Artista usa pincel e água para desenhar figuras na fuligem de fogueiras acesas pela população de rua -  (crédito: Fábio Corrêa/EM)

Artista usa pincel e água para desenhar figuras na fuligem de fogueiras acesas pela população de rua

crédito: Fábio Corrêa/EM

As paredes das estruturas do Complexo da Lagoinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte, amanhecem pintadas de preto pela fuligem. Nos vestígios das fogueiras acesas durante a noite pela população que dorme embaixo dos viadutos, o artista plástico Drin Côrtes, de 37 anos, encontra o material para suas obras.

Limpando as manchas com um pincel, um pouco de água e uma escada portátil, ele constrói figuras humanas, rostos e retratos que dialogam diretamente com o cenário que se desdobra por ali diariamente.

Desde 2011, o artista nascido na capital mineira vem trabalhando com o graffiti reverso, técnica que consiste na remoção de resíduos em superfícies para a criação de imagens, sem utilizar tinta ou pigmentos. "Eu não vou pintando, eu vou tirando material. Então, é algo que remete talvez à escultura, que é algo como se a pintura já estivesse ali e eu vou é revelando ela", explica ele.

No Complexo da Lagoinha, as fogueiras são usadas pela população em situação de rua para gerar calor, esquentar comida e também para derreter plástico de fios de cobre – que depois são vendidos de forma clandestina. Diante dessa situação, o artista utiliza imagens de personagens em condição marginalizada, fotografias que ele mesmo replica, à sua maneira, para decorar as estruturas dos viadutos de Belo Horizonte.

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Um desses exemplos é a obra, produzida em janeiro de 2024, que usou como base uma imagem do premiado fotógrafo Junior Imigrante, nordestino radicado em São Paulo.

Quem passava na Lagoinha pela Avenida Antônio Carlos no sentido Pampulha podia ver, surgindo na base de uma das alças do complexo, a imagem de um jovem negro com as mãos no rosto. O Estado de Minas acompanhou Drin Côrtes na produção dessa obra, que você pode assistir no vídeo acima.

Como os retratos do graffiti reverso são feitos a partir da limpeza, sem tinta, é natural que eles também não sejam permanentes. Com o tempo, os trabalhos acabam sendo sobrepostos por mais fuligem, o que, para Drin Côrtes, é parte natural do processo.

Segundo ele, as obras não têm lugar em galerias de arte ou espaços mais tradicionais de exposição. Têm como principal público tanto a população que passa por ali diariamente quanto aquela que vive debaixo do viaduto e que, ele lembra, dificilmente seriam bem-recebidas nos locais privados de divulgação artística.

"Quando eu estou trabalhando com esse material, eu procuro falar dessas circunstâncias, dessas pessoas que estão nessa situação (de rua)”, reflete o artista. “É uma forma que eu encontrei de humanizar esse quadro, de trazer um olhar sensível de quem está passando, para essa circunstância. E lembrar que ali são pessoas, indivíduos, de quem alguém sente falta”, descreve Drin Côrtes.