Minas Gerais assumiu a condição de estado brasileiro com maior número de locais classificados como área de risco geológico, passando à posição anteriormente ocupada por Santa Catarina. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), são 582.750 pessoas vivendo em 2.988 locais nessa situação. Quase 80% dos pontos mapeados pelo órgão, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, estão sob ameaça de deslizamentos em território mineiro, que tem também a cidade com maior concentração de pontos ameaçados: Ouro Preto, na Região Central.


Os dados são de 27 de novembro e mostram uma mudança em relação ao início do ano. Em fevereiro, segundo o SGB, eram 581.703 pessoas vivendo em 2.849 áreas de risco geológico no estado. Santa Catarina liderava na época o ranking nacional, com 2.939 locais sob ameaça. Já no levantamento mais recente, o estado da Região Sul ocupa o segundo lugar, com 2.951 locais apontados como perigosos, seguido pelo Espírito Santo, com 1.076; Pará com 1.026; e São Paulo com 858.


Em Minas, há 701 áreas apontadas como de risco muito alto e 2.287 de risco alto. Em fevereiro eram 671 áreas na maior classificação de risco e 2.178 com alto risco. No levantamento atual, 74,8% dos pontos mapeados estão sob ameaça de deslizamento, 15,46% de inundação, 3,21% de erosão, 2% de queda e 4% listados como outros fatores.


Com 313 áreas de risco, Ouro Preto permanece na liderança da lista de cidades com mais locais sob perigo no estado e também no país. Nas dez primeiras posições em Minas, vêm na sequência Ipatinga (Vale do Aço), Juiz de Fora (Zona da Mata), Santa Luzia (Grande BH), Resplendor (Vale do Rio Doce), Sabinópolis (Vale do Rio Doce), Muriaé (Zona da Mata), Antônio Dias (Vale do Rio Doce), Ervália (Zona da Mata) e Além Paraíba (Zona da Mata). Em fevereiro a situação era bem parecida, com mudanças de posição entre os municípios. O ranking era composto, pela ordem, por Ouro Preto, Juiz de Fora, Santa Luzia, Sabinópolis, Muriaé, Antônio Dias, Ervália, Além Paraíba e Ibirité, que no monitoramento mais recente passou à 11ª colocação.

Mapeamento ocorre a pedido de prefeituras

A supervisora de Hidrogeologia e Gestão Territorial da Subsecretaria de Regulação Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte (Sureg/PBH), Michele Silva Santana, que também atua no Serviço Geológico do Brasil, explica que o mapeamento das áreas de risco é feito por uma equipe própria do SGB, formada por geólogos e geógrafos. “O mapeamento é feito de acordo com uma lista que recebemos de prefeituras para trabalhar em um ano. Mas nosso trabalho está incluído na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Recebemos uma verba da lei orçamentária anual e planejamos os municípios que vão ser visitados no ano”, detalha.


Ela diz que o SGB recebe diretamente pedidos de prefeituras, Defesa Civil dos estados e do governo federal. “Não escolhemos os municípios, acatamos todos os pedidos e planejamos ao longo dos anos.” A supervisora diz que a lista de 2024 já está completa. A equipe do SGB se desloca até o município e faz o trabalho junto da Defesa Civil da localidade. “É um trabalho conjunto. O órgão municipal é que indica as áreas e fazemos o trabalho técnico especializado dentro dessas áreas.”

Equipe age em busca de sinais de perigo

O primeiro passo é fazer uma entrevista com integrantes da Defesa Civil municipal, para levantar as áreas mais críticas de cada localidade. “Eles conhecem as áreas e sabem onde tem risco de deslizamento, as famílias que já sofreram com isso. Sabem os pontos que inundam primeiro quando tem uma cheia do rio. Vamos conhecer esses locais”, afirma Michele Santana.


Quando chega ao local, a equipe faz uma vistoria. “Levantamos alguns fatores de risco, avaliamos a estabilidade do talude, perguntamos às pessoas sobre deslizamentos anteriores, quanto tempo elas moram no local.” As equipes também avaliam o solo, procurando por cicatrizes de deslizamento ou degrau de abatimento. “Qualquer indício de que há um risco naquela área de deslizamento, inundação ou queda de blocos, por exemplo.”


