Carretas abarrotadas de minério se espremendo na pista que deveria ser de trânsito rápido, enquanto seus motoristas tentam fugir do asfalto esmagado da faixa da direita; carros, caminhões, caminhonetes, tratores e até carroças entrando e saindo de vias rurais, levantando nuvens de poeira e espalhando barro dos pneus; tudo isso em via estreita, com segmentos sem acostamentos e pontes apertadas. Logo de início, a viagem de Belo Horizonte rumo ao litoral do Rio de Janeiro pela BR-040 já exige toda capacidade dos motoristas. Nesse percurso, o segmento entre Nova Lima, na Grande BH, e Conselheiro Lafaiete, na Região Central, é o pior, segundo a pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) de Rodovias 2023.
Com base nos mapas produzidos nesse levantamento, a reportagem do Estado de Minas vem publicando um guia com as condições dos principais roteiros procurados pelos mineiros para os recessos de final de ano e férias de janeiro. Na primeira reportagem da série, o Estado de Minas mostrou as condições da BR-381, para o Vale do Aço, Porto Seguro (BA) e São Paulo. Na sequência, as sofríveis condições da BR-262 rumo ao Espírito Santo e um alívio na direção do Triângulo Mineiro. Nesta edição, o trabalho mostra o estado da BR-040, até Brasília e Rio de Janeiro, além das condições da BR-135, até Montes Claros, da BR-356, para Ouro Preto, e da MG-050 com destino à região do Lago de Furnas, no Sul de Minas.
O estudo da CNT revela que Minas tem 43,1% das rotas examinadas com condições de pavimentação, sinalização e geometria ruins ou péssimas, enquanto 35,6% são classificadas como regulares e apenas 21,3% em situação boa ou ótima. Esses percentuais representam a média dos três critérios, referidos no levantamento como "condição geral" da via. O estado geral da BR-040 e da BR-101 a partir de BH, nos 459 quilômetros avaliados na viagem para a capital fluminense, é considerado regular em 243 quilômetros (53%), bom em 195 quilômetros (42%) e ruim em 21 quilômetros (5%).
O trecho de condições gerais ruins fica entre Congonhas e Conselheiro Lafaiete, sendo que um segmento ainda maior, quando se observa apenas a questão da conservação do pavimento, se encontra com classificação ruim devido a buracos, trincas, remendos e afundamentos. São 55 quilômetros da BR-040 entre Nova Lima e Ouro Branco. Há também classificação ruim de pavimento nos 40 quilômetros da mesma rodovia que separam Santos Dumont de Juiz de Fora.
Estrutura projetada se tornou obsoleta
Um dos integrantes do movimento SOS BR-040, que há 10 anos busca soluções para a rodovia, Sandoval de Souza Pinto Filho descreve inúmeros problemas no trecho mais crítico, entre o trevo da estrada de Ouro Preto (BR-356), em Nova Lima, e o trevo de acesso a Ouro Branco, após a cidade de Congonhas. “É nítido que o volume de veículos que trafega pelas pistas supera muito o projeto da estrada, que, onde foi alargada, na verdade, só recebeu parte do antigo acostamento. Com isso, não há mais acostamento em vários trechos”, observa.
A intrincada rede de acessos rurais que despeja desde veículos agrícolas a cavalos na rodovia é um dos problemas que o ativista destaca para a insegurança e conservação desse segmento. “Aquilo é um trem fantasma. Uma série de acessos irregulares, que piora já em Congonhas, no Km 600 até o Km 618. Essas estradinhas sem pavimento injetam um tráfego local que entra e precisa atravessar ou acelerar para o ritmo de viagem, levando poeira e barro que emporcalham a rodovia e entopem as drenagens, retendo a água das chuvas, fazendo com que carros atolem e aquaplanem. O mesmo ocorre com as carretas de mineradoras”, critica Sandoval.
De acordo com ativista de Congonhas, o fluxo intenso de carretas acima do peso compromete vários pontos do pavimento na faixa da direita, o que faz com que condutores de carretas trafeguem pela esquerda. Outro problema são as pontes muito estreitas que, diante do aumento do tráfego no recesso e férias, costumam resultar em grandes engarrafamentos (que já ocorrem nos horários de pico), ao afunilar as pistas no Km 612 e no Km 615. Ele também cobra a instalação de áreas de escape para carretas nas curvas mais fechadas, depois de fortes descidas.
