Minas Gerais vive extremos climáticos em suas diferentes regiões. Enquanto algumas cidades sofrem com seca intensa, outras sofrem com excesso de chuvas. Na última semana do ano, o saldo é de 21 cidades em situação de emergência por causa de desastres relacionados às chuvas. Já a estiagem, considerada a mais grave nos últimos 30 anos, cresceu mais de 38% em 10 dias, passando de 128 municípios em situação de anormalidade em 18 de dezembro para 170 apontados ontem pela Defesa Civil estadual. Segundo o órgão, a situação de emergência vale por 180 dias e é imposta em casos de situação anormal e grave, quando há iminência de danos à saúde e aos serviços públicos.

Durante a situação de emergência, a legislação permite ações mais céleres por parte do poder público, para que o socorro e a assistência sejam garantidos à população atingida. Em algumas situações, os municípios podem fazer contrações sem necessidade de licitação. Apesar da disparidade, o professor e pesquisador de Climatologia e Geografia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Fulvio Cupolillo, afirma que o cenário já era esperado para o estado, que é considerado uma área de transição climática. “No sul, nós temos um clima tropical de altitude, no Triângulo Mineiro é um outro tipo de clima tropical, então são os locais em que mais chove no estado. Quando você chega no Norte de Minas e Vale Jequitinhonha, você tem um clima semiárido, então é onde você vai ter esse excesso de seca, é normal para os municípios mineiros essa disparidade”, explica.

No entanto, mesmo dentro do esperado, é possível ver uma disparidade no cenário deste ano com o do ano passado. Enquanto em 2022 eram somados 81 municípios em situação de emergência pela seca, 2023 está sendo finalizado com 170, mais que o dobro de cidades. O tenente Douglas Constantino Fernandes, diretor de resposta ao desastre da Defesa Civil estadual, afirma que neste ano houve um aumento considerável no cenário da seca no território mineiro, principalmente em regiões como Norte de Minas e Vales do Jequitinhonha.

Já no caso das precipitações, o caminho foi contrário: houve uma diminuição do número de municípios em situação de emergência por desastres relacionados à chuva na comparação entre 2022 e este ano. Enquanto os boletins da Defesa Civil apontam 21 municípios em situação de anormalidade, com cinco óbitos, 65 desabrigados e 663 desalojados entre 27 de setembro e 29 de dezembro de 2023, no mesmo período de 2022 eram apontadas 110 cidades, com 13 óbitos, 1.508 desabrigados e 7.412 desalojados. “Em uma análise fria, percebemos que os números deste atual período chuvoso estão bem modestos e podem revelar uma continuidade na diminuição do número de pessoas afetadas e de decretações municipais de situação de emergência ou estado de calamidade pública.”, afirma o tenente.

A CAUSA



Cupolillo explica que os extremos estão sendo intensificados pelo El Ninõ, fenômeno de aquecimento das águas do pacífico, que ocasionou o aumento das temperaturas para três graus acima da média. “Nos meses de setembro, outubro e novembro a intensidade do El Niño foi muito forte, ocasionando um aumento nos dias consecutivos de onda de calor e baixa umidade. O mês de dezembro tem sido mais chuvoso que os anteriores, apesar da temperatura alta, e aí começam a ter os problemas com chuva também”.

De acordo com o professor, a expectativa é de que o mês de janeiro seja ainda mais chuvoso, com parte do estado apresentando precipitação acima da média. “Tudo o que não choveu no período de setembro a novembro é esperado para começar a chover agora até janeiro. Isso significa chuvas mais concentradas”, afirma. A previsão foi confirmada pelo relatório de tendência climática elaborado pelo Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos de Minas Gerais (Simge), do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). O documento, elaborado na última terça-feira (26), aponta calor e chuva acima da média histórica em Minas Gerais no primeiro trimestre de 2024, com aumento de até 2°C de temperatura acima da média em parte do estado.

Em relação às chuvas no primeiro trimestre de 2024, a tendência é que o Noroeste, Norte e Jequitinhonha apresentem anomalias de precipitação, com cerca de 50 a 100 mm acima da média. Nas demais regiões de Minas, a previsão é de chuvas dentro da normalidade. 

ÁGUAS DE DEZEMBRO

Mesmo com a intensificação das chuvas previstas para janeiro, nove cidades mineiras chegaram a decretar situação de emergência já em novembro. Em dezembro, se acumulam 21, que decretaram situação de anormalidade por desastres relacionados aos temporais. Na lista da Defesa Civil estadual, há cidades do Vale do Jequitinhonha, Norte, Sul e Zona da Mata. No atual período chuvoso, cinco pessoas morreram, 663 estão desalojadas e 65 se encontram desabrigadas.

