Bernardo Estillac e Leandro Couri
Quem vai enfrentar a BR-381 tendo BH como um dos pontos do trajeto precisa saber que a tormenta está na saída, na chegada, bem como na travessia. O trecho da estrada que liga BH à Governador Valadares é conhecido como ‘rodovia da morte’ pelos altos índices de acidentes. Nas proximidades da capital mineira, o risco é acrescido de outro fator: um trânsito constante provocado pelo alto fluxo de veículos chegando e partindo da cidade. O Estado de Minas percorreu os pouco mais de dez quilômetros entre o Anel Rodoviário Celso Mello Azevedo e o Posto Fumaça, em Santa Luzia, e sentiu na prática o drama que motiva o pleito de organizações sociais pela construção de faixas adicionais neste ponto do trajeto.
Entre a saída do Anel Rodoviário e o Posto Fumaça, os motoristas devem percorrer cerca de 13 km. Para fazer o trajeto indo e voltando, dentro da velocidade permitida na maior parte do trecho (70 km/h) é esperado, portanto, que se gaste pouco mais de 22 minutos. Entre a manhã e a tarde de uma terça-feira comum de dezembro, a reportagem fez o trecho em duas horas e meia. Essa é uma realidade comum para quem precisa deixar ou chegar a Belo Horizonte passando pela BR-381.
O gargalo na chegada e saída de BH foi uma das pautas tratadas pelo Movimento Pró-Vidas BR-381 em Brasília na primeira metade de dezembro. O grupo foi representado por seu coordenador Clésio Gonçalves e por prefeitos de cidades que integram a organização: Nova União (prefeito Ailton - partido Avante); Sabará (Wander José Goddard Borges - PSB); e São Gonçalo do Rio Abaixo (Nozinho Barcelos - PDT). Na capital federal, a comitiva teve reuniões com autoridades do Ministério dos Transportes, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além de propor uma renovação do edital de concessão da BR, o movimento quer uma ação mais urgente do Dnit para a construção de uma faixa adicional nos dois sentidos da estrada no trecho entre o Anel Rodoviário e o Posto Fumaça. Esta parte específica da estrada está situada entre os quilômetros 457 e 444. No Dnit, Gonçalves foi recebido por Jimmy Kleber, chefe de gabinete do departamento. O coordenador do Pró-vidas avaliou positivamente a receptividade na capital federal. O caminho para resolver o problema, no entanto, se apresenta tão tortuoso e acidentado quando a própria 381.
A reportagem procurou o Dnit para saber se há algum projeto em andamento para a construção das faixas adicionais; quantos veículos circulam diariamente no trecho destacado pelo Movimento Pró-Vidas BR-381; e solicitou detalhes sobre programas de indenização e remoções de famílias que vivem às margens da rodovia. Até o fechamento desta edição, não houve resposta.
Um problema que se agrava
O Movimento Pró-Vidas quer a construção das faixas adicionais nos arredores de BH como uma intervenção independente da duplicação da estrada, que deve ir à leilão no primeiro semestre de 2024. A emergência da situação fica clara nos próprios informes veiculados pelo grupo: “precisamos que o DNIT, em caráter de urgência, faça faixas adicionais entre o fim do Anel Rodoviário (km 457) e o posto Fumaça (km 444), pois o engarrafamento está sendo diário e permanente”.
Quem precisa passar pelo trecho com frequência, seja a lazer ou a trabalho, atesta a situação de engarrafamento constante. O caminhoneiro Eduardo da Cruz, de 61 anos, trabalha para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) descarregando entulhos no aterro sanitário de Sabará. Parte informal da lista de atribuições desta função é aturar o trânsito infernal até o destino final e o retorno para casa.
“Eu faço esse trajeto todo dia, de segunda a sábado, há cinco anos. A situação só piora, porque o número de carros não para de aumentar. A construção da faixa adicional ajudaria demais. Tem dias que a gente já tem que encarar o trânsito desde o Anel Rodoviário na altura do Bairro São Francisco. Seria muito bom, mas, se forem fazer isso, vai demorar, porque indenizar esse povo todo que mora aqui vai ser difícil, mas é necessário”, disse o motorista.
O ponto levantado por Eduardo é uma das questões centrais para as intervenções no trecho. Boa parte deste ponto da estrada é ocupado por comércio e moradias que ficam logo às margens da pista, vizinhos de parede do trânsito, barulho, poluição e risco constante de acidentes. Segundo o Movimento Pró-Vidas BR-381, há cerca de duas mil famílias assentadas ao longo da rodovia até Governador Valadares, mas mais de 80% delas estão nos arredores de Belo Horizonte.
Daiane Souza, de 28 anos, é uma das pessoas que moram próximo à rodovia. Enquanto esperava por um ônibus que se movia no lento ritmo do trânsito da 381 entre Belo Horizonte e Sabará, ela compartilhou com a reportagem sua descrença na efetividade das faixas adicionais para resolver o problema da região.
