Clara Mariz, Isabela Bernardes e Laura Scardua*
Com o aumento de casos de dengue confirmados e em investigação em Belo Horizonte, a capital entrou em um cenário de epidemia da doença. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a linha é cruzada quando a taxa de incidência de algum mal está acima de 300 casos por 100 mil habitantes. Ontem, segundo os dados da Secretaria Municipal de Saúde, o indicador alcançou 484,6 por 100 mil habitantes. Já são 1.952 registros confirmados e três óbitos por dengue e 151 registros de chikungunya. BH integra a Macrorregião de Saúde Centro, líder em dengue no estado, como mostra levantamento feito Estado de Minas com base no Painel de Monitoramento da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), atualizado às 15h de terça-feira. Excluída a capital, Mateus Leme, Perdigão e Uberlândia puxam o ranking municipal em cada uma de suas regiões. Em 27 de janeiro, Minas decretou emergência em saúde em decorrência da enfermidade.
Como a linha de epidemia foi cruzada em Belo Horizonte, a partir de hoje, o processamento de amostras de exames PCR para diagnóstico de dengue, chikungunya e zika começará a ser realizado no setor de Biologia Molecular do Laboratório Municipal de Referência, da administração municipal. A estratégia busca agilizar os resultados, garantindo tratamento e cuidado em tempo oportuno. A capacidade é de 200 análises por dia, e esse quantitativo será ampliado gradativamente.
O município segue mantendo a assistência às pessoas e ampliando a capacidade de atendimento, mas é indispensável a colaboração da população em ações de combate ao mosquito Aedes aegypti, destaca o secretário municipal de Saúde, Danilo Borges Matias. Segundo a PBH, a pasta conta com um Plano de Enfrentamento às Arboviroses, que é ativado gradativamente de acordo com o cenário epidemiológico da cidade.
“Monitoramos diariamente a situação da capital, a quantidade de casos confirmados e a pressão assistencial nas unidades de saúde da rede SUS-BH que atendem pessoas com sintomas de dengue. Porém, reforço novamente que é necessária a ajuda de cada um para eliminar, de dentro das casas, os possíveis recipientes que acumulem água e possam favorecer a procriação do mosquito. Assim, conseguiríamos diminuir a curva de casos em Belo Horizonte”, reforçou.
Até o momento, foram abertas seis unidades específicas para atender exclusivamente pessoas com sintomas de dengue, chikungunya e zika. São três Centros de Atendimento às Arboviroses (CAAs), funcionando das 7h às 22h nas regionais Barreiro, Centro-Sul e Venda Nova, além de Unidades de Reposição Volêmica (URV) nas regionais Centro-Sul e Venda Nova e no Hospital Júlia Kubitschek, no Barreiro, que foi implantada em parceria com a Fhemig e atende os usuários das 7h às 19h.
ESCALADA NO ESTADO
No segundo ano epidêmico consecutivo para as arboviroses transmitidas pelo Aedes, desta vez com alta de casos logo em janeiro, Minas Gerais tinha ontem 121.412 casos prováveis de dengue, sendo 42.896 atestados por exames laboratoriais, 73 óbitos em investigação e nove mortes confirmadas. Além disso, ahaviam sido notificados 14.835 casos prováveis de chikungunya, 10.048 deles e um óbito já confirmados, além de outras oito mortes em investigação.
No balanço feito pela reportagem nas macrorregiões usadas pelo como referência para o planejamento da atenção à saúde, Belo Horizonte foi desconsiderada, por se tratar da cidade mais populosa do estado, além de absorver atendimento de outros municípios. A Macrorregião Centro, da qual faz parte, tem 101 cidades, que acumulam 18.044 casos de dengue confirmados, dos quais 2.032 só em BH. Excluída a capital, um município a 60 quilômetros dela assume a liderança: Mateus Leme.
De acordo com a professora Jordana Coelho dos Reis, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os 1.010 casos confirmados em Mateus Leme podem estar ligados ao fato de a cidade estar próxima de áreas silvestres, o que contribui para o descontrole da reprodução do mosquito Aedes aegypti.
“É preciso cuidado em relação ao vetor. Se o combate não for feito adequadamente e os moradores não usarem repelente, ficando expostos ao mosquito, principalmente de dia, há mais chances de se infectar. É mais difícil fazer a eliminação dos criadouros em regiões com muito sítio, por exemplo. Naturalmente, há folhas e elementos da natureza que reservam água”, diz. Pela quantidade de exames positivos, é possível estimar que não há tanto controle na cidade, “pois o vírus está circulando, a partir da procriação do mosquito”, completa a especialista.
Segundo a Prefeitura de Mateus Leme, há ações rotineiras, porém com a epidemia nas últimas três semanas, a conscientização foi reforçada, além da aplicação de inseticidas com UBV costal pela cidade. Outras intervenções citadas em nota são uso de fumacê, limpeza de lotes, atendimento em centros de saúde com horário estendido e criação de um Centro de Hidratação, que funcionará a partir de hoje. O município tem 1.107 casos pendentes de exame e um óbito em investigação por dengue.
Público-alvo
O Ministério da Saúde determinou que a Qdenga será aplicada em 521 municípios com maiores incidências de dengue, 22 deles em Minas Gerais. A vacina é segura, e o uso foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O imunizante é feito com o vírus vivo atenuado e interage com o sistema imunológico de modo a provocar uma resposta semelhante à gerada pela infecção natural. A vacina oferece proteção contra os quatro subtipos do vírus da dengue existentes: Denv1, Denv2, Denv3 e Denv4. O calendário de aplicação deve ser definido pelo Ministério da Saúde esta semana, com a vacinação começando ainda em fevereiro.
