Rafael Rocha, Isabela Bernardes e Wellington Barbosa*
O metrô de Belo Horizonte enfrenta uma queda drástica no fluxo de passageiros. Um levantamento exclusivo do Estado de Minas com a empresa que administra a linha, o Grupo Comporte, mostra que, em 10 anos – 2013 a 2023 –, houve diminuição de 66,7% na quantidade de pessoas transportadas pelos trilhos. Entre os fatores que culminam na diminuição estão o aumento da tarifa e usuários migrando para ônibus ou transportes por aplicativos.
Conforme explica o professor do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet/MG Raphael Lucio Reis dos Santos, a análise do cenário deve ser dividida em dois momentos, 2013 a 2019 e 2020 a 2023. A partir dessa separação, é possível levantar hipóteses que justificam a queda no fluxo. “No primeiro período, observamos a queda de passageiros, justamente, quando houve a introdução do transporte por aplicativos e implantação do Move”.
“O passageiro faz uma avaliação do custo mensal que vai ter com transporte e, por vezes, ele é muito representativo. Basicamente, o usuário avalia qual é o transporte que vai oferecer conforto maior, tarifa menor e chegará mais rápido?”, explica o especialista.
A presidente do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro), Alda Lúcia Fernandes dos Santos, também vê na migração de passageiros para o Move um motivo para a queda da demanda no metrô. “O certo seria os ônibus alimentarem o metrô, sendo esse o principal meio de transporte. Quando o Move foi construído, acabou competindo com o metrô, tendo uma linha exclusiva. Acredito que isso acontece por falta de estratégia da mobilidade urbana em BH”, afirma.
Outro ponto que marca a redução de passageiros é o aumento de tarifa, especialmente a partir do segundo semestre de 2019.
FASE DOIS: 2020 a 2023
Segundo o professor do Cefet/MG, o segundo momento do trem urbano tem início a partir de 2020. Os números até 2019 eram de 54.444.130 passageiros transportados no total, sendo 181.233 diários, de segunda a sexta-feira. Já em 2020, com a chegada da pandemia a partir de março, a retração de usuários foi puxada pela COVID-19 e a diminuição de mobilidade de toda a população. Aquele foi o pior ano, com circulação total de 21.269.645, sendo 75 mil a cada dia útil. Depois, em 2021, houve um aumento geral tímido, com 21.498.428. Mas, diariamente, eram apenas 72 mil pessoas na linha.
A mudança aparece em 2022, quando 23.922.018 pessoas circularam, com média diária de 87 mil. O número, porém, não se sustentou no ano seguinte. “Na pandemia, houve uma queda muito grande. De 2021 para 2022, teve aumento de novo, mas com registro de queda maior em 2023. Nesse último ano, acredito que há o impacto da tarifa e o transporte de aplicativo— especialmente por moto. Além disso, o usuário avalia a qualidade do serviço e põe na balança”, diz Raphael Lucio.
De acordo com um levantamento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a cidade teve aumento de quase 6 milhões de usuários nos ônibus de 2022 para 2023. No primeiro ano, os consórcios registraram 269.364.755 pessoas utilizando o serviço. Enquanto no período seguinte, passou para 275.196.161 (alta de 2,1%).
“MAIS LENTO”
A R$ 5,30, o bilhete do metrô é mais caro que a tarifa principal dos ônibus municipais em BH (R$ 5,25) e essa é uma das razões para usuários como Bárbara Laiane e Guilherme Fernandes deixarem de usar os trens. Bárbara, que é auxiliar administrativa, afirma que parou de pegar metrô após os episódios, em janeiro deste ano, de raios caindo na estação e incendiando fiações próximas do Calafate, Carlos Prates e Minas Shopping.
“O metrô era mais rápido, não tinha trânsito. Mas depois dos raios, começou a ficar lento. Está pior do que pegar um ônibus lotado às 7h”, diz. Ela sai do Bairro Serrano, na Região da Pampulha, para trabalhar no Bairro Funcionários, no Centro-Sul. “Chegava em apenas 30 minutos, mas passei a gastar 50. Agora pego dois ônibus, mas ainda é mais rápido”, explica.Já o analista de sistemas Guilherme Fernandes trabalha a quarteirão da Estação Central, na Rua Tapuias, Bairro Floresta, Região Leste da capital, e, mesmo assim, prefere pedir um carro de aplicativo. “Prefiro pagar um pouco mais, especialmente devido à lotação dos trens e demora do percurso de ida e volta do trabalho”.
