Segmento vantajoso: Brasil tem 4,5 milhões de alunos na rede privada de educação nos ensinos fundamental e médio -  (crédito: Elenildes Dantas/Divulgação)

Segmento vantajoso: Brasil tem 4,5 milhões de alunos na rede privada de educação nos ensinos fundamental e médio

crédito: Elenildes Dantas/Divulgação

Não são somente os impostos sobre a propriedade de carro e casa que pesam no bolso do consumidor no começo de todo ano. Uma outra conta puxada, que não pode ser adiada, também abala, e muito, os orçamentos familiares. São as despesas com os livros didáticos, de uso obrigatório para quem tem filho na escola privada no ensino fundamental e médio, anos em que esse material é exigido. Na capital mineira, no ensino fundamental, as listas chegam a custar cerca de R$ 3 mil em caso de livros novos e na faixa de R$ 1.400 para os usados. Alguns dos livros indicados chegam a custar quase R$ 400. Esse valor supera, em muito, o preço médio do livro no Brasil que, em 2023, foi de R$ 46,39, segundo dados do 13º Painel do Varejo de Livros no Brasil, pesquisa realizada pela Nielsen Bookscan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Também não adianta pesquisar muito antes de comprar, pois os valores são praticamente os mesmos nas livrarias, com variações pequenas de preço, e descontos para quem pagar à vista. Essa similaridade nos valores fez com que o site de pesquisa de preço Mercado Mineiro deixasse de fazer levantamentos anuais do custo do livro didático na capital. O último foi de 2008. De acordo com o economista Feliciano Abreu, gestor do site, enquanto o material escolar chegou a ter este ano uma variação de até 333%, a diferença dos preços dos livros geralmente fica entre 2 e 3%, e o que vale mesmo é a negociação individual envolvendo a forma de pagamento que pode acarretar algum desconto melhor.

“Sabe quando você vai no médico e ele te receita aquele medicamento específico de um determinado laboratório farmacêutico e recebe por isso? É o que as escolas fazem com os livros didáticos. É a mercantilização da educação no Brasil”

Valéria Morato, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG)

 

 

Escolas recebem vantagens

A reportagem procurou a Associação Brasileira dos Autores dos Livros Educativos (Abrale) para explicitar os motivos do custo elevado dos livros didáticos, mas a entidade solicitou que o questionamento fosse dirigido à Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), que não quis se manifestar. O SNEL também foi procurado, mas afirmou não ter no momento nenhum porta-voz para falar sobre o assunto.


Uma das explicações é o fato de algumas escolas receberem parte do que é arrecadado pelas editoras com a venda dos livros. O estabelecimento de ensino escolhe uma editora para fornecer os livros didáticos e recebe ou um percentual pelas vendas ou alguma forma de patrocínio ou ajuda de custo pela indicação, cuja venda é certa. A explicação é do próprio Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe), que justifica a prática sob o argumento do alto custo de manutenção de uma escola particular no Brasil, um dos países mais bem ranqueados mundialmente, de acordo com a entidade, no quesito qualidade de ensino. “Às vezes as editoras, quando fecham com uma escola, fecham fazendo algum nível de parceria, não necessariamente com participação (financeira). Existem várias modalidades de compensação dentro do negócio”, afirma Paulo Leite, superintendente e porta-voz do Sinepe.


Segundo ele, a maioria das escolas prefere fazer parcerias de forma direta com a editora e de vez em quando fazem acordo de participação. “Às vezes as escolas fazem acordos de participação, mas isso só se viabiliza quando a escola percebe que isso não vai onerar ao ponto dela perder cliente. A escola não quer onerar a família para perder o cliente. Ela quer um material de excelência que garanta a efetividade do aprendizado e o retorno do cliente nos próximos anos”, assegura. As editoras, de acordo com ele, são bem “arrojadas”, visitam as escolas, os sindicatos, patrocinam congressos com professores e eventos culturais.


Mercado lucrativo

Para a presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro), Valéria Morato, o valor elevado do livro didático é reflexo dos acordos que as escolas fazem com as editoras e não reflete o custo real da produção desse material. “Sabe quando você vai no médico e ele te receita aquele medicamento específico de um determinado laboratório farmacêutico e recebe por isso? É o que as escolas fazem com os livros didáticos. É a mercantilização da educação no Brasil”, afirma Morato. E é um mercado lucrativo, afirma a presidente, já que são milhares de estudantes em todo o Brasil, ainda que os matriculados em escolas particulares sejam em número bem menor que os da rede pública.


Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 4,5 milhões de alunos matriculados na rede privada de educação, nos ensinos fundamental e médio, anos em que os livros didáticos passam a ser exigidos.

Discrepância 

A maioria das editoras dos livros didáticos adotados pelas escolas particulares Brasil afora muitas vezes fornecem também para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que distribui livros para as escolas públicas de todo o Brasil, sem custo nenhum para os pais. Mas nesse caso, os valores de venda são bem mais em conta. Na lista de aquisições do PNLD de 2022, o exemplar didático mais caro adquirido pelo Ministério da Educação (MEC), com tiragem de 26,6 mil exemplares, custou R$ 60,96. Segundo Diogo Fraga, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda o preço do livro didático no Brasil, disse desconhecer a existência de qualquer tabelamento oficial sobre o produto. Nem mesmo nas grandes compras de exemplares feitas pelo PNLD – em 2022 foram 206 milhões de livros didáticos.


O coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Marcelo Barbosa, confirma a ausência de regulamentação e tabelamento. “O que rege é o livre mercado. Como a compra é certa, o aluno não pode frequentar a escola sem o livro, o preço é determinado pelo mercado”, explica. Segundo ele, o que pode ser feito é uma intervenção por parte do Ministério Público para apurar se está havendo abuso ou cartelização no comércio dos livros didáticos. Uma das alternativas para driblar o preço, sugere Barbosa, é a compra de livros usados.


Projetos em tramitação

Outra solução para baratear o custo seria a regulamentação do setor. Na Câmara dos Deputados estão parados quatro projetos de lei que obrigam que o livro didático exigido pela escola seja usado por pelo menos dois anos, mas nenhum deles vingou. Todos foram apresentados por deputados que não exercem mais seus mandatos e estão parados aguardando serem assumidos por outros parlamentares. 

R$ 46,39

Preço médio do livro no Brasil em 2023, segundo dados do 13º Painel do Varejo de Livros

R$ 400

Valor que pode chegar um livro indicado por escolas particulares

“O que rege é o livre mercado. Como a compra é certa, o aluno não pode frequentar a escola sem o livro, o preço é determinado pelo mercado”

Marcelo Barbosa, coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)