“Moro no Bairro Dom Silvério, em Sabará. O trânsito aqui é sempre péssimo, sempre agarrado. Acho que a pista adicional só neste trecho não resolveria, porque o fluxo de carros aumentou e, se reduzir as pistas lá na frente, vai agarrar do mesmo jeito”, contou, destacando que o tormento da BR não se limita à área da Região Metropolitana de BH.
Preso no trânsito, o caminhoneiro Uanderson Ribeiro conta que os trajetos pela BR-381 que passam por BH precisam ter uma conta diferente no tempo do frete. Um mero cálculo de velocidade média e distância percorrida não é eficiente, já que não leva em conta a lentidão inerente do trânsito nos arredores da capital mineira.
“Aqui está sempre assim, não precisa de acidente, o normal é esse (disse apontando para os arredores, no meio do engarrafamento). Quando vamos programar a viagem tem que se preparar para passar umas duas horas aqui. Estou indo para o Espírito Santo, não melhora até passar por Barão de Cocais”, garantiu.
Quem percorre o trecho há muito tempo conta que a estrutura da estrada já foi suficiente para atender ao fluxo de veículos, mas não acompanhou o ritmo de crescimento da frota que passa pela rodovia. É o caso do caminhoneiro Natanael Pacheco, que viu a situação se complicar ao longo das mais de quatro décadas em que roda pela BR-381 próximo a Belo Horizonte.
“Eu faço esse trecho com frequência, passo por aqui umas quatro vezes por mês. E está sempre agarrado, não tem um dia certo, é direto. Acho que se construírem a faixa adicional ia ajudar. Há 43 anos eu sou motorista e só piorou, porque aumentou muito o movimento. Quando eu comecei a estrutura dava conta, mas já não funciona há bastante tempo”, avalia.
Tormento maior para quem vive às margens da rodovia
‘Rodovia da morte’ é um termo cravado no imaginário de milhões de mineiros. Basta uma simples menção para que se venha à mente lembranças de acidentes ocorridos na BR-381 no trecho que liga Belo Horizonte a Governador Valadares. Se a via já causa receio em quem passa por ela eventualmente, para milhares de famílias que vivem às margens da estrada, o medo e o desconforto são sentimentos perenes. O Estado de Minas foi até a Vila da Luz, Região Nordeste da capital, e ouviu moradores sobre a experiência de ter como vizinho de parede o tráfego intenso de veículos durante o dia e carretas em alta velocidade quando cai a noite.
A chegada e a saída de BH pela BR-381 é marcada por um trânsito constante provocado pelo gargalo entre o fim do Anel Rodoviário Celso Mello Azevedo e a área do Posto Fumaça, em Santa Luzia. Neste trecho de pouco mais de dez quilômetros, todo o fluxo que vem pela rodovia desde o Vale do Aço se confunde com o tráfego intenso da Região Metropolitana de Belo Horizonte em vários pontos com apenas uma faixa em ambos os sentidos.
A construção de uma faixa adicional nos dois sentidos é uma das reivindicações do Movimento Pró-Vidas BR-381, que esteve em Brasília na primeira metade de dezembro para tratar sobre este pedido e cobrar mudanças no edital de concessão da rodovia, que tem leilão previsto para o primeiro semestre de 2024 após terceira tentativa frustrada de privatização no último novembro. Um dos principais empecilhos para ambas as pautas caminharem é o fato de que as margens da estrada estão, em boa parte, ocupadas por famílias que vivem coladas ao asfalto da rodovia da morte.
De acordo com o Movimento Pró-Vidas BR-381, há cerca de duas mil famílias vivendo às margens da rodovia no trecho entre BH e Governador Valadares. A maior parte delas está localizada próximo à capital mineira e, segundo dados de 2010 da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), 447 estão localizadas na Vila da Luz, próximo ao limite com Sabará.
Ana Beatriz, de 16 anos, é uma das quase 1.500 pessoas que vivem na Vila da Luz. Da porta de sua casa, a poucos metros de uma BR-381 completamente engarrafada no início da tarde, ela contou à reportagem que era vizinha da mãe até meados de 2023, quando a família deixou o bairro após indenização referente a um acidente em que uma carreta saiu da pista e invadiu residências.
“Minha mãe morava aqui, mas uma carreta caiu da pista e prejudicou a estrutura da casa. Ela foi indenizada pelo Dnit e se mudou para Matozinhos há uns seis meses. Só as pessoas que foram prejudicadas pela queda da carreta receberam indenização. Aqui é sempre assim, com trânsito e barulho, mas é melhor assim do que quando não tem movimento, que é mais perigoso para nós. É mais difícil atravessar quando os carros estão rápidos. Fizeram uma passarela, mas lá é mais perigoso que cruzar a estrada. Quando a gente pisa na passarela ela afunda, é muito frágil, a carreta passa e ela balança”, disse a jovem.
