Agentes da Polícia Civil de Minas Gerais têm tentado silenciar mulheres que denunciaram assédios e perseguições sofridas dentro da corporação. É isso que afirma a perita criminal afastada Tatiane Albergaria. Na tarde desta terça-feira (23/1), ao menos dois policiais à paisana estiveram na porta de sua casa, em um condomínio fechado de Vespasiano, na Grande BH, sem que a entrada fosse permitida. Imagens de segurança mostram o momento em que as pessoas chegaram ao imóvel. Eles ficaram no local cerca de 20 minutos.
Essa não é a primeira vez que Tatiane denuncia estar sendo vigiada por policiais civis. Em julho do ano passado, durante audiência pública na Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), ela relatou que um carro plotado da corporação passava constantemente na porta de sua casa. Além disso, um policial rondava o perímetro do imóvel.
Ao Estado de Minas, a perita contou que estava em casa brincando com os filhos, de 6 e 2 anos, quando ouviu um barulho. Ela viu que havia, pelo menos, duas pessoas na porta de sua casa. A portaria do condomínio afirmou que uma policial apresentou sua carteira funcional, uma espécie de distintivo, e perguntou se Tatiane estava em casa, e que ela os estava esperando. Por não poder impedir a entrada de agentes de segurança pública, a profissional liberou a passagem das pessoas e notificou a moradora.
“Quando eu vi que eles estavam na minha porta eu me tranquei com os meus filhos. Por medo. Eles não tinham mandado e eu não os esperava”, conta a perita.
Tatiane acredita que a 'visita' foi uma forma de intimidação contra ela e outras servidoras que denunciam casos de assédios e perseguição dentro da PCMG. Ontem, ela teria repostado uma publicação da delegada Monah Zein sobre quem a teria importunado.
“Eu repostei uma publicação sobre o assédio sofrido pela Monah, porque nos juntamos para tentar uma proteger a outra. Eles apareceram aqui, sem autorização, por coincidência menos de 24h após eu ter repostado as postagens. Isso é um mecanismo para silenciar vítimas de assédio. Qualquer dia eles vão matar uma de nós”, diz.
A reportagem questionou a Polícia Civil sobre a ida dos policiais até a casa da perita. Mas até o momento, não obteve resposta.
Aposentadoria compulsória
Em julho do ano passado, Tatiane denunciou ter sido aposentada compulsoriamente após denunciar ter sido assediada por uma chefe da delegacia de Vespasiano e por um superintendente da Polícia Civil. Ela estava lotada na Unidade Pericial da corporação, onde trabalhou por dois anos, quando os primeiros problemas começaram a acontecer. "A chefe da delegacia entrou de licença e me pediu para substituir. Durante o período da licença dela, tive contato com chefes de departamento, acabei conseguindo várias melhorias para a perícia. Acabou ficando um clima mais agradável na delegacia", conta à reportagem.
Quando a chefe voltou na delegacia, as novas conquistas não foram bem-vistas por um superintendente da região. A partir daí, a perita passou a ser prejudicada dentro da unidade. O homem foi o responsável pelos assédios e perseguição cometidos contra ela dentro da unidade. A perita foi até a ouvidoria do estado para reclamar dos incidentes, mas, mesmo assim, não conseguiu suporte. Semanas depois, recebeu um ofício comunicando sua transferência de unidade.
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Semanas depois, foi publicada a transferência para uma unidade de Betim, na Grande BH, a pedido do superintendente que começou a assediá-la. A perseguição sofrida com sindicâncias instauradas pelo chefe, fez com que ela desenvolvesse problemas psicológicos. Tudo isso comprovado por laudos médicos particulares. Mesmo trabalhando em outra unidade, a perseguição continuava. Foram abertas sindicâncias contra a perita. Tudo isso, segundo ela, devido aos seus atritos com a antiga chefe.
Meses depois, a perita tentou uma nova transferência para Vespasiano que foi negado. Segundo ela, a decisão foi assinada pelo próprio assediador. Ela foi então realizada no Instituto de Criminalística em Belo Horizonte. Lá, os problemas voltaram a acontecer, já que um dos médicos legistas, conforme seu relato, era próximo da sua ex-chefe e, posteriormente, acabou assinando o laudo supostamente falso que recomendava a aposentadoria. No laudo emitido e assinado por quatro médicos legistas da Polícia Civil, foi declarado que Tatiane tinha "incapacidade permanente para o exercício do cargo".
"Com medo de perseguição, pedi 60 dias de afastamento no fim de janeiro de 2023. Me deram 30 dias. Quando fui prorrogar, me mandaram trabalhar em outro horário do que fazia. Meu médico mandou um atestado alegando que essa confusão estava me causando ansiedade e crises [...] A única doença que tive foi em decorrência dos abusos que sofri. Colocaram no laudo transtorno de personalidade, depressão recorrente e transtorno dissociativo", afirma Tatiane.
Perseguição a quem denuncia
A forma com que a Polícia Civil lida com denúncias de assédio foi discutida em uma audiência pública da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 15 de dezembro de 2023. Na ocasião estiveram presentes representantes da corporação, vítimas, sindicatos e deputados estaduais. O encontro foi motivado pelo cerco no apartamento da delegada Monah Zein, em novembro do mesmo ano. A servidora ficou 32 horas trancada dentro de casa. A ação teria sido motivada pela hipótese da funcionária apresentar perigo para si mesma.
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Na audiência, a presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil de Minas Gerais, Aline Risi, disse que a prática de assédio moral e sexual está enraizada na cultura da instituição, afetando sobretudo as mulheres. Como resposta aos episódios, a corporação estaria punindo quem traz os crimes à tona. Entre as sanções estão: sindicâncias sucessivas, procedimentos administrativos, remoções a contragosto e aposentadorias compulsórias.
Além de coibir as denúncias a PCMG ainda estaria deixando de punir os assediadores. Foi isso que defendeu a diretora de convênios do Sindicato dos Escrivães de Polícia de Minas (Sinep), Raquel Faleiro. Durante o encontro no legislativo mineiro, ela exemplificou o tema com o caso da escrivã Rafaela Drummond, que tirou a própria vida após sofrer diversos episódios de assédio e perseguição na delegacia de Carandaí, onde trabalhava.
“No caso da Rafaela, não houve punição. O delegado foi indiciado por um crime ridículo de condescendência criminosa e teve que pagar R$ 2 mil. E o investigador que foi o assediador mor da Rafaela saiu impune mesmo com as provas”, confirmou a advogada Raquel Fernandes, que chegou a representar a família da escrivã.