“São 10 quilômetros de descidas fortes até a curva da Celinha, no Km 588, e oito quilômetros até a Curva do Pires. Os veículos de transporte pesado chegam muitas vezes com superaquecimentos de freios e saem passando por cima do que estiver na frente. Com essas áreas, poderiam fazer como no Anel Rodoviário de BH e sair da pista em segurança”, sugere.
Realidades bem distintas em rodovias concedidas
A partir do eixo da BR-040, outros dois circuitos rumo a destinos tradicionais de viagem em Minas Gerais apresentam situações distintas. A saída para a BR-135, pedagiada e concedida, tem conceitos bom para 93 quilômetros e regular para 206 quilômetros entre Curvelo, na Região Central, e Montes Claros, no Norte de Minas.
Já partindo da porção Sul da 040, na BR-356, que foi concedida ao estado de Minas Gerais, os pesquisadores da CNT encontraram uma situação bem diferente. Todo o trecho entre Nova Lima e Ouro Preto foi considerado ruim nos 68 quilômetros analisados. Enquanto o pavimento desse segmento e a sinalização foram avaliadas como ruins, a geometria recebeu classificação péssima.
O estado precário de rodovias e trechos viários que serão mais intensamente usados pelos viajantes neste período de férias e festas são reflexo direto da dependência rodoviária das atividades brasileiras em relação a Minas Gerais, um estado de ligação com a maior malha do país. É o que destaca o professor Raphael Lúcio Reis dos Santos, do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG.
“Os deslocamentos nacionais de cargas e pessoas são feitos de forma significativa pelas rodovias, e essa sobrecarga ocasiona patologias (buracos, afundamentos, trincas e remendos) e toda uma gama de desgastes”, considera. “Quando chega um período como o de férias, injetamos ainda mais veículos nessas vias, como ocorre na BR-040, onde o transporte de cargas de mineração se desloca lado a lado com carros pequenos indo para o litoral, por exemplo”, afirma.
O professor defende que as já tradicionais proibições de tráfego de carretas muito longas sejam mantidas nas datas mais conturbadas de saída e retorno de férias. “É usual nesse período haver restrição a veículos pesados, e isso é importante pelo aumento do fluxo de tráfego. São rodovias já com problemas, e essa concorrência dos veículos menores com os pesados se mostrou causa de acidentes recentes”, destaca o especialista.
Falta de prevenção resulta em buracos
As avarias no pavimento, principalmente em áreas de intenso tráfego, são esperadas e por isso, segundo o professor, deveriam ser combatidas com manutenções preventivas. No manual de pavimentação asfáltica básica da Petrobras Asfaltos e da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Asfalto (Abeda) fica bem claro que “as estruturas asfálticas não sofrem danos de forma súbita, mas sim deterioração funcional e estrutural acumuladas a partir de início de abertura ao tráfego. Na estrutura, associam-se os conceitos: serventia, desempenho, gerência, restauração, manutenção preventiva e reconstrução”.
Um dos componentes dos veículos que mais sofrem com o asfalto em condições ruins são os pneus e a suspensão, segundo o professor Raphael Lúcio. “Os pneus são fundamentais. Furar um pneu pode ser o início de um acidente. Além de tudo, trafegar em vias esburacadas implica aumento de consumo de combustível e mais gastos de pneu. Antes de viajar, é importantíssimo que as pessoas façam uma revisão do veículo. Observem pneus, a calibragem ideal para bagagens e número de passageiros. Além da situação da suspensão”, recomenda.
Para o especialista em transporte e trânsito, o mapeamento da CNT é fundamental para que os motoristas se informem e o poder público possa agir para garantir a segurança do tráfego nas rodovias. “A pesquisa nos mostra a situação atual e pode ajudar a fazer um planejamento mais eficiente, prevendo o que se deve encontrar ao viajar, onde há condições precárias. O motorista deve conhecer mais sobre o trecho por onde vai passar. Antecipar os locais de abastecimento, para não ficar sem combustível. Dormir bem. Descansar quando precisar nas paradas. São uma série de recomendações que ajudam a ter uma boa viagem”, indica.
Condição melhor rumo a Brasília
No sentido oposto à saída para o Rio de Janeiro, as condições da BR-040 em direção a Brasília são melhores, segundo os levantamentos da Confederação Nacional do Transporte. Nesse percurso, são 460 quilômetros em situação boa e 234 quilômetros em condição regular, de acordo com os mapas avaliados pela reportagem. O que não significa que não existam problemas estruturais, a exemplo da falta de duplicação das pistas a partir de Curvelo em direção à capital federal, trecho em que o tráfego pesado de caminhões de transporte de carvão também desafia motoristas de veículos menores.