O Para Casa Inclusivo, ferramenta que adapta atividades escolares para necessidades específicas de crianças atípicas, neurodiversas ou com qualquer dificuldade de aprendizado, foi criado pelo belo-horizontino Lucio Santana para auxiliar seu filho Lucas, de 10 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A primeira versão foi lançada em setembro do ano passado, e, desde então, novas funcionalidades vêm sendo adicionadas.
Juntando seu interesse por Inteligência Artificial (IA), a experiência da esposa, Nathalie, formada em Pedagogia e especializada em Neurociências Aplicadas à Educação, e os desafios na jornada escolar de Lucas — descrito pelo pai como uma criança "incrivelmente inteligente" com "interesses incomuns para sua idade", como química, astrofísica e biologia — surgiu a ideia da plataforma.
“Em 2023, os avanços impressionantes no campo da IA, especialmente o lançamento do ChatGPT, abriram um novo mundo de possibilidades, incluindo educação de qualidade para todos. Comecei a me perguntar: 'E se pudéssemos proporcionar a todas as crianças a mesma oportunidade de adaptação de conteúdo que o Lucas tem? Será que a nova tecnologia poderia tornar essa utopia uma realidade?'. Assim surgiu o 'Para Casa Inclusivo', visando levar a todas as crianças o potencial da inclusão e da educação de qualidade”, explica Lucio.
A ferramenta pode ser acessada gratuitamente, funcionando da seguinte forma: primeiro, envie uma foto ou documento da atividade escolar. O Para Casa Inclusivo irá adaptar a atividade automaticamente com linguagem simples, reduzindo o texto sem perder o contexto, destacando conceitos chaves e ilustrando com emojis e imagens. Também é possível alterar o tema da atividade para algum assunto que seja de interesse da criança, podendo até mesmo transformar o dever em uma história em quadrinhos.
Lucio reforça que o projeto tem como missão mostrar que a educação inclusiva não só é possível, como também essencial. “A falta de adaptação do conteúdo e das atividades escolares pode ser devastadora, afetando o interesse das crianças pelo aprendizado e fazendo-as enxergar suas diferenças como algo negativo. O impacto disso, tanto psicológico quanto prático, na vida dessas crianças é enorme. Por outro lado, quando as adaptações são feitas, vemos o engajamento das crianças aumentar e seu potencial florescer. Isso beneficia não só a criança, mas também a escola e a sociedade como um todo."
O Para Casa Inclusivo é um projeto sem fins lucrativos e gratuito para escolas, educadores e famílias. A ferramenta recebe o apoio da Amazon AWS e da OpenAI, que fornecem créditos para utilizar suas infraestruturas de nuvem e IA. O restante dos custos é coberto por Lucio e Nathalie, como uma forma de contribuir para uma sociedade mais inclusiva.
“O projeto é open source, ou seja, qualquer escola ou pessoa pode copiar e adaptar a ferramenta às suas necessidades específicas. E eu ficarei feliz em apoiar, de forma pro-bono, quaisquer iniciativas que queiram utilizar ou adaptar o Para Casa Inclusivo", explica o criador da ferramenta.
O conteúdo está disponível em www.paracasainclusivo.com.br.
Inclusão escolar ainda representa desafio
De acordo com o último censo escolar, quase 300 mil alunos com autismo estavam matriculados nos ensinos infantil, fundamental ou médio das redes pública e privada do Brasil em 2021. Se comparado a 2017, quando havia 77 mil, a alta é de 280%.
Apesar do avanço, os números representam uma pequena parcela da população pertencente ao transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil, que tem aproximadamente 2 milhões de pessoas, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse grupo sofre com dificuldades de matrícula, preconceito de colegas e funcionários, professores sem formação adequada e falta de uma ações inclusivas dentro do ambiente escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI 13146/15) e a Constituição Federal afirmam que a educação é um direito de todos. A LDB 9394/96 destaca a responsabilidade do Estado em fornecer atendimento educacional especializado gratuito para alunos com deficiência, abrangendo transtornos do espectro autista e altas habilidades. Já a Lei 12764/12, de maneira mais específica, protege os direitos das pessoas com autismo, proibindo a recusa de matrícula e impondo multa em caso de descumprimento.
A LDB também estabelece que os sistemas de ensino devem adaptar currículos, métodos e recursos para alunos com deficiência. Ela ressalta a importância de professores especializados, tanto em nível médio quanto superior, para o atendimento especializado, além de capacitação para professores do ensino regular integrarem esses alunos nas classes comuns.
A inclusão de crianças e adolescentes neurodivergentes ou com alguma deficiência no ensino regular é essencial para a promoção dos ideais de inclusão social. Na prática, as limitações estruturais das escolas brasileiras, especialmente na rede pública, favorece uma lacuna de aprendizagem que limita os avanços daqueles que mais necessitam de atenção especial. É o que defende Lucelmo Lacerda, que é Doutor em Educação. No livro “Crítica à Pseudociência em Educação Especial”, da editora Luna Edições. Para ele, a perspectiva da chamada “inclusão total” é dominante no Brasil. “Apesar do nome lisonjeiro, é uma corrente hostil à ciência e cujos resultados são, demonstradamente, prejudiciais às pessoas com deficiência em seu processo de escolarização, na defesa de que a escola seja plural em sua essência, mas que não se realize nenhum tipo de adaptação para nenhum estudante com deficiência e justamente por isso, não são utilizados nos países com melhor estrutura educacional”, pontua.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Rocha
Pesquisa
Dados publicados em 2023 pelo órgão de saúde americano Centers for Disease Control and Prevention (CDC) mostram que uma a cada 36 crianças americanas com menos de 8 anos tem autismo. No Brasil, o Censo 2022 foi a primeira pesquisa que vai quantificar pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas esses dados ainda não foram divulgados. O autismo tem causas genéticas e ambientais. Além disso, é poligênico, ou seja, mais de um gene é afetado. Crianças com TEA normalmente têm dificuldades em lidar com as emoções, segundo a psicopedagoga Luciana Brites, CEO do Instituto Neurosaber.