Foi com o par de chuteiras que ganhou do avô, quando tinha apenas 2 anos de idade, que Claudinho deu os primeiros passos – e alguns chutes – em direção ao seu sonho. Também na infância, ao abrir a caixa embrulhada em papel brilhante e encontrar o brinquedo, “uma carretinha”, Jardel logo entendeu o sentido, e encontrou seu rumo na estrada da vida. Presentes como os que hoje chegam às mãos de milhões de pequenos sonhadores fazem a alegria de quem recebe, mas também podem apontar caminhos, despertar para o conhecimento, dar mais asas à imaginação. Iluminar ideias diante de um novo mundo.

Foram essas portas que se abriram, sob a forma de páginas, à frente da hoje professora de história Haidê Mendes de Assis. “Nunca me esqueço da coleção de livros que ganhei do meu irmão. Fico emocionada só de pensar. Daí nasceu minha paixão pela leitura”, conta ela, para quem o mês de dezembro é feito de festas, emoção e também de memórias.

Nessa história, a arte é fundamental, e o inesperado compõe o cenário. Bacharel em canto, regente titular do Madrigal Scala e diretor musical da Orquestra Mineira de Câmara, Breno Rodrigo Bartolomeu da Silva, de 19 anos, ganhou um teclado, no início da adolescência, presenteado pela mãe, fortalecendo o amor pela música. Mas a maior surpresa estava por vir. Há quatro anos, o coração bateu forte ao ver chegar, em casa, o piano de cauda comprado pela família. “Eles se cotizaram e me deram o instrumento”, revela, emocionado.

IDAS E VINDAS NA ESTRADA DA VIDA

Na sala da casa, no Bairro Jaqueline, na Região Norte de Belo Horizonte, o taxista Jardel Gomes Aquino, de 25 anos, celebra o Natal ao lado do filho Rafael, de 5 meses, e da mulher, Aparecida Lelis, biomédica esteta. A felicidade do casal se completa quando o menino rasga o papel colorido e encontra um caminhão trazido pelo Papai Noel. A cena remete Jardel, imediatamente, à infância, quando ganhou de seu tio Antônio, a quem chama carinhosamente de tio Toninho, uma carretinha. “Na hora, fiquei muito empolgado com o brinquedo. Ela me acompanhou durante muitos anos, pena que não tenho mais.”

'Só de olhar para este piano, fico orgulhoso. O teclado colocou meu pé na estrada. E o piano consolidou a caminhada.' Breno Rodrigo Bartolomeu da Silva, de 19 anos, regente do Madrigal Scala e diretor musical da Orquestra Mineira de Câmara, com o piano que ganhou da família

Leandro Couri/EM/D.A Press

Jardel acredita que o presente o influenciou nas escolhas profissionais. Ao fazer 18 anos, tratou logo de tirar carteira de habilitação. “Amo dirigir”, diz o jovem, que desempenhou várias funções antes de ser taxista. Trabalhou em oficina de lanternagem, foi auxiliar de produção e servente de pedreiro. Depois, numa empresa grande, desempenhou o cargo de operador de betoneira, com a chance de dirigir caminhão. Na sequência, se tornou motorista de aplicativo.

Se volante é paixão, família é palavra sagrada para Jardel, nascido em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Posso dizer que estar com os meus é o maior presente do mundo, ainda mais em data tão especial como o 25 de dezembro. Este será o primeiro Natal do meu filho, então, a celebração se torna mais especial”, afirma o rapaz, com o semblante de quem busca a direção certa. “Desejo tudo de bom para o Rafael, pois minha vida é realmente a família.”

CHUTE CERTEIRO RUMO AO FUTURO

Em outro canto de BH, o Papai Noel, na verdade o Vovô Noel, fez uma bela surpresa a Cláudio Dias de Brito Júnior, de 12, morador do Bairro Califórnia, na Região Noroeste. Há dez natais, em 2013, o aposentado Orlando Cruz, de 80, presenteou o neto com o par de chuteiras que o menino guarda até hoje, com o maior carinho, no armário do quarto. “Desde bem pequeno, meu filho gostava de jogar bola, e muita gente enxergava nele um futuro craque”, conta, toda orgulhosa, a mamãe-coruja Mônica Cruz, teledigifonista (atendente de ocorrências) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), na capital.

Atleta do time de base do América, Claudinho Júnior, como gosta de ser chamado, tem grandes planos para a carreira, sem abandonar os estudos. “Quero chegar à Seleção Brasileira. Para isso, preciso de foco, determinação, coragem e de não desistir nunca”, avisa o garoto que, desde jovem, pensa grande e tem como ídolo o português Cristiano Ronaldo.