Guilherme completa que o aumento de preço das passagens e muitas paradas fora da estação, no meio do percurso também são motivos para a troca. Morador da Região do Barreiro, o analista levanta uma questão debatida por quem vive nessa área. “Se a estação do metrô fosse até o Barreiro seria bem melhor”, ressalta. A região é composta por mais de 60 bairros, entre eles o Barreiro de Cima e o Barreiro de Baixo.
Alda, presidente do Sindimetro afirma que o preço da passagem é ponto crucial. “Quando tínhamos o bilhete a R$ 1,80, o passageiro sempre utilizava o serviço. Mesmo que precisasse andar um pouco, com R$ 3,60 fazia tudo. O metrô nunca foi mais caro que o ônibus e, neste momento, está. Acredito que o transporte por aplicativo não tirou tantos passageiros do metrô. O problema está na falta de investimento e fiscalização dos trens”, diz.
PRIVATIZAÇÃO
Em 23 de março, o Metrô BH, completa um ano de administração pelo Grupo Comporte. A privatização do modal, antes administrado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), foi marcada por protestos dos funcionários públicos e paralisações. Porém, em dezembro de 2022, a empresa arrematou a concessão em um leilão do governo federal, por R$ 25,755 milhões.
Apesar das paralisações, a representante do Sindimetro defende que os protestos não influenciaram no movimento de passageiros. “Estávamos garantindo um direito do emprego. Tanto é que privatizar não melhorou. Há muito mais problemas e a passagem é cada vez mais cara”, diz. Entre os obstáculos, ela destaca a demissão de metade dos concursados, que passaram de 1.483 para 702, sendo que a maioria dos desligados fazia manutenção das estações. “As condições de trabalho estão ruins. Para a mulher, em especial, saiu mais caro. Tínhamos licença maternidade aumentada, auxílio-creche e horário especial para quem tem filhos com deficiência. Agora, tudo isso foi cortado”, elenca Alda.
Ainda segundo ela, “o intervalo dos trens ficou maior, e a falta de manutenção preventiva no sistema ferroviário também faz com que problemas sejam mais frequentes. Antes havia transtornos, mas antes a atuação era mais rápida e ágil. Exemplo disso são aqueles raios que caíram nas linhas e trilhos desnivelados”, continua. De acordo com Alda, um aparelho que evita que o raio caia na rede precisa de manutenção preventiva. “Coisa que não tem sido feita, a empresa faz apenas manutenção corretiva”, diz.
Usuários assíduos também reclamam do serviço, como Ana Paula Ribeiro, que utiliza o transporte todos os dias para ir trabalhar. “O aumento da passagem foi bem significativo, e o metrô, ultimamente, está andando muito cheio. Fora o intervalo entre os trens que piorou, e às vezes, eles param nos trilhos e ficam esperando”, afirma.
TEM SOLUÇÃO?
Segundo o professor do Cefet/MG Raphael Lucio, estrategicamente, é necessário que o serviço seja melhorado, seja com redução dos intervalos, revitalizações ou troca de carros. “Certamente, a empresa já deve estar analisando os dados. Uma vez que o usuário vai escolher e optar pela qualidade e tarifa do serviço, é necessário promover a melhoria. Porém, a principal mudança é no valor da tarifa, ela é o que pesa mais para os usuários. O valor, claro, é estabelecido conforme os custos de administração da empresa, mas a interrupção das reclamações fideliza mais usuários”, diz.
O especialista ressalta ainda que dificilmente os números iniciais, de 2013 e 2014, serão retomados, mas ao melhorar o serviço, a progressão pode ser aumentada. As políticas adotadas em outros transportes, como a regulamentação dos aplicativos, também podem ter influência direta na volta de passageiros para o metrô, acredita.
OUTRO LADO
A reportagem entrou em contato com o Metrô BH para conversar com um responsável pela linha e entender o motivo da queda, especialmente em 2023, e quais medidas a empresa pretende tomar para reconquistar os passageiros. Porém, segundoa assessoria de imprensa, não havia nenhuma fonte disponível para entrevista até o fechamento desta edição
*Estagiário sob supervisão do subeditor Rafael Rocha