“Eu não sou um ‘vivedor’ do passado. Quero que o passado me dê impulso para eu saltar no futuro e quanto mais passado tiver, mais força tenho para aguentar o tranco que vai vir”, afirma o arquiteto e urbanista Gustavo Penna, de 73 anos. Referência para diversos profissionais do ramo, o belo-horizontino comemorou, na última quarta-feira (6/12), 50 anos de carreira, acumulando prêmios nacionais e internacionais. Atualmente, Gustavo se mantém ativo e criando no escritório localizado em um casarão centenário no Bairro Lourdes, na Região Centro-Sul de BH. De lá, saíram importantes projetos para a capital mineira, como trabalhos para Expominas, Escola Guignard e Novo Mineirão.
A ideia de que a arquitetura é ferramenta para transformação de palavras em lugares foi construída muito cedo em Gustavo. Criado na capital mineira, o arquiteto explica que a primeira inspiração surgiu da casa onde cresceu e aprendeu a construir brinquedos e brincadeiras, percebendo que tinha uma vocação na habilidade manual. “Eu fazia de tudo lá, subia no telhado, tomava chuva de tempestade, fazia papagaio, manivela, carrinho de rolimã, bola. Acho que sempre tive essa vontade de mexer com a mão, é uma coisa natural”, afirma.
Além do lar de infância, ele conta que o pai, engenheiro civil e um dos pioneiros na construção de Brasília, também foi uma figura importante na hora da decisão de que profissão escolher. “Eu sempre ouvia falar da construção da nova capital, e o Brasil estava nesse momento épico de criação que me fazia olhar para essa coisa de construir, era algo muito especial”, relembra.
Mais tarde, visitando a casa que o avô possuía na Região da Pampulha em Belo Horizonte, Gustavo teve contato com a obra de Oscar Niemeyer, grande nome da arquitetura brasileira e que serviu de inspiração para a decisão de qual carreira seguir. “Passei no vestibular de arquitetura e engenharia, mas já sabia o que ia fazer. Meu padrinho chegou a me perguntar o porquê da escolha, e isso continua até hoje na minha vida, estou sempre indo atrás desse porquê”. Foi nessa época que o futuro arquiteto entrou na Universidade Federal de Minas Gerais, onde realizou os primeiros trabalhos até se formar em 1973.
Foi no mesmo ano de formatura que o escritório Gustavo Penna Arquiteto & Associados foi criado, em uma casa projetada pelo arquiteto carioca Edgar Nascentes Coelho e que se localiza no número 414, da Avenida Álvares Cabral. Quatro anos depois de formado, Gustavo retornou para a salas de aula da UFMG, onde deu aulas por 30 anos, entre 1977 e 2009. “Tive que sair porque não permitiam mais professores com escritório, mas é claro que sinto falta. A gente sente falta do contato com os alunos, eles me ajudaram, e sou fruto deles. Me instigaram, provocaram, perguntaram e fizeram com o que eu pesquisasse”, afirma.
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Desde então, o arquiteto afirma encontrar inspirações em todos os lugares para continuar projetando espaços. De acordo com ele, o processo de criação é fruto de uma repetição que acontece há muitos anos, mas que todo dia acontece algo novo: “A gente faz muitas vezes a mesma coisa, mas à medida que o tempo passa, vai-se agregando valor, experiência, outros ângulos. Minha inspiração vem de todas as formas de arte, pintura, teatro, música. As artes todas se amam, e é importante ter amigos de áreas diferentes, porque eles te sinalizam coisas”, conta.
Foram tantos projetos que o arquiteto belo-horizontino até perdeu a conta. Ele explica a razão por não manter registro: está mais preocupado com a qualidade do que a quantidade. “Todos me ensinaram muito, até os piores. As críticas me fazem ficar menino, ficar nos cascos, e é como um incentivo que você recebe, um contraponto. Os projetos que mais me instigaram foram os que mais tive dificuldade”, conta. Penna acredita que tem projetos que continuam dizendo algo, mesmo com a passagem do tempo, e faz algumas menções honrosas: a escola Guignard, o Memorial da Imigração Japonesa, o Parque Ecológico da Pampulha, a Academia Mineira de Letras e, mais recentemente, o Memorial das vítimas de Brumadinho, construído neste ano. Ele reflete: “Se a arquitetura é capaz de testemunhar um tempo, ela merece existir. Ela não pode ser uma mera quantidade de matéria, tem que ter alguma coisa que vá levar além, aí vira símbolo da cidade”.
A carreira atualmente
Apesar do meio século de profissão, Gustavo Penna afirma que ainda se sente o mesmo e que ainda está começando. “Ainda sou o mesmo menino. Acredito, inclusive, que o que me faz trabalhar até hoje é o fato de eu ter a mesma alegria de quem começou. Não acho que piorei nessa minha capacidade de sonhar, de simbolizar e de tridimensionalizar sentimentos”, conta.
