Quando o ano está chegando ao fim, junto do começo do intenso calor, a barba e o cabelo de Maurício Malagori Leão, de 62 anos, dono de uma loja de parafusos e ferramentas, começam a aparecer ainda mais compridos. Alguns clientes estranham. Outros até brincam: "Você está pensando em ganhar um bico no final do ano?". Mal sabem eles que é verdade. Em dezembro, Maurício passa a ser Papai Noel. “Começou como uma brincadeira de família, nos meus 20 e poucos anos. Eu era magrinho, amarrava um travesseiro na barriga. Fui criando gosto, e há dez anos comecei a trabalhar como Papai Noel profissionalmente”, contou.



A barba e a cabeleira não duram muito. Em janeiro, logo após a data natalina, Maurício raspa tudo, para dar aquela aliviada no calor, e – claro – agradar a esposa, que não gosta dos pelos compridos."Minha mulher briga comigo, vou lá e corto”, diverte-se. Assim como o lojista, dezenas de outros idosos em Belo Horizonte se preparam nesta época para interpretar o bom velhinho. Alguns são aposentados e buscam receber um extra no fim de ano. Outros deixam os postos oficiais deles para trabalharem nos mais diversos eventos de novembro e dezembro. Com os cachês recebidos, há quem faça um bom pé-de-meia e até trocam de carro. Mas longe do frio do Polo Norte, pesa contra a vida de Papai Noel o uso de roupas quentes, em altas temperaturas, muitas vezes por longas jornadas.

O dia mais concorrido é justamente na véspera de Natal. Muitas famílias procuram os intérpretes para visitas nas casas delas para surpreender as crianças. Alguns idosos realizam até 15 eventos no dia, trabalhando das 8h do dia 24 até as 3h de 25 de dezembro.

Cuidados com a saúde

Uma grande preocupação da empresária Talita Vaz, responsável por agenciar vários papais noéis, é justamente em relação aos cuidados com os intérpretes, já que eles costumam ter a idade avançada. Muitos estabelecimentos ou eventos que contratam o personagem cobram longas jornadas de trabalho, sem pausas. Alguns trabalhadores ficam expostos ao sol e sem a devida hidratação. “Para os papais noéis, essa maratona do fim de ano é ainda mais cansativa, já que eles são idosos. Muitos não sabem mexer no celular, é mais difícil a locomoção", explica. Ela frisa que essas situações refletem no cachê pago a eles. "Existe uma desvalorização do serviço. Eu passo o valor para os contratantes e eles querem pagar menos da metade”, detalha.

Talita passou a agenciar intérpretes justamente vendo o pai, Carlos Vaz, sendo mal remunerado. Conhecido como Mágico Xuxa, ele trabalha fazendo truques de ilusionismo há cinco décadas. Todo ano, ele dá uma pausa nas mágicas e assume o espírito natalino. Em 2014, o homem passou a ser ajudado pela empresária.

O primeiro trabalho realizado em parceria entre pai e filha foi anunciado no site OLX, ainda por um valor baixo. Conforme os eventos eram divulgados boca a boca, o reconhecimento e o valor pelo serviço aumentavam. Hoje, os próprios contratantes procuram Talita, que é quem faz as roupas e acessórios para Carlos. Com um tecido que imita o novelo mas não esquenta tanto, ela customiza casacos, calças e vestidos, tudo da melhor forma para aguentar as altas temperaturas.

Apesar das roupas leves, Carlos conta que umas das partes mais difíceis que enfrenta no trabalho é o calor intenso que chega ao Brasil justamente nos últimos dois meses do ano, e, muitas vezes, os eventos são expostos ao sol ou em lugares abafados. “Não existe muita dificuldade ao desenvolver o trabalho. Existe o calor que prejudica muito a gente, a roupa é quente e temos que chegar limpinho na casa do cliente, no shopping, na empresa. Dentro da roupa, a temperatura passa de 55ºC”, diz o Papai Noel.

Para garantir a hidratação dos intérpretes, eles contam com a ajuda das noeletes, as assistentes que auxiliam o bom velhinho e controlam a chegada das crianças.

Apesar de tanta necessidade de estrutura e preparação, observa Talita, ainda existe uma dificuldade com o cachê, já que shoppings, lojas e clubes oferecem valores desproporcionais para longas jornadas de trabalho. Mesmo assim, o trabalho vale a pena. “As crianças, onde eu chego, é uma loucura. É Deus no céu e eu aqui na terra para eles", conta Carlos Vaz.