Ela explica que o SGB trabalha na identificação e caracterização das áreas, mas não faz monitoramento. “Instruímos a Defesa Civil para facilitar o trabalho ao longo do ano e como agir em momentos de desastre. Temos um trabalho adicional de capacitação de agentes das defesas civis municipais para identificar áreas de risco, mapeá-las, além de fazer a mitigação e o monitoramento dessas áreas.” 

Relevo do estado influi no ranking

Em relação ao fato de Minas Gerais estar no topo do ranking das áreas de risco no Brasil, a supervisora de Hidrogeologia e Gestão Territorial da Subsecretaria de Regulação Urbana da Prefeitura de BH, Michele Silva Santana, integrante do Serviço Geológico do Brasil, lista possíveis motivos. “É o estado com maior número de municípios do Brasil. Tem também um relevo composto por muitos morros, serras, estruturas geológicas que condicionam o aparecimento de áreas de risco se forem mal ocupadas. É muito fácil criar áreas de risco com a ocupação desordenada, sem planejamento. Fora a questão social, já que os terrenos mais difíceis de serem ocupados acabam sendo os mais baratos e os preferidos pela população mais carente e de baixa renda. Eles acabam vendo nesses terrenos a única possibilidade de construir uma casa”, conclui.


De acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais, 289 municípios decretaram situação de anormalidade por desastres relacionados às chuvas durante a estação das águas anterior, de outubro de 2022 a março de 2023. Entre as causas estão chuvas intensas, queda de granizo, vendaval, inundação e deslizamentos.
Em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, são 6.486 pessoas vivendo nas 313 áreas de risco do município, sendo que 97% delas estão no patamar de risco geológico alto e 2,8%, muito alto. Em janeiro do ano passado, a reportagem do Estado de Minas esteve na cidade histórica e conversou com moradores que vivem em áreas de risco.


No Bairro Taquaral, era possível ver que parte do asfalto de algumas ruas cedeu e deslizamentos de terra interditaram casas. Já em outras, havia rachaduras enormes e algumas foram simplesmente abandonadas. A parte mais alta do bairro já tinha ares de cidade-fantasma, com postes de energia inclinados.

Danos em Juiz de Fora e Santa Luzia

Outra cidade que sofreu no período chuvoso anterior foi Juiz de Fora, na Zona da Mata. Temporais alagaram ruas de bairros e do Centro da cidade, carros foram arrastados e estabelecimentos comerciais invadidos pela água. A Defesa Civil municipal também recebeu chamados relacionados a deslizamentos e desabamentos.
Em 27 de dezembro do ano passado, Ipatinga foi atigida por um temporal que alagou ruas e deixou pessoas ilhadas em carros. O Corpo de Bombeiros também foi acionado para vistoriar três pontos com risco de deslizamento.


Em Santa Luzia, na Grande BH, duas pessoas morreram, durante o período chuvoso anterior, em decorrência de deslizamentos de encosta. Mas foi a cidade de Antônio Dias, no Vale do Rio Doce, que registrou o maior número de mortes por causa de deslizamentos de terra. Na madrugada do Natal de 2022, um talude desabou em cima de quatro casas no povoado de Vila do Carvalho, na zona rural do município. Chovia muito no momento e cinco pessoas morreram. Um estudo feito pelo SGB mostrou que casas afetadas pelo deslizamento estavam em área de alta declividade e a combinação com as chuvas intensas foi responsável pela tragédia. 

Capacitação e material para reforçar resposta de cidades

A Defesa Civil Estadual (Cedec) informa que está empenhada em fortalecer as estruturas municipais de proteção e defesa civil, por meio de investimentos e capacitações. Em 2023, a Cedec destacou que distribuiu 15 kits adicionais, com viaturas 4x4, notebooks, trenas digitais e coletes reflexivos. O material foi entregue aos municípios de Raposos, São Joaquim de Bicas, Jaboticatubas, Perdões, Conceição do Pará, Capelinha, Pocrane, Poço Fundo, Pará de Minas, Coroaci, Nova Lima, Patrocínio, Conceição das Alagoas, Ipatinga e Malacacheta. Em 2022, foram doados 497 kits.


