Mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, chikungunya e zika -  (crédito: Agência Brasil)

Mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, chikungunya e zika

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As primeiras semanas do ano trouxeram de volta a preocupação com uma velha conhecida dos mineiros: a dengue. Em Belo Horizonte, as notificações de casos suspeitos da doença em 2024 aumentaram cerca de 580%, passando de 279 registros até 20 de janeiro de 2023 para 1.900 notificações no mesmo período deste ano. De acordo com o boletim divulgado na última sexta-feira (19/1) pela Secretaria Municipal de Saúde, além dos casos em análise, são 157 confirmados e 132 avaliados e descartados, enquanto que no ano passado eram oito casos confirmados e 25 descartados.

A tendência do aumento da doença não é exclusiva da capital mineira, sendo observada em todo o estado. Enquanto o boletim divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde em 17 de janeiro de 2023 dava conta de 2.932 casos prováveis, com 583 confirmados; até 15 de janeiro deste ano já se acumulavam 11.658 casos prováveis, com a confirmação de 3.983 registros para a doença.

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O infectologista Leandro Curi, do Hospital Semper, destaca que o aumento do número de casos é um reflexo do crescimento da dengue já observado em 2023. Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a capital mineira confirmou, no último ano, 12.884 casos de dengue e outros e 38.551 investigados e descartados.

“É uma doença cíclica, então a gente não tem o mesmo volume todos os anos. É comum ter variações, mas, no ano passado, já teve um número bem expressivo de pacientes com a doença e casos confirmados, por causa disso a gente ainda tem essa continuidade na infecção”, explica Curi.

O crescimento foi observado também no número de internações pela doença, que aumentou em 2023 mais de sete vezes, passando de 54 em 2022, para 382.

Em 2024, a principal preocupação das autoridades de saúde, apontada pelo médico, refere-se ao ressurgimento do sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil, que não era identificado há 15 anos. Com isso, há um alerta para a possibilidade de um ano epidêmico, marcado por volumes altos de pessoas infectadas. “Como nos últimos anos grande parte da população foi infectada pelos tipos 1 e 2 [da dengue], estamos mais suscetíveis ao subtipo 3”, explica o especialista. Ele destaca que o tipo 3 não se difere clinicamente dos outros e apresenta os mesmos sintomas, como febre, mal estar, fadiga/fraqueza, vômito persistente, dores no corpo, falta de apetite e diarreia.

Segundo Vitor Rodrigues Dias, referência técnica da Diretoria de Zoonoses da PBH, o alerta acendeu no início do ano graças, entre outros fatores, à maior movimentação da população nessa época. “A gente tem mais pessoas em trânsito, viajando para locais que estão apresentando também esse grande número de casos. Por exemplo, era um tipo do vírus que talvez não estivesse circulando aqui em Belo Horizonte e aí nesse trânsito de pessoas, às vezes voltou aparecer por aqui.”, conta.

Outra questão apontada como possibilidade para crescimento dos casos nas primeiras semanas de 2024 são as mudanças climáticas ocasionadas pelo El Niño em todo território brasileiro. O calor intenso contribui para o aumento da velocidade de maturação dos ovos, o que aumenta o número de mosquitos capazes de transmitir a doença, e o alto volume de chuvas registrado em janeiro faz surgir mais criadouros para o mosquito.

Ações para combater a dengue

O Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), realizado pela prefeitura com dados de 88 mil locais de Belo Horizonte, é um dos responsáveis por monitorar o cenário da dengue na capital mineira. O estudo feito uma vez ao ano, preferencialmente em outubro, atestou em 2023 a necessidade de atenção para a doença, já que o indicador de transmissão de Belo Horizonte é considerado de médio risco com uma média de 1,4%. Caso o índice seja 4,0%, o risco é considerado alto. De 1,0% a 3,9% o risco é médio e, abaixo de 1,0%, o risco é baixo.

Diante desse cenário, a PBH possui algumas iniciativas para o combate da doença. Entre as ações realizadas, Dias destaca a intensificação da utilização de drones que auxiliam no controle e prevenção ao mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, zika e chikungunya. Os sobrevoos são feitos de forma estratégica, em áreas prioritárias e selecionadas a partir de indicadores como número de casos da doença, quantidade de larvas e ovos do mosquito. “Também fazemos a aplicação de inseticida nos casos que a gente identifica a necessidade. Agora em janeiro estamos fazendo a vistoria e a eliminação de focos em escolas municipais para que os alunos voltem para um espaço mais seguro”, enumera.

