Há algo de novo no reino da Dinamarca – a posse de Frederik X, sucessor da mãe, a rainha Margrete II –, e o atual capítulo na história do país escandinavo remete a Minas, mais especificamente à região de Lagoa Santa, na Grande BH. No Museu Peter Lund, inaugurado em 2012 na presença de Frederik, então príncipe herdeiro, e da esposa, Mary Elisabeth, estão no acervo 80 fósseis cedidos em comodato ao estado por três anos. O prazo mais do que expirou e, agora, o Museu de História Natural da Dinamarca quer a repatriação do material.
“O prazo terminou há nove anos, e a Dinamarca já mostrou que quer os fósseis de volta”, informa a arqueóloga Rosângela Albano, coordenadora do Centro de Arqueologia Annette Laming-Emperaire (Caale), vinculado à Prefeitura de Lagoa Santa. “No início, a prefeitura ficou como guardiã dos 80 fósseis, e depois passou a responsabilidade para o Instituto Estadual de Florestas (IEF), vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). No ano passado, recebemos, aqui em Lagoa Santa, a visita do diretor do Museu de História Natural da Dinamarca, Peter Kjaesgaard, que falou sobre a repatriação dos fósseis. Ele disse que são para pesquisa, e não para exposição”, conta a arqueóloga.
Para resolver o impasse, o prefeito de Lagoa Santa, Rogério Avelar, aguarda uma reunião com todos os setores envolvidos na guarda dos fósseis a fim de decidir qual será a solução. O Estado de Minas pediu informações ao governo de Minas sobre a situação e recebeu como resposta que “o acordo é entre o Museu Real da Dinamarca e a Prefeitura de Lagoa Santa, sendo o Instituto Estadual de Florestas (IEF) beneficiário extra”.
Segundo informou ontem a Semad, "o Museu Peter Lund está temporariamente fechado, passando por reformas para sua melhor adequação, e, após a conclusão desses trabalhos, será gerido pela Urbanes, concessionária que administra os serviços de visitação no parque".
VISITA REAL
Em setembro de 2012, o então príncipe herdeiro dinamarquês Frederik André Henrik Christian, agora rei Frederik X, participou da inauguração do Museu Peter Lund, equipamento científico, cultural e turístico, ao lado da Gruta da Lapinha, que funciona dentro do conceito de “museu de território”.
Dessa forma, os laços mineiros com o país escandinavo vão bem além da visita de Frederik X, empossado no último dia 14 como sucessor da mãe, a rainha Margrethe II, de 82 anos, que abdicou após mais de cinco décadas como monarca. O museu em Lagoa Santa foi inspirado na trajetória do paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801–1880), habitante dessa região mineira por mais de quatro décadas, que entrou para a história como o “pai da paleontologia brasileira”.
Em 21 de setembro de 2012, quando era governador o professor Antonio Anastasia, Minas abria as portas da sua pré-história e convidava o mundo para visitá-la na viagem pelo tempo e espaço a bordo de um equipamento cultural concebido para valorizar um passado superior a 11 mil anos. No prédio aberto ao público, administrado pela iniciativa privada, se encontram em exposição os 80 fósseis cedidos em regime de comodato, por três anos, ao governo estadual pelo Museu de História Natural da Dinamarca.
A empreitada do Executivo mineiro consumiu, na época, cerca de R$ 5,3 milhões, e o museu se integrou à Rota Lund, idealizada para promover o desenvolvimento regional por meio de um roteiro turístico. O museu de território compreende todo o Parque do Sumidouro, onde foi construída a sede de 1.850 metros quadrados.
ACERVO
O acervo cedido pela Dinamarca é composto por fósseis encontrados por Peter Lund durante suas pesquisas na região, cujas características geológicas favorecem o aparecimento de grutas e cavernas. O museu dispõe de salas exclusivas para que o visitante tenha conhecimento dos planos de manejo do parque espeleológico, sala multiuso para projeção de filmes, palestras e oficinas, salas de exposição, uma delas destinada ao acervo do Museu de História Natural da Dinamarca e espaço para reserva técnica, conservação e restauro de obras.
Em maio de 2009, numa missão enviada pelo governo de Minas à Dinamarca, da qual fez parte o pesquisador e professor da PUC Minas Cástor Cartelle, foi selado o acordo inicial com as autoridades em Copenhague para trazer os fósseis para Minas. No tempo em que viveu na região de Lagoa Santa, Lund enviou ao país de origem uma coleção de 12.622 peças, a maioria encontrada nas grutas da região cárstica.
No acervo que veio para Minas estão ossos humanos, de animais pré-históricos, como a preguiça gigante, tigre-dente-de-sabre, lhama, tatu gigante, gliptodonte e mastodonte e de animais ainda existentes na atualidade, como capivara, tatu, lontra e outros.
O trabalho realizado por Peter Lund contribuiu para que a área cárstica de Minas, que compreende a região de Lagoa Santa, ficasse mundialmente conhecida como importante campo de estudos para a paleontologia, arqueologia e espeleologia, em função do grande número de grutas e fósseis. Destaca-se o sítio arqueológico da Lapa Vermelha 4, em Pedro Leopoldo, onde em 1975 uma missão franco-brasileira, chefiada pela arqueóloga e professora francesa Annete Laming Emperaire (1917-1977), encontrou o crânio humano com idade aproximada de 11.500 anos. O crânio foi “batizado” de Luzia, sendo esse o fóssil humano mais antigo das Américas.
HISTÓRIA DAS CAVERNAS À ATUALIDADE
1801
Nasce na Dinamarca Peter W. Lund, que viveu 46 anos na região de Lagoa Santa e é considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras. Está sepultado em Lagoa Santa
1832
Lund (1801-1880) faz as primeiras descobertas de fósseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa
1845
Ele envia ao rei da Dinamarca a coleção de fósseis encontrados na região de Lagoa Santa. A coleção totaliza 12.622 peças, a maioria encontrada nas grutas da região cárstica
Década de 1950
Pesquisadores da Academia Mineira de Ciências e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escavações na região
1974
Missão franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escavações, até 1976, em Lagoa Santa
1975
Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo com datação do Brasi
1998
Antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo, estuda e data (11,4 mil anos) o crânio de Luzia
2010
Em maio, governos de Minas e da Dinamarca fecham acordo para cessão, em comodato, por três anos, de 80 fósseis para exposição em Lagoa Santa. As peças ficam sob guarda da Prefeitura de Lagoa Santa, e depois do Instituto Estadual de Florestas (IEF)
2012
Inaugurado o Museu Peter Lund, museu de território inspirado na trajetória do naturalista dinamarquês pela região de Lagoa Santa
2023
Com o prazo de comodato expirado, o diretor do Museu de História Natural da Dinamarca, Peter Kjaesgaard, vai a Lagoa Santa e comunica que seu país vai pedir a repatriação do acervo exposto no Museu Peter Lund