Um dos principais cartões postais da Serra do Cipó, Juquinha sofre com vandalismo e depredação -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Um dos principais cartões postais da Serra do Cipó, Juquinha sofre com vandalismo e depredação

crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press

Abandonada e sem manutenção, após tanto sofrer pela degradação do tempo, ataques de vândalos e pichadores, a estátua do Juquinha, na Serra do Cipó, será finalmente salva. Depois das denúncias da reportagem do Estado de Minas sobre as condições de penúria da obra que é um dos símbolos mineiros, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Anglo American, mineradora proprietária do terreno onde o Juquinha se encontra, vão celebrar nesta semana um acordo positivo de restauro, melhorias de sinalização e segurança para o simpático ermitão de pedra que dá boas vindas a quem chega na Serra do Cipó.

 

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De acordo com informações do MPMG, as intervenções podem envolver cifras em torno de R$ 400 mil, que precisam primeiro ser aprovadas pela prefeitura de Santana do Riacho, município onde o monumento se encontra. Mas não há um teto de gastos. O Juquinha é uma das obras mais fotografadas de Minas Gerais.

 


Pelo plano de trabalho para restauração, primeiramente ocorrerá a instalação e operação de câmeras de monitoramento remoto 24h por dia ao custo de até R$100 mil, além de instalação de sinalização indicativa com placas orientativas e implementação de planos de ações para educação socioambiental.


Reportagens do EM serviram de alerta

 

“Normalmente o MPMG é provocado e atua sob demanda. Neste caso, foi pelo trabalho do EM, perseguindo este tema por mais de uma oportunidade e mostrando a gravidade da situação. Vimos a situação da estátua e sabíamos que ela era tombada em nível municipal. Ele é um símbolo da Serra do Cipó. Quando vimos as reportagens, resolvemos atuar de ofício, em conjunto com a promotoria de Jaboticatubas. Instauramos um procedimento de investigação, um inquérito civil e foi nesse inquérito civil que as providências para a proteção desse símbolo mineiro foram tomadas”, disse o promotor de justiça Lucas Trindade, da Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente Mineração do MPMG e responsável pelo início da ação.

 


“A nossa estratégia foi procurar a quem caberia a responsabilidade pela preservação e restauro da obra. Como o terreno é da mineradora Anglo American, essa responsabilidade recai sobre eles”, afirmou o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (CAOMA), Carlos Eduardo Ferreira Pinto.


“Foi muito importante receber as denúncias da reportagem. Isso mostrou um problema que estava se agravando sobre um bem que é de interesse da sociedade. Assim pudemos então agir para solucionar esse problema. O Ministério Público chamou a empresa e afirmou que eles deveriam apresentar um plano de restauração. Eles apresentaram, nossa equipe validou, e eles vão executar agora. Em nenhum momento a empresa se esquivou da sua responsabilidade e isso foi fundamental”, explicou o coordenador.


“Existe uma jurisprudência do TJMG que diz que a restauração de bens culturais é do dono do terreno. Se alguém é proprietário de um terreno que tem um bem, ele é responsável pela sua preservação, ainda que os danos de depredações e vandalismo não tenham sido causadas pelo proprietário”, reforçou o promotor de justiça da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, Lucas Pardini Gonçalves.

 

Restauro, vigilância e sinalização

 

“Ao longo do tempo, ajustamos quais seriam as ações da empresa. Vai começar com a apresentação de um projeto de intervenção junto à prefeitura de Santana do Riacho, uma vez que a estátua é tombada pelo patrimônio municipal. Uma vez que a prefeitura aprovar o projeto de restauração e de segurança, a empresa vai executá-lo. Estão previstas também a instalação de placas informativas e manutenção de sistemas de vigilância, uma vez que existe a constatação de ações de depredação e vandalismo. O sistema de vigilância e de monitoramento terá comunicação direta com a Polícia Militar de Minas Gerais e o seu acionamento em caso de ataque ao bem. Não há um teto de valores a ser gasto com o restauro e a implementação do sistema de segurança e de informação”, adiantou o promotor.