BUSCA POR DIREITOS

Apesar de também se emocionar com os pequenos, o intérprete Marcos Henrique Gomes, de 77 anos, se incomodava com as condições de trabalho dos papais noéis. “Eu trabalhava em um shopping e não tinha licença para ir ao banheiro no meio dos atendimentos às crianças. Para alertar a coordenadora de Marketing, passei a levar uma garrafa pet e disse que, se fosse necessário, faria as minhas necessidades ali”, revela.

O “susto” deu certo e ele foi autorizado a usar as instalações do centro de compras. Foi a partir de experiências como essas que Marcos Henrique se juntou a outros 13 colegas e criou a Associação dos Papais Noéis (Aspanoeis), entidade da qual é presidente, com o objetivo de defender os direitos dos intérpretes. "Oferecemos um treinamento, como tratar as crianças e as diferenças delas, por exemplo, como lidar com uma criança autista, como se dirigir ao público, como se vestir e como cuidar do cabelo da barba”, explicou.

Segundo ele, os shoppings, apesar de tradicionalmente receberem os bons velhinhos, não são mais vistos como um objetivo por eles, justamente pela baixa remuneração e pelas dificuldades. “Muitos não querem trabalhar nesses lugares. Eu sou um deles, já não trabalho em shopping há muitos anos”, contou.

Marcos Henrique Gomes não tem problema em revelar o cachê que recebeu por 42 dias seguidos em um shopping da capital mineira. O trabalho foi das 10h às 22h. "R$ 13 mil. Nesta temporada foram tiradas 8.081 fotos, vendidas a R$ 35 cada uma. Ou seja, o valor do meu cachê era desproporcional", avalia.

“O pessoal acha que Papai Noel ganha bem. Isso é mentira. Quem ganha bem são as empresas que contratam o Papai Noel, a gente não ganha nem um décimo do que a empresa ganha", completa Maurício Malagori Leão.

Além de buscarem contratos mais justos financeiramente e direitos como pausas durante os longos turnos expostos ao sol, os integrantes da Aspanoeis também se unem para se indicarem em eventos e trocarem experiências. “Se eu sou procurado para um evento e minha agenda não está disponível no horário pedido, indico outro da associação, e ainda negocio o preço justo com o cliente”, conta o presidente da entidade.


MOMENTOS DE EMOÇÃO

Os desafios são inúmeros, mas para se dar bem na carreira, esses idosos têm que ter uma vocação. Apesar da desvalorização profissional, os papais noéis ouvem histórias e arrancam sorrisos que jamais esquecerão.

Além das crianças, adultos se emocionam ao ver o bom velhinho. Maurício Malagori Leão se recorda de uma vez em que estava em um caminhão de Natal em um cidade humilde. Uma senhora se aproximou e quis tirar uma foto. “Ela me pediu emocionada, disse que o sonho dela era me ver, porque as poucas vezes que viu o Papai Noel era por meio da televisão de um vizinho, que fechava as janelas quando a via observando a TV dele. Eu fiquei triste por ela, mas feliz de estar realizando aquele desejo”.

Já Carlos Vaz relembra do dia em que recebeu uma solicitação inusitada de presente. Trabalhando em um evento social, após ouvir diversos pedidos humildes de brinquedos, como bonecas, carrinhos e pipas, uma criança nos olhos deles e disse que queria ganhar uma cesta básica. O pai dela estava desempregado e a família precisava comer. "Ele disse: 'Eu não quero nada, Papai Noel, mas se você puder me dar uma cesta básica, eu vou ficar muito feliz de matar a fome da minha família’. É muito triste ver uma criança chorar por fome”, disse, emocionado, o Papai Noel.

Por sua vez, Marcos Henrique Gomes conta que uma vez atendeu um menino cego que pediu a visão de volta. “Estava fazendo o caminhão da Coca-Cola na Praça do Papa e um menino se aproximou de mim e disse: 'Meu pai pode me dar tudo, mas o único presente que eu queria era poder ter olhinhos e te ver agora'. Eu não tinha reparado que ele era cego. Nessas horas, um adulto não sabe o que responder”, avalia.

Todos garantem que é por momentos como esses que eles seguem vestindo roupas desconfortáveis no calor, encarando jornadas longas e deixando a barba e o cabelo crescerem. Emocionado, Carlos Vaz revela qual é o verdadeiro pagamento que os papais noéis recebem. "Os 45 dias antes do Natal, em que eu fico por conta dessa profissão, faço com orgulho, é muito gratificante. Nada nesse mundo paga um sorriso, principalmente o de uma criança”, afirma.

compartilhe