esculturas dentro da respectiva capela, outras em local a ser determinado.

• Os recursos para esse trabalho provêm de termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público Federal.

2) Capelas ou Passos da Paixão de Cristo

• As seis capelas, no entorno da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, passarão por processo de conservação.

• A primeira é a da Santa Ceia. A expectativa é que fique pronta,
com as 15 peças, antes do Natal.

• Os recursos para a obra são da Prefeitura de Congonhas


Arte e fé

Conheça a história das capelas que retratam os Passos da Paixão:

1) Santa Ceia

Construída entre 1799 e 1808, é a maior das capelas. Traz os 12 apóstolos, Cristo e dois servos esculpidos por Aleijadinho, que teria também sido o responsável pelo desenho do prédio. Segundo pesquisas, foi a única que Aleijadinho viu concluída. As pinturas das paredes são de Mestre Ataíde. A citação em latim sobre a porta é de São Mateus: "Enquanto ceavam, Ele tomou o pão e disse: 'Eis o meu corpo'".

2) Horto das Oliveiras

Cristo, suando sangue, o anjo da amargura com o cálice e os apóstolos Pedro, Tiago e João compõem o cenário criado pelo Mestre Ataíde. Foi construída entre 1813 e 1818. A citação é de São Lucas: "Tendo caído em agonia, orava com mais insistência".

3) Prisão

O cenário pintado por Ataíde recria o Monte das Oliveiras, com colunas e decoração, arcos e vegetação para valorizar o conjunto de peças - Cristo, Judas, São Pedro e soldados. A citação é de São Marcos: "Como se fosse um ladrão, com espadas e varapaus, vieste prender-Me?".

4) Flagelação e Coroação de Espinhos

Da construção das primeiras capelas às três seguintes passaram-se quase cinco décadas, sendo a obra feita de 1864 a 1875. Esse passo, um dos mais visitados, mostra duas cenas. Do lado esquerdo, está Cristo atado a uma coluna, enquanto um soldado o esbofeteia; do direito, a imagem também conhecida como Senhor da Pedra Fria ou Cristo da Cana Verde. A citação é de São João: "Eis o homem". A policromia das imagens da capela, da Cruz às Costas e da Crucificação, é de Francisco Xavier Carneiro, contemporâneo do Mestre Ataíde.

5) Cruz às Costas

Construída entre 1864 e 1875. As imagens esculpidas por Aleijadinho mostram Cristo ao lado de duas mulheres, de guardas romanos, do mascote da guarda e de um arauto que anuncia o cortejo pelas ruas de Jerusalém. A citação é de São João: "Tomando sobre si a cruz".

6) Crucificação

As peças mostram Maria Madalena ao pé da cruz, soldados disputando as vestes de Cristo, o centurião romano São Longuinho, o bom ladrão, Dimas, e o mau ladrão, Gestas. A citação é de São João: "Num lugar chamado Gólgota, O crucificaram. Com Ele, outros dois, um de cada lado".

Fonte: Luciomar Sebastião de Jesus, escultor e pesquisador de Congonhas

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