 

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A estátua fica no alto das montanhas da região do município de Santana do Riacho conhecida como Alto Palácio, a cerca de 110 metros das margens da rodovia MG-010, na altura do KM 117. Foi construída em homenagem ao eremita que era muito querido na região, sob encomenda dos prefeitos de Conceição do Mato Dentro e de Morro do Pilar, em 1987, três anos após a morte do andarilho. A construção em ferragens e cimento, com três metros de altura, foi esculpida pela artista plástica Virgínia Ferreira. Já passou por duas reformas feitas por ela, a última há duas décadas.


Trincas e vandalismo

 

Desde o dia 10 de junho de 2023, a reportagem do EM mostra a situação de abandono do personagem das montanhas. A escultura do Juquinha já perdeu o dedão da mão direita; uma fenda se abriu em uma das pernas, enquanto as beiradas do chapéu se quebraram. Nos braços, há buracos com mais de um dedo de largura e profundidade. O paletó também exibe avarias e trincas. A superfície da obra de arte está tomada por trincas e rachaduras. Em algumas partes dos braços e pernas, os vergalhões de aço que dão forma à estrutura já estão expostos e enferrujando.


O último ataque de pichadores ocorreu na semana seguinte, no dia 17 de junho de 2023, segundo o administrador do restaurante que funciona ao lado da estátua, Dilceu Moreira da Silva. As costas da imagem foram riscadas por canetão roxo, tendo sofrido também o mesmo tipo de vandalismo as pedras do calçamento no caminho para o monumento e a portaria de entrada para o restaurante que funciona ao lado. "Fechei o restaurante na noite de sábado. No domingo de manhã já estava tudo pichado. O que leva uma pessoa a interferir de propósito em um símbolo de liberdade e de bondade como o Juquinha? É por isso que essa obra tinha de ser melhor protegida, mas a verdade é que a abandonaram", protesta o administrador.


No dia 6 de julho de 2023, a Prefeitura de Santana do Riacho, cidade da Região Central de Minas onde o monumento está instalado, informou ter aberto tratativas com a mineradora Anglo American, que é dona do terreno onde está a obra, para iniciar o processo de restauro. Um ofício foi encaminhado à empresa "explicando a necessidade de se fazer uma avaliação mais assertiva do bem, para uma possível intervenção do que for necessário, além de propor uma possível parceria”, informou à época a secretaria municipal de Educação e Cultura.


Ação do tempo demanda intervenções

 

A artista plástica que eternizou o Juquinha na Serra do Cipó também protestou e ofereceu reformar a estátua pela terceira vez. Virgínia Ferreira estima que a sua obra precise de receber manutenção e uma reforma a cada 5 anos para ser preservada. Isso devido à obra ser muito exposta às intempéries. "Ele está em uma área de muita variação de temperatura. Ao mesmo tempo que tem neblina, vem o sol, passa um pouco e está chovendo, vem neblina de novo, muito vento, e isso tudo promove a degradação da estátua. Umidade, temperatura. Isso promove dilatações que agridem o cimento e a ferragem", conta Ferreira.


A artista tem até um projeto aprovado em dezembro de 2022 na Lei de Incentivo à Cultura Federal que prevê trabalho de dois meses de restauração do Juquinha por meio de renúncia fiscal e patrocínio. Seriam necessárias cerca de 15 pessoas. Uma tenda seria erguida protegendo a obra, mas ficaria aberta para que o público possa ver o trabalho e aprender também. As partes perdidas seriam remodeladas e fundidas na estátua, que receberia limpeza e banho de fungicida.


Segundo o MPMG, a execução da reforma e da implementação de sinalização e de segurança caberá à Anglo American, bem como a indicação de quem será o restaurador.