O acidente referido por Ana Beatriz aconteceu em julho de 2022, quando uma carreta desgovernada tombou sobre 10 casas na Vila da Luz. Três pessoas ficaram feridas na ocasião e as casas foram desocupadas. Segundo a Polícia Militar Rodoviária (PMRv), o veículo perdeu o controle após um pneu estourar.
As indenizações foram feitas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e sanaram um anseio comum entre os habitantes da vila: o desejo de deixar ter o medo de acidentes e o trânsito da BR-381 como um incômodo vizinho. De acordo com os moradores ouvidos pela reportagem, a política de indenizações é paliativa e não preventiva, com os pagamentos só acontecendo apenas após acidentes graves como o ocorrido há cerca de um ano e meio.
Larissa de Fátima, de 28 anos, vive na Vila da Luz ao lado da esposa, que cresceu na região. Ela conta que a esperança por indenizações é uma constante entre os moradores, mas que raramente vai além da expectativa e alcança sentido prático.
“É praticamente todo dia assim, com trânsito pesado e barulho. Isso quando não tem batida. Geralmente quem mora na beirada da rodovia assusta e tem que sair correndo com medo do carro entrar em casa. Já aconteceram vários acidentes. Todo mundo aqui tem esperança de que o Dnit indenize. Eles prometeram, agora a gente não sabe se vai sair. De madrugada é pior, as carretas passam mais rápido. A gente se assusta, principalmente quando freia”, reclama.
A reportagem procurou o Dnit para questionar sobre projetos de indenização e realocação das famílias que vivem na Vila da Luz e outros pontos às margens da BR-381. Até a última atualização desta matéria, não houve resposta.
Outro ponto em que o órgão é questionado pelos moradores é uma passarela que foi construída para que eles pudessem acessar a parte do bairro do outro lado da estrada, onde está situada, por exemplo, a Escola Municipal Honorina Rabello. A estrutura instalada para uma travessia segura é precária, fundada em áreas enlameadas onde são criados porcos e cavalos, e balança diante da passagem de qualquer pessoa.
Bernardina Oliveira, de 61 anos, é uma entre os milhares de moradores do bairro que se questiona se é, de fato, mais seguro fazer a travessia pela passarela ou pela rodovia, ora se esgueirando entre os veículos no engarrafamento, ora tendo de correr quando eles estão em alta velocidade. Ela vive na margem oposta da rodovia onde fica a escola, local onde trabalha como faxineira durante o dia e frequenta aulas do curso da Educação de Jovens e Adultos (EJA) à noite.
“Eu uso a passarela para vir trabalhar na escola. Inclusive eu sou aluna do EJA, eu trabalho e estudo aqui. Tem dia que a estrutura está toda solta. O pessoal vem, arruma e depois cai tudo de novo. Às vezes eu fico com tanto medo que eu me preparo e já fico o dia todo na escola. Saio às 9h30 da noite do EJA e, às vezes, fico com medo de passar na passarela e atravesso no meio da BR”, contou à reportagem em cima da estrutura trepidante.
Remoções são empecilho
Em novembro, a terceira tentativa de conceder a administração da BR-381 terminou da mesma forma que as anteriores: sem empresas interessadas. O Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) se comprometeram a modernizar o edital de concessão e realizar novo pregão ainda no primeiro semestre de 2023. A privatização da via inclui a duplicação do trecho entre BH e Governador Valadares.
Alterar o edital de concessão para torná-lo mais atrativo foi uma das reivindicações levadas pelo Pró-Vidas à Brasília em dezembro, quando prefeitos integrantes do grupo se reuniram com autoridades da ANTT, do Dnit, do Ministério dos Transportes e do Tribunal de Contas da União (TCU). Nas conversas, o grupo atestou uma hipótese: a insegurança jurídica atrelada à remoção das famílias às margens da BR-381 é um dos principais fatores que afastam eventuais concessionárias de assumir a responsabilidade sobre o trecho.
Na capital federal, o movimento atuou como um mediador entre o Ministério dos Transportes e o TCU para a atualização do edital. Um dos pontos tratados nas reuniões foi exatamente o compartilhamento de riscos referente a remoção e reassentamento das famílias, necessário para a execução das obras de duplicação.
Segundo a Secretaria Nacional de Transportes Rodoviários, o acordo e cadastro das famílias já está bastante desatualizado e traz riscos ao projeto.
A Vila da Luz é uma das quatro comunidades que fazem parte do programa Concilia BR-381 e Anel. Uma parceria entre a Justiça Federal e o Dnit, o projeto busca reassentar famílias que vivem às margens da rodovia em todo o trecho entre BH e Governador Valadares.
Segundo o Dnit, 1354 moradias já foram identificadas no trecho e já foram realizadas 269 audiências de conciliação pelos termos do programa, sendo 245 terminadas com acordos homologados. Até o fechamento desta edição, o órgão ainda não havia respondido a reportagem sobre as ações específicas na Vila da Luz.