Em relação à capacitação, a Cedec informou que estabeleceu parceria com a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) para a criação do Curso de Formação para Coordenadores Municipais em Proteção e Defesa Civil. Mais de 70 servidores concluíram o curso. Além disso, está em andamento o curso de Sistema de Comando em Operações nas Regiões de Proteção e Defesa Civil (Redec).


Paralelamente, o curso do 1º Interventor em Proteção e Defesa Civil ocorre em diversas Regiões da Polícia Militar, para capacitar policiais militares a atuarem em situações relacionadas à proteção civil. Além disso, em 21 de outubro, a Cedec promoveu Seminário de Preparação para o período chuvoso, uma iniciativa voltada para preparar e orientar os municípios para que enfrentem esse período de forma mais eficaz.

Vistorias em Santa Luzia

Em Santa Luzia, na Grande BH, a coordenadoria da Defesa Civil informou que são feitas “em caráter permanente e de forma constante, vistorias preventivas nas áreas de risco – sempre que detectado algum risco de colapso estrutural em qualquer imóvel”. Constatado o problema, o órgão solicita a desocupação do imóvel e a família é encaminhada para a assistência social, onde será cadastrada em auxílios e benefícios fornecidos pelo município.


Além disso, o órgão informou que foram feitas campanhas educativas para enfrentamento do período chuvoso, além da atualização do Plano de Contingência e da realização de um seminário de preparação, com todos os agentes de segurança do município.


Ressaltou ainda que as secretarias de Desenvolvimento Urbano, de Desenvolvimento Social e de Habitação de Regularização Fundiária fizeram a remoção e relocação nos programas habitacionais do município das famílias residentes em áreas de risco.

Risco monitorado em Juiz de Fora

A Prefeitura de Juiz de Fora informou que atualiza anualmente o Plano de Contingência para Desastres Geológicos e Hidrológicos, que envolve diversas instituições para alinhar estratégias de ação diante de eventos adversos relacionados às chuvas. O município acrescentou que, apesar das tempestades intensas no último período chuvoso, a cidade não registrou nenhuma morte e ressaltou que as ações preventivas acontecem durante todo o ano.


“O mapeamento de área de risco é atualizado e as áreas são monitoradas pelas equipes da Defesa Civil. São 157 áreas de risco (130 de risco geológico e 27 de risco hidrológico). Mais de 61% (1.001) das vistorias realizadas pela Defesa Civil em 2023 foram de caráter preventivo, a fim de orientar a população e encaminhar ações necessárias para redução do risco, como a implantação de leiras para desvio das águas pluviais, calafetação de trincas e a instalação de lonas. Além disso, a Defesa Civil realizou capacitações em escolas e ampliou o quadro de voluntários”, disse, em nota.


A análise técnica da Defesa Civil é usada para determinar a ordem de prioridade para limpeza de bocas de lobo e córregos. Em 2023, foram feitas 430 limpezas de córregos, atendendo cerca de 53 locais diferentes em mais de 42 bairros. A prefeitura também está fazendo o desassoreamento do Rio Paraibuna para aumentar a capacidade de vazão dos cursos d'água e retirar materiais sólidos indesejáveis, prevenindo enchentes e inundações.


O Executivo Municipal destaca também as obras de drenagem nos bairros Industrial, Santa Luzia (Acesso sul), Dom Bosco, Benfica e na Rua Cesário Alvim. Além disso, está fazendo obras de contenção de encostas em ruas que cederam devido às fortes chuvas de anos anteriores. 

