Viajar entre Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES) é um tanto arriscado devido às péssimas condições das estradas. A viagem inicia num dos trechos mais perigosos de Minas Gerais, entre a capital mineira e João Monlevade, na BR-381, conhecida como Rodovia da Morte. À frente dali, na BR-262, o cenário também é propício para acidentes.
A reportagem do Estado de Minas refez, entre os dias 23 e 25 de janeiro, a viagem completa entre as duas capitais, como no especial “Os perigos das BRs 381 e 262”, publicado em 29 de janeiro de 2023, para ver se, um ano depois, a estrada ganhou alguma melhoria.
O recapeamento feito em alguns trechos fez a quantidade de buracos diminuírem, mas outros problemas surgiram, principalmente envolvendo a sinalização da estrada.
O último Mapa de Condição da Manutenção publicado pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), com dados de novembro de 2023, aponta que pouquíssimos trechos da estrada entre BH e a divisa com o Espírito Santo estão em boas condições. A maior parte está em condições regulares e ruins e, nos segmentos mais críticos, em condições péssimas.
Os primeiros 100KM
A BR-381 entre Belo Horizonte e Caeté é aquém do que deveria. As duas pistas, uma em cada sentido, são insuficientes para o tráfego intenso que a rodovia recebe, especialmente nos horários de pico. Nos trechos em que há ausência de pintura no asfalto, alguns motoristas transformam os acostamentos em faixa adicional. Cenário que contribui para os acidentes tão frequentes no trecho.
A partir da entrada para Caeté, a rodovia é duplicada, num trecho de cerca de 38km até Barão de Cocais. É nesta parte que ficam os poucos segmentos em boas condições da estrada em Minas, segundo o Mapa de Condição de Manutenção do Dnit.
Mesmo assim, a maior parte do trecho duplicado foi classificada pela autarquia como regular ou ruim. Não encontramos rachaduras tão profundas quanto as que registramos na viagem de 2023. É visível uma operação recente tapa-buraco, devido às estrias de asfalto escuro na estrada em contraste ao cinza claro das placas de concreto da rodovia.
Em São Gonçalo do Rio Abaixo, houve melhoras significativas no último ano. Antes, não havia pinturas no asfalto, o que forçava os motoristas a convencionarem o que era mão e contramão. Alguns trechos foram recapeados. Não é um reparo definitivo, mas estes respiros trazem alguma segurança (e conforto) durante a viagem.
“A rodagem está bem crítica”
A partir de João Monlevade, a viagem ganha contornos mais dramáticos. De um lado, a BR-381 segue para São Mateus, no Norte do Espírito Santo. Do outro, a BR-262 continua em direção a Vitória (ES) alternando, durante sua passagem por Minas Gerais, longos trechos em condições péssimas e outros em condições regulares e ruins, conforme o mapa do Dnit.
Até então, tínhamos registrado apenas rachaduras nas pistas, mas agora começam os buracos. Mesmo que alguns trechos tenham sido recapeados há pouco tempo, os reparos não foram suficientes, visto o fluxo constante de veículos leves e pesados.
“Deu uma melhoradinha, mas foi pouca. Pouca coisa mesmo. A rodagem está bem crítica”, explica o carreteiro Tiago Silva Sá, de 35 anos. O profissional afirma que os buracos e a má sinalização contribuem para que aconteçam acidentes na rodovia.
[Dinheiro] vai todo em manutenção. Embuchamento, pneu, alinhamento dianteiro, vai tudo embora. Se não tiver cautela para trabalhar na tranquilidade não vai não.
Tiago Silva Sá, motorista de caminhão
Dentro de São Domingos do Prata, é preciso destreza para desviar dos buracos. Não são profundos, mas são muitos. A sinalização da pista é opaca e o mato alto cobre placas nas laterais. São tantos remendos no asfalto que não é possível desenvolver velocidade por muito tempo.
No limite da cidade com Rio Casca, uma cratera engoliu praticamente todo o acostamento. Ao longo da viagem, encontramos quase uma dezena de buracos assim – número que tende a aumentar conforme passa o período chuvoso.
Sai um problema, entra outro
Os buracos nesse trecho da estrada foram recapeados. O trabalho ainda não foi concluído, tanto que não foi pintada a separação entre as pistas e o acostamento. A única sinalização no asfalto é uma linha contínua que se estende por mais de 10km e não deixa claro onde é permitido ultrapassar. E, por isso, não é raro ver motoristas fazendo ultrapassagens perigosas, especialmente próximo a curvas.
O carreteiro Wellington Rodrigues de Farias, de 52, viaja com frequência entre Espírito Santo e Goiás e diz que é preciso ter atenção especial ao transitar pela BR-262.
A estrada está em péssimas condições. Buraco é um em cima do outro, quebrando o caminhão da gente.