Ao ser perguntado sobre como está comemorando os 50 anos de carreira, ele brinca e afirma que “finge que nada está acontecendo”. “É factual, não posso fugir disso, mas não quero ficar carregando esse fardo. Essa coisa dos 50 anos tem essa força paradoxal de empurrar para baixo, mas vou empurrar de volta para cima. Quero ser menino o resto da vida, ficar velho é muito chato”, ri.
Mesmo com os inúmeros projetos, reconhecidos no Brasil e no mundo, Penna considera que ainda não fez o suficiente e queria ter feito mais para a valorização da arquitetura e do urbanismo na construção das cidades. “Acho que não fui suficiente para evitar algumas coisas que acontecem na cidade. Como que posso dizer para um prefeito que a arquitetura é importante para a cidade? É o que acontece com toda arte: a exclusão de todos os processos decisórios”, conta. Ele pontua que a arquitetura é uma ferramenta poderosa na construção do caráter de uma população, da cidadania e da autoestima e completa: “Você ama sua cidade pelos edifícios dela. Então vamos fazer coisa boa, porque uma cidade que ninguém ama é destruída permanentemente”.
Para a construção das cidades do futuro, Penna pontua que é essencial a junção da inovação com a tradição. Ele acredita que os arquitetos não devem ser escravos da tecnologia, mas utilizá-la como ferramenta para alcançar objetivos. “Precisamos retomar ferramentas do passado, principalmente as que falam sobre humanismo, generosidade e elegância. Se pegar ferramentas do futuro sem essa sensibilidade, você vai fazer besteira. Mas se pegar esses sentimentos sem as inovações, também não tem conversa”, pontua.
Entre as ambições que o arquiteto possui, há uma que ele ainda deseja viver para ver: a retomada das ruas pelas crianças e pela população. “A gente precisa retomar os valores para ter menino brincando na rua. A gente precisa dessa inspiração nas ruas. O encontro é o maior valor que tem, então se eu faço uma ferramenta de encontro, como uma praça, é muito rico”, finaliza.
Inspiração para outros arquitetos
O arquiteto e urbanista Leon Cláudio Myssior, sócio da incorporadora Casamiracor, é colunista no Estado de Minas e publicou no dia 13 de novembro mais uma edição da “Geleia Urbana”, que abordava arquitetura com “A” maiúsculo. No texto, Leon pontua: "Nem todo desenho é arquitetura; nem toda planta é arquitetura; nem toda perspectiva artística está retratando arquitetura (na maioria das vezes, retrata apenas - mais - um prédio sem graça). Nem tudo o que é construído é arquitetura, nem toda reforma, retrofit ou adaptação é arquitetura. Para falar a verdade, muito poucos prédios e muito poucas casas merecem ser chamadas de arquitetura. Para ser arquitetura precisa ter propósito, intenção, volumetria, harmonia; precisa ser desafiador, propositivo e memorável. Se é arquitetura, é invenção virando emoção, engenharia se tornando um objeto do desejo, uma referência, um marco na cidade; do contrário, é só projeto, é papel virando tijolo, tijolo virando um produto qualquer, parecido com qualquer outro produto.”
Para ele, que afirma não ter percebido que os 50 anos de carreira de Penna se aproximavam, o trabalho do arquiteto é definido como Arquitetura com “A” maiúsculo. “E esse acervo está aí, pelas Minas Gerais, para quem quiser entender que, na Arquitetura, é muito fácil ser exagerado, gritar e fazer barulho. Difícil mesmo é fazer uma Arquitetura de poucos traços, singela mas poderosa, que murmura mas conta histórias, que emociona sem fazer alarde”, afirma.
Já para a urbanista, consultora em Inovação Urbana e ex-secretária municipal de Regulação Urbana Branca Macahubas, Gustavo Penna moldou, ao longo de cinco décadas, espaços com projetos plurais, que vão desde aos residenciais aos urbanísticos e culturais. “Pelos seus mais de 500 projetos, ele traz a marca duradoura na paisagem valorizando as raízes mineiras sob um olhar moderno e contemporâneo. Como urbanista, compartilho das suas ideias sobre o papel das cidades, que devem ser projetadas para as pessoas e ter eixos de convivência”, conta.
De acordo com Branca, Penna possui uma abordagem inovadora, criatividade sem limites e compromisso com a excelência, com o estabelecimento de padrões elevados que inspiram gerações de profissionais, alunos e colegas. “Cada edifício, cada espaço, contém uma história distinta que ilustra a habilidade de Gustavo Penna em harmonizar forma e função, fonte constante de inspiração pela sua dedicação à arquitetura e urbanismo”, finaliza.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata