A vida da cuidadora de idosos Fabrina Maria Barbosa, de 33 anos, em Ipatinga, no Vale do Aço, em Minas Gerais, ganhou um novo objetivo ao lado do marido, que trabalha como gari no município: lutar pela sobrevivência da filha mais nova, de 6 meses, Evellyn Sophia Barbosa Venturin, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) do tipo 1 — a forma mais grave da doença. Mãe de mais três meninas, de 3, 11 e 15 anos, e um menino, de 9, Fabrina tem passado uma semana em sua cidade e outra em Belo Horizonte, onde a criança foi internada em 12 de janeiro no Hospital Infantil João Paulo II. O diagnóstico saiu no dia 26 do mesmo mês.
“Tem dias que me sinto mais forte, mas em outros choro muito, a ponto de não conseguir falar. Caso Deus leve minha filha, vou ter a consciência tranquila de que fui até meu limite. Não é fácil viver sabendo que você pode enterrar seu filho a qualquer momento. Já pedi muitas vezes para Deus não levar minha filha”, afirma Fabrina ao Estado de Minas, que agora luta contra o tempo para conseguir ter acesso a uma medicação inserida no protocolo do SUS e orçada em mais de R$ 6 milhões.
Seguindo as características já previstas para a forma grave, que se manifestam antes dos seis meses de vida, Evellyn Sophia apresenta quadro de hipotonia (tônus muscular enfraquecido), controle insuficiente da cabeça, redução de reflexos e insuficiência respiratória. “Não é fácil ver minha filha sem o aparelho que ajuda a respirar. Ela fica agitada e se cansa muito. Quando coloca o equipamento de novo, ela até dorme”, lembra, emocionada.
Doença rara e degenerativa, a AME, em linhas gerais, causa alterações no gene responsável pela sobrevivência do neurônio motor. O tipo 1 diagnosticado em Evellyn representa 58% dos casos, conforme atesta o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para AME. O documento aponta que a expectativa de vida — inferior a dois anos para os portadores do tipo 1 da doença – salta para 35 anos para quem tem o tipo 2. Nas categorias 3 e 4 não há, geralmente, implicações nesse sentido.
Leia também: Entidade busca recursos para construir hospital infantil e pede ajuda
Rifa do carro da família e doações
Com a necessidade de se dedicar de forma integral à filha, Fabrina conta que parou de trabalhar para se dividir entre Ipatinga e Belo Horizonte, enquanto o marido garante, agora, a única fonte de renda da família. Diante do orçamento apertado e dos gastos em decorrência da situação da filha, o casal decidiu fazer uma rifa do único bem de valor que eles possuem: um automóvel Gol, fabricado em 1999.
“Precisamos levantar R$ 70 mil. Parte do valor é para adaptações no quarto dela em Ipatinga, que ainda será construído. Temos que pagar pedreiro, eletricista e comprar materiais da obra para nossa casa, já que temos área livre no terreno”, explica Fabrina. Segundo conta, o hospital só vai dar alta caso o cômodo em que a criança for ficar atenda aos requisitos impostos em manual fornecido pela unidade hospitalar. Em outros termos, o casal precisa montar uma espécie de UTI domiciliar.
Logo, boa parte do valor — cerca de R$ 40 mil — será utilizada para a compra de uma máquina de tosse. Trata-se de um equipamento que força o ar para dentro dos pulmões e depois o aspira a uma pressão predefinida. Essa ação ajuda a produzir uma tosse mais eficaz, mantendo a boa higiene das vias aéreas.
“Também precisamos de outro equipamento que purifica o ar do ambiente. Vamos ter que comprar um guarda-roupa para uso exclusivo dela. As roupas não podem ficar guardadas juntas com as nossas, pois ela tá com a imunidade muito baixa”, acrescenta.
Para arrecadar doações, a família criou um perfil no Instagram, onde divulga informações sobre a criança e disponibiliza as formas de contribuição, que podem ser via Pix, transferência bancária ou depósito em uma plataforma de financiamento coletivo conhecida como "vaquinha". Os interessados em comprar a rifa do carro também podem entrar em contato por meio do WhatsApp (31) 98810-6331.
De Ipatinga a BH
Ao buscar ajuda médica ainda em Ipatinga quando percebeu que algo de errado havia com a criança, Fabrina demorou um pouco a obter respostas, até que uma médica a orientou buscar um neuropediatra na cidade.
“Aqui não tem esse tipo de médico de graça. Só particular. Foi quando tive a ideia de fazer a primeira rifa para pagar a consulta. Comecei a vender no Instagram, quando publiquei um vídeo mostrando a minha filha. Uma pessoa conhecida na cidade, com muitos seguidores, me ajudou a divulgar. Daí, uma mulher, que tem um filho com AME em tratamento no João Paulo II, fez contato comigo e me deu todas as orientações para que eu também conseguisse levar minha filha para esse hospital. Então, acabei não procurando o neuropediatra em Ipatinga. Tive que levar ela às pressas para Belo Horizonte porque a situação já era muito grave”, explica, acrescentando que o dinheiro apurado com a rifa foi utilizado com despesas da primeira viagem à capital mineira.
Ação judicial para acesso a remédio de R$ 6,4 mi incorporado ao SUS
A esperança de um futuro com mais qualidade de vida para Evellyn Sophia está no remédio onasemnogeno abeparvoveque, conhecido como zolgensma, recomendado em laudo médico. O medicamento custa R$ 6,4 milhões, conforme fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Aplicado uma única vez em infusão intravenosa, ele é capaz de frear de forma drástica a evolução da doença, assegurar ganhos significativos no desenvolvimento psicomotor e evitar a morte a curto prazo.
A Anvisa aprovou o uso no país para crianças com até dois anos. Porém, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) adotou a medicação no SUS fazendo recomendação de uso somente até os seis meses de vida. Os medicamentos nusinersena e risdiplam também integram os protocolos de tratamento da doença e estão incorporados ao SUS.
À reportagem, a advogada Priscila Mourão, que representa os interesses da família, diz que primeiro, por meio da prescrição médica, o remédio será requerido junto à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). “Após a negativa, vamos ajuizar uma ação, em face à União, de ‘obrigação de fazer’ com um pedido de tutela de urgência. Pra recorrer à Justiça é preciso esgotar as vias administrativas, como é o entendimento do próprio judiciário”, explica.
Apesar da tentativa por meios judiciais, a família colocou na meta da vaquinha o valor necessário à compra da medicação, uma vez que o processo pode ser demorado, e a criança corre risco de morte.