Pesquisa Arqueológica do Largo do Rosário já identificou local onde há a possibilidade de haver vestígios arqueológicos -  (crédito: Projeto NegriCidade/Divulgação)

Pesquisa Arqueológica do Largo do Rosário já identificou local onde há a possibilidade de haver vestígios arqueológicos

crédito: Projeto NegriCidade/Divulgação

“Precisamos reescrever a história de Belo Horizonte e contar essa história que ficou soterrada pela construção da capital”, afirma o coordenador do Projeto NegriCidade, Padre Mauro Luiz da Silva. Ele integra uma equipe que busca localizar, com precisão, o Largo do Rosário – hoje, considerado Patrimônio Cultural Imaterial do município –, que era composto pela Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos; um cemitério que ficava ao lado; e uma comunidade unida em torno da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial do Curral del-Rei.

Na última semana, o projeto passou com um Georadar (GPR) por uma área aproximada de 1.400m² entre as ruas da Bahia e Timbiras, no bairro Lourdes – onde já foi colocada a placa indicativa de Patrimônio Cultural Imaterial –, para tentar identificar alguma anomalia.

 

“Fazer um serviço arqueológico nessa região é muito complicado. Estamos falando do centro de Belo Horizonte, uma cidade viva, não do interior com área vasta, então escavar é muito difícil. Por isso, optamos por fazer um levantamento inicial com o Georadar e um estudo do subsolo para ver se teria, ou não, algum vestígio da Capela ou do cemitério do Largo do Rosário”, explica Fernando Costa, arqueólogo responsável pela pesquisa.

 

Pesquisa Arqueológica do Largo do Rosário já identificou local onde há a possibilidade de haver vestígios arqueológicos

Estacionamento onde há a possibilidade de haver vestígios arqueológicos da Capela do Rosário

Projeto NegriCidade/Divulgação

 

“Este equipamento emite uma onda, que bate em alguma coisa no subsolo e vai gerando um gráfico que, posteriormente, é interpretado por especialistas geofísicos e eles geram uma imagem. A partir disso, podemos interpretar as anomalias que ocorrem na rua, então como tem um monte de cano, dutos e cabos passando, isso tudo vai aparecendo. Coisas que não conseguimos identificar nessas imagens são consideradas anomalias e podemos associar a um entulho, o resto de uma casa. Não é certeza que será parte do Largo, mas existe a possibilidade”, complementa ele.

Os dados coletados nessa parte inicial da pesquisa já foram encaminhados para análise geofísica aprofundada e retornarão com as imagens nas próximas semanas. Caso seja indicada a presença de anomalias que coincidam com o território do Largo do Rosário, a equipe procederá com solicitações de permissão para escavação.

 

Projeto Arqueológico do Largo do Rosário

Projeto Arqueológico do Largo do Rosário

Projeto NegriCidade/Divulgação

 

“Teremos uma definição mais aproximada para solicitar ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) todos os trâmites burocráticos para uma escavação, agora invasiva mesmo, para sabermos onde poderia estar a Capela e termos a certeza da do local onde acreditamos ter sido construída a Capela. Nós já temos fotografia e documentos que comprovam sua existência, agora precisamos identificar o local, porque pelos mapas que possuímos – feito por sobreposição –, temos uma localização aproximada, mas não exata”, explica Padre Mauro.

 

Projeto Arqueológico do Largo do Rosário

Mapas sobrepostos pelo Projeto NegriCidade

Projeto NegriCidade/Divulgação

 

De acordo com a equipe do projeto, os primeiros dados apontaram que existe uma grande possibilidade de haver vestígios arqueológicos da Capela do Rosário onde, hoje, está o Teatro da Cidade e o estacionamento de frente para o local.

Para o coordenador do NegriCidade, para além dos resultados da pesquisa arqueológica, o seu simbolismo também é muito importante, já que resgata uma parte do legado histórico da capital mineira, construído antes da BH planejada por Aarão Reis e apagada pela branquitude.

“A nossa intenção é contar essa história que ficou soterrada, que os museus da cidade, as escolas do município e do estado não contam. Eu sou nascido em Belo Horizonte, meus pais também, e eu nunca tinha ouvido falar dessa história. Eu cresci sem saber que, na cidade onde eu nasci, pessoas negras como eu são construtoras dessa cidade. Isso me prejudicou de forma irreparável. Não me reconhecer na cidade onde nasci causou danos a mim e à minha personalidade”, conta ele.

“Então poder comprovar que havia uma capela, e que essa capela foi construída por uma Irmandade dos Homens Pretos, com autorização do Rei de Portugal, com autorização eclesiástica, saber que havia essa população negra nesse território, com essa competência, teria mudado a minha história. Eu poderia ter me identificado com pessoas negras, mas a cidade e as escolas só me apresentaram como modelos pessoas brancas. Então, é irreparável para mim, mas pode ser reparado para as próximas gerações e por uma cidade e um país mais diverso e tolerante”, completa.

 

Pesquisa Arqueológica do Largo do Rosário já identificou local onde há a possibilidade de haver vestígios arqueológicos

Placa que reconhece o Largo do Rosário como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte

Projeto NegriCidade/Divulgação

 

Esta pesquisa também é importante para o estudo arqueológico de Belo Horizonte como um todo. Segundo Fernando Costa, já há pesquisas sobre vestígios de períodos anteriores ao Arraial do Curral del-Rei, mas quase nada sobre este período.

“Primeiro, vamos escavar a região onde percebemos que tem potencial de haver vestígio arqueológico. Depois, queremos avançar o estudo geofísico para outras áreas do antigo Curral del-Rei. Há muitas áreas com potencial, como a Igreja da Boa Viagem. Um dos nossos objetivos é ampliar o estudo arqueológico usando essa metodologia não invasiva, que não requer escavação. Podemos encontrar muita informação na cidade, até porque o Arraial teve uma vida de aproximadamente 200 anos e a gente não sabe de nada”, explica.

“Hoje, estamos fazendo um trabalho inédito em Belo Horizonte com a utilização do Georadar, e com certeza é o trabalho arqueológico mais importante já realizado na capital mineira. Então, temos o objetivo de, ali na região do Largo, verticalizar a pesquisa ao escavar o local, ao mesmo tempo em que queremos horizontalizar a pesquisa em outras áreas, buscando vestígios arqueológicos do tempo do Curral del-Rei”, finaliza Costa.