No último sábado (23), três pessoas da mesma família morreram afogadas em Paracatu, Região Noroeste de Minas Gerais, durante uma forte chuva que atingiu o município. As vítimas estavam em um carro que foi levado pela enxurrada. O motorista do carro conseguiu se salvar, mas a esposa e os dois filhos, de dois e 11 anos, ficaram presos. A mulher e as crianças morreram.

Em 19 de novembro, uma mulher morreu ao ser atingida pela queda parcial da estrutura de uma residência na cidade de Pedralva, no Sul de Minas, durante um temporal. Outras duas pessoas ficaram feridas na ocorrência. No dia 15 de novembro, um homem morreu depois que a estrutura de um barracão caiu sobre ele durante um temporal em Cássia, no Sul de Minas. A vítima trabalhava no local. Os destroços ainda atingiram um carro, que parou com as rodas para cima.

URGÊNCIA NO CAMPO

A seca de 2023 é considerada a pior em 30 anos. A maior parte dos municípios mineiros decretou emergência a partir de novembro deste ano. Na lista da Defesa Civil, estão cidades das regiões Norte, Vale do Mucuri, Jequitinhonha e Vale do Rio Doce. Nessa quarta-feira (27), o governo estadual divulgou que produtores afetados pela seca em Minas Gerais não sofrerão cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pela movimentação de gado bovino pelos próximos 90 dias.

A medida busca aliviar as contas do setor pecuário em áreas castigadas pela estiagem. Segundo o Governo de Minas Gerais, a suspensão da cobrança do ICMS por três meses deve beneficiar parte dos cerca de 326 mil produtores afetados, segundo levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). Os dados apontam que em 56,4% das propriedades o estoque de itens como cana, silagem e capineira para alimentar o gado está esgotado. Em outras, 27,8% há quantidade suficiente para os próximos 15 dias; e só 15,8% das localidades têm alimentação suficiente para o próximo mês completo.

De acordo com Carla Dias, coordenadora Municipal de Proteção e Defesa Civil na cidade de Pirapora, no Norte de Minas, a seca intensa que também atinge o município tem gerado grandes prejuízos para a agropecuária da região. “Há muitos anos não se via uma seca tão intensa e severa. Mesmo as plantações irrigadas contabilizam prejuízos, porque o calor é intenso e a plantação sofre com a insolação. É notório a gravidade e intensidade da seca enfrentada e o município já intensificou o abastecimento com caminhão-pipa a comunidades que não possuem água potável para consumo humano”, afirma. Ela afirma ainda que o município tem buscado apoio junto ao Governo Estadual e Federal para adoção de medidas emergenciais e de apoio aos afetados pelo cenário.

AÇÕES DA DEFESA CIVIL

De acordo com o tenente Fernandes, várias ações são realizadas pela Defesa Civil estadual para ajudar, capacitar, monitorar e socorrer as cidades mineiras. “Ao longo do ano são feitos treinamentos e capacitações em todas as regiões do Estado, buscando melhorar o preparo dos coordenadores municipais de defesa civil e seus agentes colaboradores, tornando as cidades mais resilientes”, afirma. Entre outras iniciativas realizadas pelo órgão estão a entrega de cestas básicas, água, colchões, kits dormitórios, kits de limpeza, dentre outros. Há também a realização anual de seminários, no período de seca e no período chuvoso, além de outros com a participação de outras agências e instituições.

“Importante destacar que a Cedec também auxilia os municípios na captação de recursos federais para reconstrução e restabelecimento da normalidade em suas áreas atingidas através de construção de obras, unidades habitacionais, recuperação de vias, desobstrução de locais interditados e outros”, ressalta o tenente. 

TEMPO NO FIM DO ANO

Fulvio Cupolillio afirma que hoje e amanhã a capital mineira vai ter pancadas de chuva com trovoadas isoladas e descargas elétricas. Já o dia 1º deve ser de chuvas e trovoadas isoladas, não necessariamente pancadas. De acordo com a Defesa Civil Municipal, até segunda-feira, a atuação de áreas de instabilidades atmosféricas podem ganhar força e provocar chuvas fortes. O volume total nos três dias deve variar entre 100 e 130 mm em Belo Horizonte.

 

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