A agricultura é ao mesmo tempo a atividade mais impactada pelas mudanças climáticas e a que mais consome os recursos hídricos, podendo ser duplamente impactada em momentos de restrição de captação, quando o abastecimento humano se torna prioritário. “Só na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco o consumo relativo à agricultura engloba 70% dos usos. Há áreas de pivôs centrais para irrigação que usam volumes brutais de água e que só aumentam com a seca e as altas de temperatura em razão das mudanças climáticas”, afirma o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBH São Francisco) Marcus Vinícius Polignano.




De acordo com ele, cessar o desmatamento, queimadas e as atividades poluidoras, como lançamentos de gases de efeitos estufa por veículos e a indústria precisa caminhar lado a lado com um uso consciente dos recursos que combatem os efeitos do aquecimento, como o uso da água. “Já se desenvolveram tecnologias que permitem um uso mais racional e sem desperdícios da água para a agricultura, agora precisamos dar esse passo. Tudo está interligado, não dá mais para ignorar”, afirma.


Um relatório feito pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para identificar os impactos futuros do aquecimento global e das mudanças climáticas também mostram que o setor agrícola será inicialmente o mais impactado. Citando como fontes o IPCC e a Organização para Alimentos e Agricultura (FAO) das Nações Unidas (ONU) e outros especialistas brasileiros, a ANA identifica “a agricultura como um dos setores da sociedade mais vulneráveis às mudanças climáticas, principalmente nos países em desenvolvimento". A agricultura é uma atividade altamente dependente de fatores climáticos, e quando esses passam por um processo de mudança, o impacto na produção agrícola pode se dar de diferentes formas como: mudança na severidade de eventos extremos, no número de graus-dia de crescimento devido às alterações na temperatura do ar, modificação na ocorrência e na severidade de pragas e doenças, mudanças no calendário de colheita/plantio, dentre outros”.


O aquecimento global afeta as demandas de irrigação de várias formas, segundo o levantamento da agência. Incluindo os aumentos nas necessidades de evapotranspiração, mudanças nos padrões pluviométricos, problemas fitossanitários (pragas, doenças e condições que afetam a saúde das plantas) e na alteração do calendário agrícola a partir da antecipação ou atraso do plantio e da colheita. “Essas mudanças no calendário se devem principalmente a eventuais alterações na sazonalidade tanto da evapotranspiração quanto da precipitação. Todas essas mudanças implicam em impactos no zoneamento agrícola hoje conhecido no Brasil, que potencialmente modificam os riscos climáticos envolvidos na condução das lavouras, que podem ocasionar perdas na produção agrícola”.

NOVOS MODELOS

O estudo aponta ainda que como a agricultura irrigada influencia diretamente na disponibilidade hídrica de uma bacia hidrográfica, especialmente onde essa atividade é intensiva, um eventual aumento na demanda hídrica da irrigação pode criar ou aumentar os conflitos com outros usuários dos recursos hídricos nessa bacia. “Temos de pensar em modelos daqui para frente. A nossa agricultura tem modelos muito arcaicos. E é importante também ter estruturas de reservas florestais, preservação dos biomas, das áreas de recargas dos rios, nascentes e matas ciliares, para que tenhamos uma oferta e qualidade hídricas que não sejam imediatamente impactadas quando o aquecimento pressionar os recursos hídricos”, disse Polignano.


A ANA destaca também a possibilidade de diversos movimentos com as mudanças climáticas, inviabilizando certas áreas brasileiras e pressionando outras. “(Em um dos estudos), os autores encontraram uma redução na produção de soja, milho e arroz, além de uma redução de 10% na produtividade das pastagens na região amazônica até 2050. A produtividade reduzida poderia potencialmente diminuir a lucratividade do agricultor, deslocando as safras em direção ao bioma Cerrado”. O mesmo levantamento alerta que o cultivo da soja pode se tornar cada vez mais difícil na região Sul e alguns estados do Nordeste podem perder significativamente sua área agricultável.


EFEITO ESTUFA

Para evitar situações de potencial catastrófico para a humanidade e o Brasil, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU faz algumas recomendações. “Para limitar o aumento das temperaturas a 1,5ºC até o final deste século, devemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 45% até 2030 em relação a 2010. Além disso, é preciso que as emissões líquidas sejam nulas para conter o aumento da temperatura”.


O efeito estufa ocorre quando gases na atmosfera, como o dióxido de carbono, o metano e o vapor de água, capturam parte do calor do sol que seria refletido de volta ao espaço. As atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, estão aumentando as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso está causando um aumento na temperatura média da Terra, conhecido como aquecimento global.


A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) de Minas Gerais afirma que medidas de mitigação desses efeitos nocivos estão no Plano Estadual de Ação Climática, lançado em dezembro de 2022. “Este plano estabelece medidas e mecanismos para neutralizar as emissões regionais de carbono até 2050. Além disso, a Seapa faz parte do Comitê Gestor do Plano ABC+, que busca promover e apoiar práticas sustentáveis na produção agropecuária em Minas Gerais, como a agricultura de baixo carbono.


Outra medida é o Programa Garantia Safra, especialmente implementado nas regiões Norte e Nordeste, que representa uma estratégia de compensação para os produtores em caso de perda de produção. Além disso, a Secretaria está em processo de reestruturação de ações governamentais com o objetivo de mitigar as perdas enfrentadas pelos produtores rurais devido às adversidades climáticas, que estão se tornando mais frequentes e intensas a cada dia. Exemplos dessas ações incluem o Fundo Estadual de Desenvolvimento Rural e o Programa Minas+Seguro”.

“Já se desenvolveram tecnologias que permitem um uso mais racional e sem desperdícios da água para a agricultura, agora precisamos dar esse passo. Tudo está interligado, não dá mais para ignorar”


Marcus Vinícius Polignano
Vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

70% DO CONSUMO HÍDRICO DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO É PELA AGRICULTURA

compartilhe