Antes de depois do muro onde havia um grafite da artista urbana Criola, na Rua dos Timbiras, 1645, no Centro. -  (crédito: Reprodução/Redes sociais - Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Antes e depois do muro onde havia um grafite da artista urbana Criola, na Rua dos Timbiras, 1645, no Centro.

crédito: Reprodução/Redes sociais - Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Um grafite no Largo do Rosário, localizado na Rua dos Timbiras, no Centro de Belo Horizonte, foi apagado semana passada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e coberto por tinta cinza. A obra era da artista belo-horizontina Criola e buscava homenagear a cultura africana.

A denúncia foi feita nas redes sociais pelo padre Mauro Luiz da Silva, que também é membro do Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário, mestre e doutor em ciências sociais e diretor do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu).

 

 

“Passos para frente e passos para trás! O combate ao racismo estrutural não tem descanso”, disse o padre na postagem. Ele contou ao Estado de Minas que estava lanchando em frente ao local no domingo (4/2), quando percebeu a ausência da obra, e um funcionário da loja comentou que o mural tinha sido pintado por causa de obras da prefeitura.

A Secretaria Municipal de Educação (SMED) explicou que o muro onde a arte estava era do Colégio Imaculada Conceição, que encerrou as atividades em 2021. Em agosto de 2023, o terreno foi comprado pela PBH, para a construção do primeiro centro de educação integral da capital mineira.

O Centro de Educação Integrada Imaculada Conceição (CEI) foi inaugurado no local. O investimento foi de R$ 48 milhões e o espaço tem capacidade para atender mais de mil alunos, do berçário ao 9º ano.

No entanto, durante a preparação do espaço para o início das aulas, uma pintura não autorizada foi feita na parede externa, cobrindo o painel. A SMED afirmou que está ciente do ocorrido e já entrou em contato com Criola para restaurar o mural. A reportagem tentou contatar a artista, mas, até o momento da publicação, não houve resposta.

O órgão ressaltou que o projeto de reforma do CEI foi acompanhado pela equipe da SMED, incluindo historiadores e “pessoas sensíveis às manifestações culturais e ao patrimônio artístico da cidade”.

Em nota, o painel foi reconhecido como parte da valorização dos povos negros no local. A PBH se desculpou pelo incidente e informou que reconhece o Largo do Rosário como Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. A Secretaria de Educação reafirmou “o compromisso da valorização do patrimônio cultural da cidade”.

O padre Mauro disse estar feliz que as providências estão sendo tomadas para mitigar o dano à cultura negra de Minas Gerais, mas ressaltou a falta de habilidade das autoridades para lidar com arte urbana. “É muito importante ter histórias negras e representatividade negra. Estamos em 2024, e ainda tem obras de artistas negros sendo apagadas”, criticou.

 

 

A obra

O painel “ORÍ II - A raiz negra que sustenta é a mesma que floresce” estava lá desde 2014 e chegou antes das reflexões e ocupações propostas pelo Muquifu e Projeto NegriCidade, que levaram o Território Afroindígena do Largo do Rosário a ser reconhecido como patrimônio cultural e imaterial de Belo Horizonte.

A obra remete à ancestralidade e à identidade cultural. O termo "ORÍ", que significa cabeça em iorubá, é explorado como um território de comunicação ancestral, simbolizando a base e o suporte para o cabelo e resgatando a cultura africana. O mural destaca a importância de exaltar com orgulho as raízes africanas, em contraste com a perda de identidade causada pela adoção dos padrões europeus de beleza.

“A representatividade das raízes na cabeça simboliza o resgate da identidade africana. A Espada de São Jorge representa o vínculo à cultura popular brasileira, por ser um símbolo forte de proteção, e que normalmente está presente em toda casa. As folhas de coqueiros e as demais representam a influência tropical e a benção de Oxóssi, protetor das Matas. Os grafismos sintonizam a interseção da cultura indígena nacional com a arte africana, representando a miscigenação e a história do nosso povo brasileiro”, explicou a artista Criola, na época em que o mural foi feito.

O painel também era utilizado como local de celebrações, de acordo com o padre Mauro. Em 2022, 125 anos depois da demolição do templo original, foi celebrada a primeira missa de finados no local.

 

Celebração realizada pelo padre Mauro em frente à obra que foi apagada

Celebração realizada pelo padre Mauro em frente à obra que foi apagada

Arquivo pessoal

O Largo do Rosário

 

O Largo do Rosário, localizado no cruzamento das ruas da Bahia e Timbiras, região Centro-Sul de Belo Horizonte, é um patrimônio cultural e imaterial da cidade, mas muitos passam pelo local sem conhecer a rica história ali presente.

A região abrigava a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e um cemitério, construídos no século XIX pela comunidade unida em torno da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial do Curral del-Rei. Embora a maioria da população fosse negra, não havia autonomia para eles nas irmandades brancas, o que os levou a criar a própria irmandade e construir uma matriz.

O Largo do Rosário foi um importante centro de religiosidade e organização comunitária para a população negra. No entanto, o planejamento para a construção de Belo Horizonte resultou na destruição da capela e do cemitério, em 1897 e 1898, apagando parte do legado do povo negro.

Porém, graças à luta do Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário, o local foi reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial de Belo Horizonte em 2022, destacando a importância de preservar e divulgar a memória e a história da população negra que ali habitava. Foi colocada uma placa na esquina do quarteirão, para que todos que passem por lá saibam da importância da região.

Com isso, o Largo do Rosário se tornou um símbolo não apenas de pertencimento e resistência, mas também de reconhecimento e reparação histórica para a população negra de Belo Horizonte.