Horácio Reis e Aida Reis admiram a folia crescente de BH da varanda de casa. Para o casal, a diversão é ver a energia do povo -  (crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Horácio Reis e Aida Reis admiram a folia crescente de BH da varanda de casa. Para o casal, a diversão é ver a energia do povo

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

"Se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Essa é a avaliação geral de moradores vizinhos a blocos que desfilam no Carnaval de Belo Horizonte. Se em outras cidades o carnaval costuma virar um inferno para os populares de áreas residenciais, o gigantismo da folia belo-horizontina contagia até quem não é fã da “bagunça” e mesmo aqueles que não gostam da festa estão indo para a sacada observar os foliões animados, acompanhando o cortejo de blocos pelas ruas de BH. Mas não se engane, isso não significa que a folia seja isenta de problemas. Eles existem, mas, no fim, muitos decidiram que é melhor “aprender a conviver”, ainda que diante de problemas recorrentes, como a questão da mobilidade e do barulho. Já outros, preferem sair da cidade.

Da varanda de casa, na rua Mármore, no bairro Santa Tereza (região Leste de BH), o casal Horácio Batista Reis, de 82 anos, e Aida Guedes dos Reis, de 81, viu o carnaval da capital mineira crescer e tomar dimensões inimagináveis. Os dois são avessos à muvuca, mas desde os primórdios da folia belo-horizontina assistem aos cortejos na sacada do lar, localizado no berço da boemia e movimento musical de BH. Horácio, inclusive, estava presente na famigerada reunião de amigos e artistas que deu início ao Volta Belchior, hoje um dos desfiles mais tradicionais do “Santê”. Depois que o bloco cresceu demais, segundo as próprias palavras de Horácio, ele achou melhor “pular fora”. “Nós gostamos é de observar, seja para julgar ou para elogiar”, crava Aida. Nos dias de calor, o casal já deixa a mangueira preparada para atender aos desejos dos foliões por um refresco. “Eles pedem para a gente jogar água. Nessa época, a mangueira já fica no jeito”, declara Horácio.

Moradores da rua Mármore, no bairro Santa Tereza

Moradores da rua Mármore, no bairro Santa Tereza, "se rendem" à festa na região residencial e entram no clima dos blocos

Jair Amaral/EM/D.A Press

A rua onde moram Horácio e Aida, a poucos metros da Praça Duque de Caxias, popularmente conhecida como pracinha do Santa Tereza, transpira a atmosfera carnavalesca, sendo endereço carimbado de vários blocos locais. Tanto que no prédio do servidor público Luiz Gustavo Silva, de 42 anos, o hall de entrada se transformou em uma extensão da folia na rua para receber, com mais conforto, vizinhos, amigos e familiares. “É uma confraternização bacana, porque a gente se reúne um pouco na rua, volta pra cá e faz a festa aqui. As crianças também aproveitam bastante, porque a rua fecha e eles andam de bicicleta”, relata Luiz, que mora no prédio desde pequeno.

Na avaliação dele, a organização da folia na capital, ainda com seus problemas, merece elogios. “À noite não tem problema. Depois vem o pessoal limpando e parece que não teve nada. Eu vejo claramente como mudou o Carnaval de BH. Meu pai é de Esmeraldas e, antigamente, a gente ia muito para lá aproveitar, porque não tinha nada aqui. Hoje a gente vê o contrário. Muita gente vindo pra cá, porque aqui é o point. Está bombando”, comenta.

Morar em frente aos bloquinhos de rua pode ser, especialmente para os mais jovens, sinônimo de praticidade. “Saio daqui direto para o bloco”, contou o advogado Matheus Rezende Martins Ribeiro, de 26 anos, quando saía para acompanhar o cortejo do bloco Ladeira Abaixo, que sai da praça Zamenhof, no bairro Floresta, Região Leste de Belo Horizonte, e passa pela Avenida Assis Chateaubriand. Para ele, a circulação de blocos em áreas residenciais dá “vida” aos bairros. “Ainda mais o Floresta, que é mais antigo e tem muita tradição de carnaval. É um perrengue, envolve muita coisa, como atrapalhar movimentação e barulho, mas é uma vez por ano e parece que todo mundo se envolve, que todos gostam. Dá uma cara diferente para a rua”, disse em conversa com a reportagem do Estado de Minas.

 

Matheus martins Ribeiro, de 26 anos,

Matheus martins Ribeiro, de 26 anos, não vê problema de passar um cortejo bem no portão da sua casa: "Saio daqui direto para o bloco"

Jair Amaral/EM/D.A Press


Nem tudo é festa

Os moradores entrevistados pela reportagem são unânimes em apontar a mobilidade como ponto desfavorável nesse período. “Quando precisa de algo para sair de casa, é um dificultador. Minha cunhada, por exemplo, em 2019, teve problemas sérios. O menino dela nasceu no carnaval. Deu sorte que foi de madrugada, então, ela conseguiu sair e foi para o hospital; mas para voltar com o neném, ela teve dificuldade. É muito bom, mas tem esses contratempos que a gente tem que dar um jeito. Normalmente, quem não gosta sai da cidade”, relata o morador do Santa Tereza, Luiz Gustavo.

Foi exatamente esse problema de mobilidade que levou João Brumamo, de 27 anos, à sacada de seu apartamento na Avenida Assis Chateaubriand, na manhã de ontem. No meio do cortejo do bloco Ladeira Abaixo, a reportagem viu o músico observar atento à multidão. Mentalmente, ele tentava traçar uma rota para atravessar o mar de pessoas e buscar a namorada que estava trabalhando, conforme relatou depois à reportagem do Estado de Minas.

Mesmo sem muito ânimo em relação à folia, ele gosta de olhar o movimento e festejar só dentro de casa. Esse ainda é o primeiro carnaval de João com um bloco na porta de casa. “Mudei para cá há poucos meses. Eu acho divertido ver a galera ocupando a rua. Acho que tem que fazer isso mesmo, por mais que tenha um pouco de dor de cabeça. Como eu também sou músico, eu presto muita atenção. O clima é muito divertido, para cima, cheio de brasilidade, acho muito interessante de se ver”, declara.