Os Agentes de Combate a Endemias (ACE) são responsáveis por vistorias os imóveis e reforçam junto à população as orientações sobre os riscos do acúmulo de água e que podem se tornar potenciais criadouros do mosquito, além de orientar sobre como eliminar os focos e, se necessário, fazer a aplicação de biolarvicidas. Em 2023 foram realizadas mais de 4 milhões de vistorias.

O monitoramento dos mosquitos é feito de maneira constante, por meio de cerca de 1.800 armadilhas para colocação de ovos (ovitrampas), que são instaladas quinzenalmente e recolhidas após sete dias. “O acompanhamento permanente desses resultados permite identificar os locais com maior número de ovos do vetor e, indiretamente, maior número de mosquitos adultos.”, esclarece a Prefeitura.

Mesmo com todas as ações realizadas pelo poder público, Vitor ainda destaca que o papel da população também é muito importante no combate à doença. “A população precisa fazer parte dela, porque não há condições de um agente cuidar da cidade inteira sozinho se as pessoas não colaborarem. Então a gente precisa que as pessoas fiquem atentas e, sempre que possível, liguem no 156 da prefeitura para a solicitação de vistoria e denunciem o que acharem pertinente porque tudo isso permite a continuidade do nosso trabalho.”, pontua.

Vacinação como alternativa

No início deste mês, o Ministério da Saúde incorporou a vacina contra a dengue no Sistema Único de Saúde (SUS) e anunciou o imunizante como uma das principais armas de combate à arbovirose que é endêmica no país. Neste sábado (20/1), a primeira remessa da vacina chegou ao Brasil e 720 mil doses do imunizante Qdenga, oferecidas sem cobrança pelo laboratório japonês Takeda Pharma foram recebidos.

O Ministério da Saúde receberá ainda cerca de 600 mil doses gratuitas da fabricante, totalizando 1,32 milhão. Além disso, o governo comprou 5,2 milhões de doses que serão gradualmente entregues até novembro. O total de 6,52 milhões de doses representa a capacidade total disponível no laboratório para este ano. Diante da capacidade limitada de produção da vacina, pouco mais de 3,2 milhões de pessoas serão vacinadas neste ano, já que o esquema vacinal requer a aplicação de duas doses, com intervalo mínimo de 90 dias entre elas.

Em 2024, o público-alvo serão crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. Essa faixa etária concentra o maior número de hospitalizações por dengue, depois de pessoas idosas, grupo para o qual a vacina não foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A previsão é que as primeiras doses sejam aplicadas em fevereiro.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) informou que “aguarda orientações do Ministério da Saúde (MS) a respeito da execução do plano de vacinação contra a doença no estado”. De acordo com informações do MS, a vacina não será utilizada em larga escala, devido à restrição do laboratório fabricante, na capacidade de fornecimento de doses. Por isso, a vacinação com esse imunizante será direcionada para público e regiões prioritárias no país.

O médico Leandro Curi destaca: “O que nós iremos diminuir, com a aplicação das doses, são as manifestações graves e leves da doença, além das taxas de mortalidade, porém o vírus continua circulando, já que o vetor - mosquito Aedes aegypti - não será extinto. Cabe a nós continuarmos as ações de prevenção ao longo de todo o ano: eliminar os depósitos de água parada e, assim, minimizar as chances de que novas epidemias continuem surgindo”.

Como funciona a vacina

Composto por quatro sorotipos distintos, o imunizante utiliza a tecnologia de vírus atenuado, em que a vacina traz o vírus da dengue modificado de forma a infectar, mas não causar a doença. No esquema de duas doses com intervalo de 90 dias, a vacina teve eficácia de 80,2% contra dengue, com período de proteção de 12 meses após o recebimento da segunda aplicação.

Por ser feita com vírus enfraquecido, a vacina é contraindicada para gestantes, lactantes, pessoas com algum tipo de imunodeficiência ou sob algum tratamento imunossupressor. Por esse motivo, a Anvisa ainda não aprovou a aplicação em idosos, que poderiam desenvolver a doença por terem imunidade mais baixa. (Com informações da Agência Brasil)

* Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice