O Bairro Concórdia, na Região Nordeste de Belo Horizonte, vem se tornando um dos destinos dos foliões do Carnaval de Belo Horizonte. Neste ano, o local recebeu nove blocos, segundo levantamento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Repleto de casas, com ladeiras e ruas livres para quem quiser brincar na folia, além de estar próximo do centro e ser repleto de tradição, o bairro foi aprovado como palco do Carnaval por carnavalescos e moradores da região.
A cerca de 3km da Praça Sete, o Concórdia foi uma alternativa para quem quis fugir da grande concentração de pessoas e edifícios nas ruas mais movimentadas da capital, cidade que recebeu 5,5 milhões de foliões em 2024. Soma-se a isso a história do bairro, que tem uma relação bem próxima com a cultura afrobrasileira. O local tem alta concentração de terreiros de umbanda, candomblé, reinados e outros espaços de matriz africana. Blocos como Samba D’Ouro, Afoxé Bandarerê, Afro Magia Negra, Afro Filhos Das Águas, Filhos de Afonjá, Filhos de Tchatcha levaram essa tradição às ruas do bairro durante esse carnaval.
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"Bairro operário e majoritariamente negro, e tem uma história muito intrínseca com aquilo que é a razão de existir do Afoxé, que são os povos de terreiro, a cultura negra, as raízes afro-brasileiras, da matrizes africanas, dos congados", afirma Luiz Phellipe Vieira, membro do Afoxé Bandarerê, que desfilou nas ruas do Concórdia no domingo de carnaval.
Ele descreve o trabalho do grupo como um "resgate histórico de tradicionalidades, de saberes políticos sociais e religiosos que são apagados dos registros oficiais" e que faz questão que o cortejo aconteça no Concórdia por reconhecer a história do bairro ligada à resistência negra e pela presença das inúmeras congadas e terreiros. “A gente entende que descentralizar é quase um ato de revolta contra o poder público, que insiste em não reconhecer que o carnaval neste país é feito pelo povo preto, feito sobre nossa cultura, em cima do nosso suor, da nossa lágrima", diz Luiz Phellipe.
Pequena África de BH
"O Concórdia é uma parte da pequena África de Belo Horizonte, o bairro aglomera várias expressões da cultura negra, como a concentração de terreiros de candomblé e umbanda", diz Camilo Gan, fundador e presidente da Associação Cultural Bloco Afro Magia Negra, um dos coletivos que ocupou as ruas do bairro Concórdia no carnaval.
Tradicionalmente na Quarta-feira de Cinzas, o Afro Magia Negra realiza o "arrastão", que, por meio da sonorização corporal e de tambores, coreografia, homenagens e elementos de raiz africana, busca promover a ‘afrobetização’: relembrar e se posicionar para as pessoas entenderem e valorizarem a presença da cultura negra, explica Camilo. "O objetivo é ‘afrobetizador’: trazer elementos da cultura negra, positivar o nome magia negra, mostrar como a afrodiáspora alimentou o mundo inteiro, principalmente na música, com o samba, trap, rap, hip-hop”, diz Gan. “Vai além do carnaval, é uma viagem de volta para as raízes, estamos presentes no carnaval, mas não queremos que nossas tradições virem fantasia”, completa o fundador.
Neste ano, o arrastão homenageou o artista mestre ferreiro Jorge dos Santos e 13 mulheres. Entre elas, a deputada federal indígena Célia Xakriabá, Meire Alves, cozinheira do grupo de congado e boi da manta da Comunidade Quilombola de Baldim, e Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, PretaHub e Casa Preta.
Já o cortejo do grupo Samba D’Ouro ocupou as ruas do bairro na Região Nordeste, neste ano, pela segunda vez. “A gente considera Concórdia como um quilombo urbano”, diz Imani Katuezô, um dos fundadores do bloco. Nas redes sociais do grupo, que estuda o samba de roda que vem do sertão da Bahia, da região do município de Feira de Santana, a descrição informa: “O Concórdia é mais que um bairro, é nosso quilombo, nossa casa, nosso espaço afetivo e o berço do nosso samba”.
Imani Katuezô diz que a organização do cortejo acredita que o Concórdia é um espaço muito propício para manutenção e propagação da cultura africana. Além das várias casas de umbanda e candomblé na região, o co-fundador do bloco diz que a relação com o bairro começou há tempos. Imanié sobrinho-neto do Mestre Conga e do Kalu, que são um dos fundadores do Grêmio Recreativo Escola de Samba Inconfidência Mineira, uma das agremiações carnavalescas mais antiga de BH. Criada na década de 1950, a escola de samba costumava ensaiar na Praça México no Concórdia.
Neste ano, ao som de timbal, caixa, surdo, sino de vaca e outros instrumentos, o cortejo Samba D’Ouro homenageou o Mestre Nêgo Bispo. Estampada em tecido vermelho e acompanhando o cortejo estava a seguinte frase do mestre: “No dia em que os quilombos perderem o medo das favelas, as favelas acreditarem nos quilombos, e os dois juntos conhecerem as aldeias, o asfalto vai derreter.”
Moradores recebem o carnaval de braços abertos
O Cheia de Manias, bloco de pagode, estreou este ano no carnaval de BH na Praça México, no Concórdia. Segundo Claudia Barbara Maia, uma das fundadoras e coordenadora da bateria, a ideia da organização do bloco era levar o carnaval para regiões que eles acreditam não ter muita divulgação. Claudia conta que o Cheia de Manias foi "feliz" com a escolha este ano.
“A gente pediu as pessoas para tomarem cuidado com o lugar que nos recebeu”, conta a coordenadora da bateria. Claudia diz que o Cheia de Manias se sentiu abraçado pelos moradores do bairro.
Morador do Concórdia, Júlio César Santos, de 68 anos, foi um dos que aprovou a folia. Segundo ele, não houve pontos negativos: a área estava bem policiada, o trânsito organizado e muitos banheiros químicos. “Veio muita gente de fora, isso aquece o comércio”, avalia. “Acredito que quando começou o carnaval aqui foi bom e foi se espalhando”, diz ele, que aguarda mais foliões para o ano que vem.
Wallace Teixeira, de 28 anos, também residente no bairro, concorda que os pontos positivos do carnaval no Concórdia se sobressaíram. O morador destaca que a folia foi ótima e apenas um amigo residente do bairro fez uma reclamação sobre foliões usando a porta da casa dele como banheiro, mesmo com sanitários químicos na área.
“Foi maravilhoso. Não vi confusões ou brigas. Para o comércio foi favorável, veio muita gente de fora”, diz Danielle Luiza, de 43 anos, moradora do Concórdia. Ela é auxiliar de produção de cozinha no Feijoah, restaurante localizado em frente a Praça México, que foi ponto de concentração de diversos blocos, e conta que curtiu os quatro dias de folia no bairro. Para a moradora, a quantidade de eventos carnavalescos que celebram a cultura afro-brasileira foi um atrativo para ficar no bairro. “Como sou espírita, esse foi o ponto que mais me deixou alucinada”, conclui ela.
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*Estagiária sob supervisão do subeditor Fábio Corrêa