MACRORREGIÃO OESTE
Na macrorregião de saúde Oeste, integrada por 53 cidades, o município de Perdigão lidera, com 734 casos prováveis de dengue e 640 confirmados. Com pouco mais de 12 mil habitantes, Perdigão viveu dias de “muita dificuldade”, conforme afirma a secretária municipal de Saúde, Neuza Mesquita. “Desde novembro, começou a se falar da dengue na cidade, mas os números não indicavam epidemia. Ainda assim, usamos fumacê e tentamos conscientizar os moradores”, diz. O aumento das infecções em Perdigão pode ser explicado pela dificuldade de levar informação às pessoas, já que escolas e fábricas estavam de férias. Esses locais, conforme a secretária, são os canais mais fáceis para o repasse de informações para uma parcela maior da população.
“Começamos a fazer campanha nas redes sociais, intensificamos o trabalho com agentes de saúde passando nas casas, tivemos contratação de médicos, ampliamos leitos para observação e compramos o aparelho para aplicar o fumacê. Atualmente, há cerca de oito casos por dia, mas houve semanas com 80 confirmações diárias”, completa.
UBERLÂNDIA
Na “ponta” de Minas Gerais, a cidade de Uberlândia lidera a quantidade de casos da macrorregião de saúde Triângulo Norte, com 1.751 confirmações de dengue, segundo o painel de terça-feira. Embora informações da prefeitura apontem as mais diversas ações de combate ao mosquito, especialistas da região alertam para a necessidade de um trabalho contínuo e intersetorial, já que a falta dele pode ter levado a cidade à posição de 2ª maior quantidade de pessoas doentes em todo estado – ficando atrás apenas da capital.
“Vemos intervenções pontuais, mas é preciso conscientizar a sociedade durante o ano todo, com ações intersetoriais. Chamando o Ministério Público, a Justiça, os bombeiros, as universidades, secretarias de Saúde e qualquer outra repartição que for necessário. Mas não para fazer policiamento, e sim um trabalho educativo”, explica João Carlos de Oliveira, especialista em geografia da saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal de Uberlândia. “Cada bairro tem suas particularidades, se diferentes profissionais planejarem ações específicas para cada território, avaliando as necessidades, é mais efetivo”, defende.
A prefeitura local lançou o movimento “Dengue não”, em 23 de janeiro, e monitora a situação do município por meio do Programa Municipal de Controle das Doenças Transmitidas pelo Aedes, da Unidade de Vigilância em Zoonoses (UVZ), fazendo visitas domiciliares, ação de bloqueio com carro fumacê onde há casos suspeitos, recolhimento de pneus, visitas a terrenos baldios, ferros-velhos e imóveis abandonados e monitoramento com ovitrampas. Uma sala de hidratação também foi aberta para atender pacientes que precisam da reposição venosa.
Escassez de vacina na rede privada
Em meio à escalada da dengue, a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC) manifestou ontem preocupação diante da possível falta da vacina na sua rede "especialmente em relação às faixas etárias não cobertas pelo setor público". No SUS, o público-alvo é a população entre 10 e 14 anos de idade, faixa etária que concentra maior número de hospitalizações por dengue, atrás apenas dos idosos. As pessoas que procuram estabelecimentos privados, o que inclui também laboratórios e drogarias, têm enfrentado dificuldades para conseguir o imunizante, com a aplicação de duas doses com intervalo de 90 dias. "Expressamos nossa preocupação diante da possível falta da vacina nas clínicas particulares e especialmente em relação às faixas etárias não cobertas pelo setor público", disse Fabiana Funk, presidente do conselho da associação.
Em Belo Horizonte, laboratórios já apontam falta do imunizante. O tradicional Hermes Pardini, que segundo pesquisa do site Mercado Mineiro vinha oferecendo a dose de Qdenga por R$ 414,20, relata que não dispõe mais de vacinas. A situação é a mesma na rede Drogaria Araujo, composta por mais de 320 lojas em todo o estado, e na Clínica Auge, localizada no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul da capital mineira. Na rede farmacêutica mineira, a vacina custava R$ 364. Já na clínica particular, no cartão, o preço era R$ 399, também segundo o levantamento do MercadoMineiro.
Na segunda-feira, a Takeda informou que, com o atual cenário da inclusão da vacina Qdenga no SUS por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e os registros crescentes da dengue no Brasil, "a empresa está concentrada em atender de forma prioritária ao Ministério da Saúde". Com isso, a multinacional não fará novos contratos com estados e municípios, assim como o fornecimento da vacina no mercado privado brasileiro "será limitado para suprir e priorizar o quantitativo necessário para que as pessoas que tomaram a primeira dose do imunizante na rede privada completem seu esquema vacinal".
Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, a decisão da Takeda foi adequada e não compromete esforços para a imunização da população. "Não compromete porque, infelizmente, a porcentagem de indivíduos que têm acesso a uma vacina com esse custo é muito pequena. Priorizar a saúde pública é uma decisão adequada do laboratório", avalia.
Além disso, Kfouri considera que o alcance da imunização coletiva ainda é muito reduzido com a oferta de vacinas disponíveis no país. "Nem no serviço público, com 6 milhões de doses de vacinas, a gente vai conseguir impactar no problema dengue este ano. Três por cento, 5%, 7% de vacina a mais no setor privado não repercutirá no tamanho do problema. Em proteção individual, claro que sim, tanto no público quanto no privado, vai se beneficiar aquele que for vacinado. Mas, em termos de proteção coletiva, controle da doença, diminuição das taxas de incidência, nem uma coisa nem outra", explica. (Com agências) n
*Estagiária sob a supervisão do subeditor Fábio Corrêa