Líder do ranking tenta se preparar

Em Ouro Preto, cidade que concentra maior número de áreas de risco em Minas e no país, o secretário municipal de Segurança e Trânsito, Juscelino Gonçalves, explicou que foi feito um trabalho junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), à Defesa Civil Estadual e aos institutos de meteorologia para estimar qual seria o volume de chuva para o atual período chuvoso. “A previsão é de, aproximadamente, de 900 a 1.000mm na região de Ouro Preto. A prefeitura atacou algumas obras de extrema necessidade, como a Avenida Lima Júnior, um importante acesso para a cidade. Também a encosta da Rua Padre Rolim, que dá acesso ao Centro Histórico de Ouro Preto”, afirmou. Gonçalves destaca ainda que foi feita uma obra de contenção e restauração em talude de encosta, com canalização e drenagem da água.


“Também na Rua Santa Marta, no Morro Santana, na Rua das Violetas e Margaridas, no Morro do Santa Cruz e na Rua São Cristóvão foram feitas algumas ações. Na estrada que dá acesso ao distrito de Rodrigo Silva, houve uma grande obra de pavimentação, drenagem e recomposição da encosta. O distrito de Santo Antônio do Salto passou por recomposição e restabelecimento de várias pontes, que foram afetadas nas últimas chuvas”, listou.


Força-tarefa para mapear ameaças

A Defesa Civil de Ouro Preto, em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto, Universidade Federal de Viçosa e Ministério das Cidades, elaborou o Plano Municipal de Redução de Riscos, classificando as ameaças em níveis alto, muito alto e altíssimo. O documento também dá diretrizes à administração da cidade para intervenções de engenharia e segurança.


“Além disso, houve várias ações de esclarecimento e desenvolvimento do sistema de segurança e defesa civil na cidade. A Defesa Civil ativou e atualizou o seu plano de contingência. Contratou equipes especializadas, com psicólogos e assistentes sociais, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, para que esses profissionais fiquem à disposição, no período chuvoso, para prestar assistência às comunidades que possam ser atingidas pelo alto volume de chuvas esperado neste período”, informou o secretário.


Juscelino Gonçalves ressaltou que também foram feitas várias ações de reurbanização e reassentamento, além de concessão de aluguel social e da contratação de estação meteorológica para a disponibilidade de leitura que oriente as ações do município.

Preparação durante o período de estiagem

A Defesa Civil de Muriaé, na Zona da Mata, informou que, no período de seca, iniciou o trabalho de prevenção com vistorias em áreas de risco já setorizadas. O objetivo é instruir a população mais suscetível a desastres sobre os riscos de deslizamentos de encostas ou de inundação. Além disso, ainda no período de estiagem, o órgão atualizou o Plano de Contingências e o Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil, para que na estação chuvosa possa atender com maior efetividade e celeridade.


Ainda de acordo com a Defesa Civil do município, no período chuvoso as vistorias são intensificadas principalmente nas áreas de risco já mapeadas. “Outras ações são feitas concomitantemente, como reuniões com empresas de barramento, de conselhos municipais relacionados a intervenções de urbanismo e meio ambiente, monitoramento e medições dos rios que cortam o perímetro urbano e produção de boletins meteorológicos diários, entre outros.”


Procurada, a Defesa Civil de Antônio Dias não se manifestou sobre a situação das áreas de risco na cidade até o fechamento desta edição. 

Ao vistoriar as áreas de risco em municípios, a pedido das prefeiuras, as equipes do Serviço Geológico do Brasil também dão sugestões de intervenções para as áreas de risco. “São sugestões para acompanhamento, ou no sentido de chamar uma equipe especializada de engenharia. Às vezes, os municípios conseguem, com nossos relatórios, verbas para obras de mitigação”, explica Michele Silva Santana, integrante do SGB e supervisora de Hidrogeologia e Gestão Territorial da Subsecretaria de Regulação Urbana da Prefeitura de BH. Quando essas intervenções estão prontas, é possível acionar o SGB para avaliação do risco remanescente ou se a intervenção foi suficiente, explica. “A própria Defesa Civil Estadual consegue fazer essa avaliação, mas atendemos também, se formos solicitados.” A atualização dos dados é feita após cada avaliação de algum ponto solicitado pelas prefeituras ou defesas civis municipais.

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