Uma família passou por momentos de constrangimento ao buscar atendimento no Hospital Belo Horizonte, no bairro Cachoeirinha, na região Nordeste da capital mineira. As queixas foram direcionadas a um médico que teria duvidado das condições financeiras do paciente para arcar com os custos do centro de saúde.
Tudo começou na tarde de sexta-feira (22/12), quando o mestre de obras José Bezerra da Silva, de 69 anos, sentiu-se mal no trabalho. O idoso teve sintomas de vômito e fraqueza durante o expediente no edifício onde presta serviços de manutenção predial no bairro de Lourdes, na região Centro-Sul de BH.
A gerente comercial Fabiana Mendes da Silva, de 33 anos, filha de Bezerra, foi quem teve a ideia de ir a um hospital particular. “Fiquei muito preocupada com meu pai, pois nunca tinha o visto dessa forma. Assim, pensando na agilidade do atendimento, optamos por ir ao Hospital Belo Horizonte.”
Ao chegar à recepção, por volta das 16h, Fabiana recebeu as informações de praxe. “Um senhor muito educado me disse que o preço da consulta particular era R$ 350 e não dava direito a retorno. E que todos os exames e procedimentos necessários seriam cobrados à parte. Dei o ok. Até aí tudo bem, pois faz parte do trabalho dos atendentes”.
Fabiana passou a ficar incomodada quando outros profissionais repetiram o que já havia sido dito na recepção. “Uma enfermeira afirmou que meu pai só passaria pela triagem quando ela me explicasse que a consulta era particular, não dava direito a retorno e que os exames seriam cobrados à parte. Eu disse que já tinha entendido. Inclusive, perguntei se seria necessário fazer o pagamento antes. Ela disse que era só no final.”
‘O médico falava que era tudo caro’
Por volta das 17h20, o médico que atendeu José Bezerra receitou fármacos para aliviar a dor e conter os vômitos, além de aplicação de soro com o objetivo de repor a perda de líquidos. O diagnóstico inicial era para hipoglicemia - quando o nível de açúcar no sangue está baixo.
Todavia, ao ser questionado pelo paciente sobre a necessidade de exames complementares que poderiam identificar algum problema de saúde, o profissional frisou que “tudo dentro do hospital era caro” e recomendou que o idoso procurasse alguma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de BH.
“Ele me disse assim: ‘aqui é tudo caro’. Vou te passar um remédio aqui para aliviar e depois você vai à Upa para fazer os exames. Pois aqui eles cobram até o algodão”, relatou José Bezerra.
O mestre de obras estava a ponto de ganhar alta às 18h30, quando as filhas intervieram na situação. A fisioterapeuta Adriana Mendes da Silva, de 36 anos, encarregou-se de questionar o médico. De acordo com ela, o pai estava com saturação de oxigênio no sangue em 87% - o nível normal é de pelo menos 95%.
“Quando eu entrei para conversar com o médico, perguntei por que ele estava liberando sem fazer nenhum exame e se não havia o diagnóstico. Ele falou que os exames lá eram muito caros e orientou ir para a Upa. Falou isso umas dez vezes. Não perguntei se era tudo caro, e sim se ele, como médico, poderia liberar um paciente dessaturando, com histórico de infecção urinária, dor abdominal e vômito. Ele mudou o assunto e falou que cancelaria a alta. Ele ia liberar por pura negligência e por achar que não teríamos condição de pagar.”
Preconceito velado
Nas dependências do Hospital Belo Horizonte, José Bezerra ficou o tempo inteiro ao lado da esposa, Flávia Mendes Pacífico, de 57 anos. Ela acredita que o marido possa ter sido alvo de preconceito velado. “Talvez pelo fato de o Zé ser uma pessoa negra, idosa e simples, o médico bateu na tecla de preço. Insistiu o tempo inteiro em preço, que tudo lá dentro era caro, e que era melhor ele fazer os exames em uma Upa.”
José Bezerra concordou com a mulher. “O médico me perguntou com o que eu trabalhava. Eu disse: ‘construção civil’. Daí ele disse que me liberaria para ir à Upa, pois ‘era tudo caro’. No momento em que ele começou a falar assim, com certeza supôs que eu não teria dinheiro para pagar.”
Após insistência da família, José Bezerra enfim passou pelos exames de sangue, urina, raio-X e teste de covid-19. Nenhuma enfermidade grave foi diagnosticada no idoso, que, com a saturação acima de 92%, pôde retornar para casa com mais tranquilidade.
“Do jeito que falaram que era ‘caro’, pensei que ia dar uns R$ 5 mil. No fim das contas, pagamos R$ 1.300,00 pelo atendimento e tudo foi resolvido”, frisou o mestre de obras, muito conhecido em seu meio pelo perfil “faz-tudo” na construção (pedreiro, eletricista, pintor, carpinteiro, marceneiro, encanador, etc.)
Hospital não liberou prontuário
Conforme Adriana e Fabiana, filhas de José Bezerra, o Hospital Belo Horizonte se recusou a entregar o prontuário médico ao paciente.
“Inicialmente, falaram que o prontuário só é liberado no horário comercial. Perguntamos como iríamos proceder caso ele precisasse de transferência. Depois, afirmaram que o prontuário estava ‘travado’ por causa de ‘pagamentos separados’. Por fim, alegaram que apenas a supervisora do hospital estava autorizada a liberar, mas ela não poderia fazer isso porque estava no bloco cirúrgico”.
No entendimento das irmãs, o centro de saúde não quis conceder o prontuário por causa “da alta antes da hora ao pai”. Elas ressaltaram, também, que houve deboche por parte de uma médica.
“Quando minha irmã estava exigindo o prontuário, uma médica que não tinha nada a ver com a situação passou por mim e disse: ‘vai ficar querendo’. Ela se assustou quando ouvi e retruquei, pois não sabia que eu estava envolvida no caso. Rapidamente, me pediu desculpas, falou que era da área de pediatria e estava gravando uma mensagem no celular”, contou Fabiana.
A família solicitou a presença da Polícia Militar para a realização de um boletim de ocorrência, porém desistiu em razão da demora da chegada da viatura. Eles foram embora do Hospital Belo Horizonte por volta de 0h30 deste sábado (23/12).
Falta de infraestrutura
Além do transtorno pessoal, a família lamentou a falta de infraestrutura do hospital. “Me senti muito mal e impotente, porque quando meu pai chegou, foi posto em uma cadeira de rodas. Depois, para tomar o soro, ficou em uma cadeira reclinável. Porém, na maioria do tempo, ficou em uma cadeira de plástico, dura, no corredor. A todo tempo ele falava que estava cansado e com dor no corpo, que queria deitar”, destacou Fabiana Mendes.
“Estamos falando de um idoso que vai fazer 70 anos no próximo dia 29 com dores, vômito e tonturas. Não é possível que não tivesse uma cadeira mais confortável em que ele pudesse ficar. Acredito que isso também conta muito para a recuperação. Eu que indiquei o hospital por pensar que teríamos um atendimento rápido e confortável”, concluiu.
O Estado de Minas procurou o Hospital Belo Horizonte para um posicionamento sobre o caso e aguarda retorno.