Belo Horizonte está em plena semana de comemoração dos 126 anos de sua inauguração, ocorrida em 12 de dezembro de 1897, e história é que não falta à capital dos mineiros – a começar pelo nome. O primeiro foi Capital de Minas, mas antes dele tem outros “batismos”.

É preciso, então, voltar no tempo para entender melhor as denominações. Em 1714, o antigo Arraial de Curral-del Rei se transforma em Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del-Rei. Ficou assim até 1890, um ano após a Proclamação da República, quando, no governo de João Pinheiro (1860-1906), então presidente de Minas (na época, não se falava governador), a localidade passa a se chamar Arraial de Bello Horisonte (na grafia antiga, antes com s e depois com z).

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Há 130 anos, começa uma nova etapa nessa história, com a definição do arraial para construção da nova capital, conforme a Lei nº 3, adicional à Constituição de 7 de setembro de 1893. No ano seguinte, é criada a Comissão Construtora da Nova Capital, cuja chefia é confiada ao engenheiro Aarão Reis (1853-1936). Começam as obras, a primeira planta da Cidade de Minas é aprovada (1895) e BH, inaugurada com o nome de Cidade de Minas. Somente em 1901, pela Lei nº 302, o nome Belo Horizonte é sacramentado.

Em 1901, pela Lei nº 302, o nome Belo Horizonte é sacramentado

Arquivo Público de BH/Acervo

Na intimidade belo-horizontina, a cidade ganhou apelidos ao longo do tempo. Atualmente é BH, que muitos escrevem Beagá, e já foi, em décadas passadas, Belô. No interior de Minas, há quem ainda chame a capital pelo prenome Belo, mas isso é outra história.

“Já ouvi gente dizendo que vai à Cidade (ao Centro) e outros, fora de Minas, no Rio de Janeiro, por exemplo, costumam falar ‘Belzonte”. Mas isso nenhum mineiro fala”, conta o historiador Yuri Mello Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Quem puder rever alguma entrevista da atriz e modelo Elke Maravilha (1945-2016), nascida na Alemanha e residente em Minas nas décadas de 1950 e 1960, vai vê-la falando “Belzonte”.

Rodinhas de conversas nas esquinas da capital

Em Belo Horizonte, que chegou ontem aos 126 anos, nada honra tanto seu nome como manter as tradições. Algumas, pelo visto, parecem eternas. Tomar um cafezinho num estabelecimento da Praça Sete, conforme fazem diariamente, antes do batente, os amigos Fernando Fernandes, empresário, e Romário Santos, contabilista. Ou participar de uma “rodinha” de conversa no Centro da cidade.

Na Praça Sete e nas esquinas no Centro de BH, é comum ver amigos, colegas de trabalho, estudantes, enfim, grupos com algum interesse comum batendo um papo e formando uma rodinha. São pontos de convivência na “informalidade”. Foi assim, que a equipe do EM flagrou na movimentada esquina da Avenida Afonso Pena com Rua da Bahia, uma turma conversando “nesse formato”.

Os repórteres pediram licença para interromper a conversa e a receptividade foi a melhor possível da parte de Anderson Vecchi, investidor, Fabrício Santiago Pereira, empresário, Anderson Tomaz, promotor de vendas, Adriane Estanislau, atendente de serviço, e Jeremilson Lopes, vigilante. “Estamos conversando aqui, mas, infelizmente, ainda existe uma sensação de insegurança na cidade. Precisamos de mais vigilância”, disse Anderson Tomaz.

Os colegas concordam, certos de que muitos espaços públicos carecem de cuidados permanentes para garantir conforto e segurança à população. No finalzinho do papo, Anderson Vecchi lembra que diversão é que não falta na cidade, ainda mais que BH é considerada capital nacional dos botecos.

E esse título, certamente, não é de hoje. A esquina de Afonso Pena com as ruas da Bahia e Tupis, tem muitas histórias, e ali, onde está o Hotel Othon Palace, fechado, houve um grande local de encontro de escritores, entre eles Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Pedro Nava (1903-1984), artistas e boêmios, na primeira metade do século passado: o Bar do Ponto.

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Conforme registrou o jornalista e escritor José Bento Teixeira de Salles (1922-2013) no livro “Rua da Bahia”, da coleção “BH. A cidade de cada uma” (2005), o nome do estabelecimento tem origem no abrigo de bondes localizado bem na frente.

