O processo de restauração do barco a vapor Benjamim Guimarães, que já se arrasta há uma década, ganha importância extra e uma nova promessa de que, finalmente, vai sair do papel. Depois de acordos, definições e descumprimentos de prazo, segundo a Prefeitura de Pirapora, no Norte de Minas, proprietária da embarcação, a previsão é de que ainda este ano o barco seja finalmente entregue à população.
A histórica embarcação de 1913 agora é o último exemplar entre os barcos de locomoção a vapor que navegaram pelo Rio São Francisco, depois que um incêndio destruiu o vapor São Salvador, em 21 de outubro, na cidade de Ibotirama, na Bahia.
Com isso, a preservação do Benjamim Guimarães ganhou ainda mais importância. A embarcação foi tombada em 1985 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
Desde 2013, o processo de restauração se arrasta sem definição. O Iepha informou, em nota, que “já realizou a entrega do projeto completo de restauração, flutuabilidade e navegabilidade do Vapor Benjamin Guimarães. E a sua execução se encontra a cargo da prefeitura municipal de Pirapora que é sua proprietária e responsável pela execução da restauração”.
Os recursos para a reforma serão custeados pelo Executivo municipal, via financiamento pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Procurada, a Prefeitura de Pirapora informou, também em nota, que um engenheiro naval está finalizando providências em relação a ponderações que o BDMG fez sobre o projeto de restauração, e que tão logo o financiador aprove as adaptações, será feita a licitação. A previsão, diz o município, é que até o próximo ano o serviço esteja concluído e a embarcação, liberada.
“É uma luta diária que temos desde que pegamos a embarcação quebrada. Foram várias reuniões e nos colocamos sempre à disposição do Iepha para solucionar os problemas”, afirmou o secretário de Projetos e Obras de Pirapora, Luciano Rodrigues.
Restauração no centenário
Em 2013, quando a embarcação completou 100 anos, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico de Pirapora, firmou acordo com a prefeitura para que o município fizesse a revitalização da embarcação, tombada como patrimônio de Minas Gerais.
O Iepha emitiu nota técnica em abril do mesmo ano, informando sobre a necessidade de execução de um projeto completo de restauração da embarcação, e sobre medidas emergenciais para que ele pudesse continuar navegando. A partir do documento, o MPMG firmou termo de ajustamento de conduta (TAC) com a prefeitura da cidade.
O documento previa que em 120 dias a prefeitura deveria substituir pisos comprometidos, impermeabilizar forros que ficavam expostos ao tempo e recuperar partes metálicas que apresentavam ferrugem. Além disso, teria de apresentar, por meio de profissional especializado, projeto de restauro integral, submetendo-o no mesmo prazo à aprovação do Iepha. Depois que ela ocorresse, a prefeitura teria que executa o plano em 24 meses.
O MPMG poderia fiscalizar a execução do TAC por meio de vistorias. O descumprimento das obrigações firmadas pela prefeitura implicaria pagamento de multa diária no valor de um salário mínimo.
Descumprimento do TAC
Em 2017, o MPMG ingressou na Justiça para executar o TAC assinado com a Prefeitura de Pirapora, já que a administração municipal não teria adotado as medidas acordadas para o procedimento de reparo.
Segundo o MP, na época, o município não comprovou ter enviado ao Iepha o projeto de restauro integral assinado por profissional especializado. Sem o projeto e sua aprovação, a execução das medidas de restauro ficaram comprometidas.
No pedido de execução do TAC, o MPMG pedia que a Justiça obrigasse o município de Pirapora a executar, em 150 dias, as medidas emergenciais indicadas, além de apresentar, em 15 dias, projeto de restauro integral, iniciando sua execução em até 24 meses. Pelo descumprimento do acordo, o município deveria ser multado em cerca de R$ 1 milhão.
Como o vapor não foi restaurado com base em projeto próprio, novas medidas emergenciais se mostraram necessárias. Naquele ano de 2017, o Iepha e a Marinha do Brasil, por intermédio da Capitania Fluvial do São Francisco, fizeram nova inspeção na embarcação e apontaram uma série de reparos indispensáveis para que a embarcação pudesse voltar a navegar.
Mas, em 2019, a embarcação já estava sem navegar havia cinco anos e nada de a restauração ser concluída. Em dezembro, foi firmado convênio entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Iepha para tentar resolver o impasse. Um investimento de R$ 3,7 milhões por parte da autarquia federal vinculada ao Ministério do Turismo seria destinado à recuperação do vapor.
Já o Iepha, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura e Turismo e responsável pelo tombamento da embarcação em 1985, liberaria como contrapartida R$ 74 mil. O recurso deveria ser usado para executar e contratar os serviços de substituição do casco e a restauração das demais áreas da embarcação, além do mobiliário.
Processo licitatório não concluído
Um ano depois, o processo licitatório não foi concluído, e o vapor continuava parado no cais de Pirapora. Na época, a prefeitura informava que a concorrência pública para a contratação da reforma do Benjamin Guimarães estava marcada para 31 de agosto de 2020.
Mas, entre os dias 4 e 6 de agosto, duas empresas interessadas fizeram uma vistoria no vapor e alegaram que a embarcação precisava de serviços que não foram relacionados e pediram alteração na planilha de custos. A abertura das propostas foi então remarcada para 30 de setembro.
Em novembro, a embarcação foi retirada do leito do São Francisco para dar início ao processo de restauração. A empresa vencedora – INC Indústria Naval Catarinense – tinha o prazo de seis a oito meses para executar a obra, conforme cronograma do convênio e do projeto executivo contratado pelo Iepha, contados a partir da conclusão do processo licitatório de assinatura do contrato.
Porém, em 2022, mais de um ano após o vapor ser retirado das águas do Rio São Francisco, a restauração ainda não havia sido concluída. Alguns meses depois do início, a restauração foi totalmente paralisada. Desde então, uma das principais partes do barco, o casco, estava aberto, principal razão pela qual a conservação do vapor estava em risco.
O Benjamim Guimarães parou de navegar em 29 de agosto de 2014, quando a Capitania Fluvial do São Francisco, em Pirapora, constatou “deficiências no chapeamento com diversos rasgos e furos no casco, comprometendo a segurança da navegação e a vida humana.” Segundo a prefeitura, desde julho de 2021, o prefeito vinha cobrando um posicionamento do Iepha e do Iphan com relação à segurança do vapor.
A preocupação era que a cheia do Rio São Francisco, em janeiro do ano passado, acabasse atingindo e danificando a embarcação que estava às margens do rio. Imagens feitas por moradores, compartilhadas em redes sociais, mostraram que o barco acabou sendo atingido pelas águas, ameaçando ainda mais a integridade do último exemplar do gênero ainda preservado.
Navegando pela história
Segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), o vapor Benjamim Guimarães foi construído em 1913, pelo estaleiro norte-americano James Rees & Sons. Navegou por alguns anos no Rio Amazonas, sendo transferido para o Rio São Francisco a partir de 1920. Com capacidade para transportar até 140 pessoas, entre tripulantes e passageiros, quando em atividade o vapor viajava por área sem correnteza ou ventos fortes. É uma embarcação de popa quadrada, com máquina a vapor de 60 cavalos de potência alimentada por lenha, e com capacidade de estocar 28 toneladas de combustível. O sistema de propulsão é o de roda de pás localizado na popa. Tem 43,85 metros de comprimento, por 7,96 metros de largura. No auge de sua atividade – e quando o leito do rio, hoje assoreado, permitia –, navegava por 30 dias entre Pirapora, no Norte de Minas, e Juazeiro, na Bahia, transportando passageiros e cargas.