Wellington Rodrigues de Farias, caminhoneiro
Ele também denuncia a falta de sinalização adequada. “Você tem que ter consciência que é andar devagar sempre. Não deixar o caminhão embalar, porque a estrada tem buraco e não tem acostamento".
Nossa viagem segue em Abre Campo, onde o asfalto é cheio de ondulações e com muitos remendos. Os buracos voltam a aparecer, o que força os motoristas a desviar e fazer manobras arriscadas. Essa situação é presente no caminho passando por Realeza até chegar em Manhuaçu.
O trecho mais crítico
A partir do entroncamento com a BR-116, no distrito de Realeza, em Manhuaçu, a BR-262 segue no seu trecho mais crítico - ou ao menos era até poucos meses atrás. No mapa do Dnit que, lembrando, possui dados até novembro de 2023, a condição da estrada é majoritariamente péssima até na divisa do estado, em Martins Soares. Nós constatamos esta precariedade na viagem de 2023.
No entanto, boa parte deste segmento, especialmente dentro de Manhuaçu, foi recapeado nos últimos meses. Os moradores da cidade que conversamos dizem que a estrada melhorou com o asfalto novo, mas, mesmo que os buracos tenham sumido, os problemas de sinalização se repetem por aqui.
“Eles estão reformando a BR-262, mas a marcação dela está ‘meio complicada’ pra gente. Eles estão fazendo terceira faixa onde não cabem três carros, complicando a situação. Pontilhando onde não devia e colocando faixa contínua onde era pra ser pontilhada”, explica o motorista de ônibus Marcos Antônio de Abreu, de 36, que trabalha na linha Manhuaçu/Governador Valadares.
Ele argumenta que, apesar dos problemas de sinalização, o trecho sempre foi perigoso.
Os buracos estão melhorando, só estão pecando na sinalização.
Marcos Antônio de Abreu, motorista de ônibus
O borracheiro Vitor de Aguiar, de 60, também elogia, apesar de ter diminuído a demanda no seu estabelecimento de motoristas que pediam socorro após enfrentarem os antigos buracos. “Até algum tempo atrás tinha. Agora, de uns tempos pra cá, acabou. Não deu mais não”.
Em frente à borracharia, nas margens da pista, avistamos outro exemplo de perigo que a falta de sinalização gera: o recapeamento apagou as faixas de pedestres pintadas no asfalto. E, como não há passarelas ao longo dos sete quilômetros da BR-262 que passam pelo perímetro urbano de Manhuaçu, os habitantes da cidade têm que se arriscar para “atravessar a rua”.
Agora, a gente tem que contar com a sorte para atravessar, das carretas com 40 toneladas pararem pra gente atravessar
Morador de Manhuaçu
Segundo ele, a demanda pelas passarelas é antiga e já foi levada por vereadores e prefeitos para o Dnit, mas nada foi feito. “O recapeamento foi ótimo, mas falta mais coisas ainda pra dar uma melhorada, principalmente passarelas. A gente espera muito tempo pela boa vontade dos motoristas para atravessar a BR”.
A reta final
Em Reduto e Martins Soares, últimas cidades mineiras do caminho, voltamos ao asfalto esburacado que conhecemos ano passado. O trecho ruim só tem fim, justamente, na divisa com o Espírito Santo, no distrito de Pequiá, pertencente ao município de Iúna.
Em terras capixabas, a BR-262 é outra. Essa percepção é corroborada pelo Mapa de Condição da Manutenção do Dnit. O estudo aponta poucos trechos com condições ruins ou péssimas. A maior parte do trajeto está regular ou bom, algo raro na parte mineira da rodovia.
Por diversos trechos até Vitória, notamos o recapeamento da pista. No entanto, ainda é necessário ter muita atenção no caminho, devido às curvas sinuosas que contornam as serras capixabas.
Às margens da pista, surgem de tempos em tempos placas para lembrar aos motoristas que viagem com prudência: “Melhor do que chegar antes é chegar bem”.
O que diz o Dnit
Dnit informou, por meio de nota, que foram recapeados aproximadamente 40 quilômetros da BR-262 sob sua circunscrição em Minas Gerais. “Com base em estudos técnicos, a autarquia selecionou os trechos que precisavam de mais atenção para realizar os serviços de revitalização do pavimento”, diz o texto.
Segundo a autarquia, as faixas de pedestres em Manhuaçu serão pintadas quando as condições climáticas forem favoráveis, para evitar o risco de perda do serviço executado. Não há projetos para implantação de passarelas, “mas o Departamento realiza monitoramento de possíveis adequações para mais segurança viária”.
O Dnit informou ainda que existem projetos para a recuperação integral da BR-262 sob circunscrição da Superintendência Regional no Estado de Minas Gerais, com previsão de execução no segundo semestre deste ano, e que trabalha na contratação de projeto de engenharia para a realização do contorno de Manhuaçu.
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