Escreveu José Bento: “A partir do Bar do Ponto até a Avenida Álvares Cabral, a Rua da Bahia representou, até recentemente, o coração e o espírito da cidade nova, traçada pela mão do homem para marcar o destino de nós outros, que nela vivemos e convivemos. Tudo se fazia e acontecia em torno da Rua da Bahia. Na primeira metade do século passado, situaram-se ali alguns bares que entraram para a história da vida boêmia, social e etílica da cidade: Bar do Ponto, Trianon, Elite, Café Estrela, Leiteria Celeste, Colosso, Caçula, Gruta Metrópole, Zé Alvim e Bar do Grande Hotel.”

O médico e escritor mineiro Pedro Nava (1903-1984) também fez referência ao bar, relatando experiências na década de 1920. “Escrevi a tia Alice carta que releio comovido, para avivar minhas lembranças dessa fase. Nela dizia: ‘...agora, estamos a três quarteirões do Bar do Ponto, que é o centro’. Eu me referia do centro da cidade, mas logo veria que aquilo era o centro de Minas, do Brasil, do Mundo Mundo vasto Mundo...”

Uma história contada de fora para dentro

E é neste “vasto mundo”, dentro dos limites da Avenida do Contorno ou fora dela, que BH se ergueu. “Nos primeiros anos, a cidade cresceu de dentro para fora, pois a população dos bairros periféricos e das colônias agrícolas, na região suburbana, aumentou muito mais do que na área central”, diz o historiador Yuri Mello Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Ele explica que, nos primórdios, a cidade carecia de infraestrutura básica, não havia saneamento, pavimentação e outros serviços fundamentais à vida urbana.



Com o passar do tempo, o comércio foi estreitando as relações sociais, e merece destaque o Mercado Central, criado em 1929, que, antes de se solidificar no Bairro Barro Preto, funcionava, com o nome de Mercado Municipal, em campo aberto, no Centro de BH. “Podemos traçar uma linha do tempo sobre os locais de encontro em BH, e, certamente, ela terá um ‘antes e depois” da chegada dos automóveis e do asfaltamento das vias públicas, que eram muito empoeiradas”, afirma Yuri.

Na década de 1920 até a década de 1940, era comum o “footing” – o caminhar, sem pressa, das pessoas pelas ruas, depois das missas ou algum evento social. E as conversas nas esquinas, como é comum no cotidiano do belo-horizontino, já fazia parte do cenário, tanto na Afonso Pena como na Rua dos Caetés ou perto da Feira de Amostras, demolida, que ficava perto da rodoviária e em outros pontos de comércio e venda de alimentos. Nessa época, já tinha vida própria o Bairro Lagoinha, reduto de imigrantes, ex-escravizados e gente vinda do interior do estado, em busca de trabalho. Berço do samba na cidade, criava fama na boemia.

A velocidade trazida pelos automóveis foi mudando o eixo “do convívio” em BH, que, antes da chegada do primeiro grande centro de compras, o BH Shopping (1980), construído em local então totalmente ermo, assistiu ao florescimento comercial da região da Savassi, com lojas, restaurantes, o cine Pathé (inaugurado em 1948 e fechado há 23 anos), botecos e badalação. “A Região Central de BH teve altos e baixos, recebeu, ao longo de décadas, muitos programas para revitalização. Felizmente, ao contrário de outras capitais como o Rio de Janeiro (RJ), onde o Centro é pouco residencial, BH tem muitas moradias habitadas”, diz Yuri, satisfeito pela apropriação, na atualidade, que coletivos de arte urbana fazem, de forma espontânea, de espaços da cidade.

Linha do tempo

1714 – O Arraial do Curral del-Rei se transforma em Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del-Rei.

1890 – No governo de João Pinheiro (1860-1906), então presidente de Minas (na época, não se falava governador), a localidade passa a se chamar Arraial de Bello Horisonte (na grafia antiga, antes com s e depois com z).

1894 – Criada a Comissão Construtora da Nova Capital, cuja chefia é confiada ao engenheiro Aarão Reis (1853-1936). Começam as obras.

1895 – a primeira planta da Cidade de Minas é aprovada, pelo Decreto nº 817.

1897 – Em 12 de dezembro, a capital é inaugurada com o nome de Cidade de Minas.

1901 – Pela Lei nº 302, de 1º de julho, a cidade se torna definitivamente Belo Horizonte.

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