O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) lançou, nesta segunda-feira (26/2), um portal online com todas as informações públicas sobre a descaracterização das barragens a montante em Minas Gerais, determinado pela Lei Mar de Lama Nunca Mais – que completou cinco anos no domingo (25/2). A ação faz parte da nova fase do projeto "Desativando Bombas-Relógio", iniciativa do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), e pode ser acessado em barragens.mpmg.mp.br.
“Faz muito sentido, completando cinco anos [de Lei Mar de Lama Nunca Mais] neste dia simbólico, que o Ministério Público dê, à sociedade, acesso a essas informações que são de interesse público e deve ser acessível ao cidadão. É um novo patamar deste projeto que, agora, é capaz de publicizar essas informações e democratizar o acesso, fomentando o controle social”, afirma Carlos Eduardo Ferreira Pinto, promotor e coordenador do Caoma.
Considerada a lei ambientalmente mais importante de Minas Gerais, a Lei Mar de Lama Nunca Mais foi sancionada após o rompimento da barragem de Brumadinho, na Grande BH. A tragédia completou cinco anos em 25 de janeiro e deixou 272 mortos. A barragem tinha o mesmo modo de alteamento que a de Mariana, que colapsou em 2015.
Barragens são diques utilizados para contenção, acumulação, decantação ou descarte dos rejeitos provenientes da atividade de mineração. Elas podem ser construídas por diferentes métodos, e o alteamento a montante significa que a ampliação da estrutura se deu, do ponto de vista construtivo, sobre o dique anterior e sobre o próprio rejeito depositado previamente.
Barragens
Criando a nova Política Estadual de Segurança de Barragens, a Lei partiu de iniciativa popular, capitaneada pela Associação Mineira do Ministério Público (AMMP). Ela proíbe a construção de barragens a montante e, na época, estabeleceu um prazo de três anos para a descaracterização – encerramento das operações e remoção ou estabilização das estruturas, extinguindo suas características e sua função enquanto dique de contenção de rejeitos – das existentes.
“São cinco anos da Lei Mar de Lama Nunca Mais, e isso representa o maior avanço Legislativo na história da mineração do controle dessa atividade em 200 anos. Esta lei traz mais segurança para toda a sociedade mineira. Se ela tivesse sido aprovada em 2016, quando foi apresentada pelo Ministério Público, certamente não teríamos que contar a história de Brumadinho, que foi decorrente de uma estrutura que deveria ter sido descaracterizada”, explica o coordenador do Caoma.
Das 54 barragens a montante existentes no estado, no entanto, apenas 10 foram descaracterizadas dentro do prazo legal – que se encerrou em fevereiro de 2022. Uma articulação entre o MPMG, Governo do Estado de Minas Gerais e Ministério Público Federal (MPF) resultou na assinatura de 18 Termos de Compromisso com as empresas responsáveis pela descaracterização de 43 estruturas até 2035, além do pagamento de R$ 426 milhões por danos morais coletivos. Apenas uma descaracterização é orientada por ação judicial.
Atualmente, 16 barragens já foram descaracterizadas e 38 têm a descaracterização em andamento. Três delas estão em nível 3 de emergência: duas da Vale (Sul Superior em Barão de Cocais e Forquilha III em Ouro Preto) e uma da ArcelorMittal (Serra Azul em Itatiaiuçu). Estas já estão com a zona de auto-salvamento evacuadas.
“Essas três estruturas, hoje, estão passando por um processo de estabilização para que a gente faça uma intervenção da melhor forma possível, já que para a retirada do material e, finalmente, a descaracterização da barragem, temos que tirar a água desse sistema, que é o que está acontecendo agora, e adicionalmente, considerando a fragilidade estrutural delas, estão sendo desenvolvidas estruturas de backup para que, caso aconteça um evento inesperado, todo o material que saia dela seja contido numa área delimitada”, explica Roberto Júnior Gomes, diretor de Gestão de Barragens e Recuperação de Áreas de Mineração e Indústria da Fundação Estadual do Meio Ambiente.
Até 2035
De acordo com o Procurador-Geral da Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior, o prazo até 2035 para a descaracterização do restante das barragens a montante, apesar de ser longo e trazer insatisfação ao público, tem seu estabelecimento fundado em segurança.
“Sempre haverá risco [de novos rompimentos]. Agora, nós temos um processo de monitoramento permanente com prazo sendo cumprido, e o que não pode haver é um processo precipitado de descaracterização das barragens, porque isso sim gerará um risco maior. Então, nós não podemos tomar atitudes intempestivas, gerando mais riscos do que a situação atual”, comenta ele.
“Não adianta chegar com ‘prendo e arrebento’, bloqueio de recursos, afastamento de diretores, paralisação das atividades. O resultado, a primeiro momento, poderia satisfazer a nossa ira e revolta com o descumprimento dos prazos, mas o resultado final não seria positivo. Teríamos, talvez, ações que dariam muitas notícias, traria satisfação de certo modo, mas deixaríamos um legado muito pior que a situação daquele momento, porque o risco só iria aumentar”, finaliza Jarbas.
“Vale lembrar que as barragens que estão previstas para o fim deste prazo são aquelas que, atualmente, estão em situação mais crítica, com risco de rompimento iminente,ou seja, uma análise e um processo de descaracterização dessas estruturas é complexo e deve seguir as melhores técnicas de engenharia. Então, pode parecer um tempo longo demais, mas há de se respeitar sempre a boa técnica para que essas obras não sejam executadas de maneira açodada e que isso possa gerar, inclusive, um rompimento ou algum desastre”, complementa o promotor Lucas Marques Trindade.