"Na hora, fiquei muito empolgado com a carretinha de brinquedo. Hoje, amo dirigir" , Jardel Gomes Aquino, com a mulher, Aparecida Lelis e o filho Rafael, de 5 meses, presenteado com caminhãozinho que desperta lembranças

Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Divorciada e mãe também de Laura, de 9, Mônica sempre contou com a ajuda do pai, Orlando, principal referência masculina de Claudinho. “Quando me separei, grávida de dois meses da Laura, meu pai foi fundamental nas nossas vidas, não só nos apoiando como dando todo tipo de suporte. Para o Claudinho, então, foi essencial, pois o levava ao treino, aos jogos, à escola. Sou muito grata a ele e à minha mãe, Vera Lúcia”, diz Mônica, que trabalha da meia-noite às 6h.

Já tendo passado pelas categorias Sub-11, Sub-12, e a partir de 2024 na Sub-13, Claudinho espera que o Natal seja realmente um tempo de felicidade para todos. E quer continuar recebendo o apoio incondicional da família, pois, conforme diz a mãe, “aqui em casa somos todos Claudinho Júnior Futebol Clube”.


PÁGINAS ESCRITAS COM AS BOAS LEMBRANÇAS

Em Santa Luzia, na Grande BH, o convite para participar desta reportagem deixou a professora de história Haidê Mendes de Assis comovida, perto de chegar às lágrimas. Foi como se o tema puxasse um fio do novelo da memória e a conduzisse à mais tenra idade, exatamente ao jardim de infância, quando ganhou do irmão, Lucas Mendes, a coleção de história “O peixinho dourado”.

Falecido há dois anos, Lucas, que era fotógrafo, fazia então o curso de técnico agrícola em Viçosa, na Zona da Mata mineira, e sempre levava um presente para a irmã, em dezembro, quando voltava à casa para as férias. “Ele me ensinava a pronunciar corretamente as palavras. Recordo que não conseguia falar época, só falava ‘epóca’... Até isso aprendi com meu querido irmão”, emociona-se Haidê.



Na década de 1960, a família morava em Prudente de Morais, na Região Central de Minas, e tudo era muito difícil, lembra Haidê. “Eu procurava ler muito, até jornal que embrulhava ovos, verduras e outros produtos. Sabendo das carências culturais, Lucas trazia livros, e foi aí que aprendi a gostar de literatura. E mudou minha vida. A edição de ‘O peixinho dourado’ era bem bonita, com encadernação elegante. No entanto, na mudança para Santa Luzia, acabei perdendo os livros”, lamenta a professora.

Mas não perdeu o gosto. Leitora voraz, Haidê ganhou um presente de Natal antecipado. “Meu sobrinho, Denilson, me deu um Kindle (equipamento para leitura de livros digitais, os e-books), porque também lê demais e confessou se inspirar em mim. Olha as voltas do tempo repetindo a história!”, reflete. No momento, ela equilibra a leitura da dissertação de mestrado de uma amiga com “Terra sonâmbula”, de Mia Couto. Para 2024, pretende terminar a biografia de Winston Churchill (1874-1965). “Li o primeiro volume, falta o segundo.”

TRILHA SONORA PARA O CORPO E A ALMA

De Contagem, ainda na Região Metropolitana de BH, vem uma história para este Natal recheada de arte, beleza e surpresa – tudo com os tons fortes da emoção. Quem a conta é o bacharel em canto pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Breno Rodrigo Bartolomeu da Silva, de 19, regente titular do Madrigal Scala e diretor musical da Orquestra Mineira de Câmara.

'Nunca me esqueço da coleção de livros que ganhei do meu irmão. Fico emocionada só de pensar. Daí nasceu minha paixão pela leitura.' Haidê Mendes de Assis, professora de história, que não se esquece da coleção 'O peixinho dourado'

Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Filho adotivo do casal Pedro Gomes e Noêmia da Luz Silva, ambos professores e sempre direcionados para a cultura, Breno, que morou cinco anos em abrigo, despertou para a música bem cedo. Lembra-se de ouvir em casa, aos 7 anos, “Águas de março”, de Tom Jobim, e ficar completamente extasiado. Atentos ao talento do garoto, os pais o matricularam no Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart) da Fundação Clóvis Salgado. Dois anos depois, ele integrava o coral infanto-juvenil do Palácio das Artes.

Estimulado pelos pais e professores e aproveitando oportunidades, o menino seguiu a trilha sonora do corpo e da alma, mergulhado em arte no vaivém diário entre BH e Contagem. Nessa sinfonia, tudo era novo e valia a pena. Na adolescência, ganhou de Noêmia, no Natal, um teclado, que já não está mais em suas mãos.

Mas o destino ainda iria lhe sorrir de forma inesquecível. Durante a pandemia, a família se cotizou e comprou um piano de cauda para o jovem. Cada um fez sua parte. O tio Sebastião, por exemplo, buscou o instrumento no caminhão de carregar cana-de-açúcar do tio João. “Só de olhar para este piano, fico orgulhoso. O teclado colocou meu pé na estrada. E o piano consolidou a caminhada”, diz o regente Breno, com a satisfação de quem deseja retribuir dando de presente, de coração, um “Feliz Natal” ao mundo inteiro!

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